No momento em que chamas devastam o Pantanal, que enfrenta número recorde de focos de incêndio este ano, diversas imagens que supostamente retratam a situação do bioma circulam nas redes, sendo compartilhadas dezenas de milhares de vezes desde meados de setembro.
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Incêndios e pandemia: checamos discurso de Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU de 2020Checamos: Vídeo não mostra brigadistas causando incêndio no Pantanal, mas técnica de combate a chamasÁrea queimada no Pantanal equivale a 56 BHChecamos o vídeo gravado na Bahia e usado para ligar MST a apagão no Amapá em 2020“IMAGENS FORTES!!!!!”, começam publicações compartilhadas mais de 45 mil vezes no Facebook (1, 2, 3) e Twitter desde o último dia 17 de setembro. “O pantanal está virando cinzas e muitos fingem que não sabem ou fingem que não vêem. Então, aqui algumas imagens para vocês, elas são fortes, mas é o que está acontecendo agora”, continuam.
O texto, que segue descrevendo a devastação do bioma, é acompanhado por até 22 imagens de chamas consumindo vegetações ou de animais afetados por incêndios.
“Compartilhe isso, ou pegue as imagens e poste nas suas redes sociais e envie para outras páginas para ter maior alcance”, pede a mensagem viralizada.
Localizado nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, o Pantanal brasileiro tem enfrentado número recorde de incêndios este ano, com 16.238 focos ativos registrados pelo Instituto Nacional de Estudos Espaciais (Inpe) entre janeiro e o último dia 24 de setembro.
As chamas afetam gravemente a fauna e a flora da região, como registrado em imagens pela AFP.
No entanto, muitas das fotos compartilhadas nas redes para chamar atenção para esta crise ambiental foram tiradas em outras regiões, anos e até países. Verificamos, abaixo, algumas delas.
Austrália, 2016
Uma busca reversa no Google por uma das imagens - na qual um homem aparece de pé em uma canoa sob um rio em chamas - mostra que ela foi retirada de um vídeo publicado no Facebook em abril de 2016 por um parlamentar australiano.
Na gravação, é possível ver o político Jeremy Buckingham ateando fogo na superfície do rio para demonstrar o impacto, segundo ele, do fraturamento hidráulico, uma técnica de extração de combustíveis líquidos e gasosos do subsolo.
Ao longo do vídeo, Buckingham identifica o local em que as imagens foram gravadas: o rio Condamine, no estado australiano de Queensland. O experimento do parlamentar foi amplamente reportado pela mídia (1, 2, 3), inclusive pela AFP, em 2016.
Califórnia, 2019
Outra imagem, na qual um homem puxa um cavalo para longe de um incêndio, tampouco foi feita no Brasil.
Uma busca no Google por registros anteriores da foto mostra que ela foi tirada pelo fotógrafo Étienne Laurent, em 30 de outubro de 2019 na Califórnia, Estados Unidos, para a agência European PressPhoto Agency (EPA).
Segundo a legenda, o registro mostra um fazendeiro retirando um cavalo de uma propriedade na cidade de Simi Valley, atingida pelo incêndio Easy, que devastou 650 hectares em cerca de 12 horas na Califórnia, no ano passado.
Califórnia, 2017
Uma terceira imagem que ilustra as publicações viralizadas também foi feita na Califórnia, como mostra uma busca reversa.
A foto foi identificada em um artigo, de dezembro de 2017, sobre os incêndios que afetavam esse estado norte-americano na época. No texto, a foto é creditada à AFP.
Uma consulta no banco de imagens da agência permite confirmar que o registro foi feito em 9 de dezembro de 2017, na cidade de Ojai, na Califórnia, durante o incêndio Thomas, que destruiu uma área de 1.140 km2, aproximadamente o tamanho da cidade de Los Angeles.
Espanha, 2007
Uma busca reversa por outra das imagens, de cavalos aparentemente carbonizados, mostra que ela já foi atribuída a diversos incêndios, como os que atingiram Portugal em 2018, e a Chapada dos Veadeiros, em Goiás, em 2017.
O registro mais antigo da foto localizado pelo AFP Checamos indica, no entanto, que ela foi feita no município de Puebla del Caramiñal, na Espanha, em 2007, após um incêndio. O site, que credita a imagem a Dani Gestoso traz, ainda, outras fotos (1, 2, 3) que parecem retratar os mesmos animais de outros ângulos.
Brasil, outras regiões
Algumas fotos que acompanham as publicações foram feitas no Brasil, mas não no Pantanal.
Essa é o caso do registro de uma jaguatirica ferida que foi encontrado em uma nota da Polícia Rodoviária Federal (PRF) que alertava condutores sobre o risco da presença de animais silvestres em rodovias que cortam o estado de Rondônia. A matéria da PRF não possui data, mas o mesmo texto - com a imagem do animal machucado - foi encontrado em uma publicação de 8 de agosto de 2016.
A imagem já havia sido compartilhada em 2019, como se retratasse as consequências das queimadas que atingiram a Amazônia naquele ano.
Já a foto de um tatu carbonizado foi localizada em uma matéria, de agosto de 2019, sobre uma queimada que atingiu uma área de reserva ambiental em Castilho, São Paulo. Também em agosto de 2019 foi publicada originalmente a imagem de bovinos carbonizados, em um artigo sobre uma queimada que atingiu um sítio em Jataí, no sudoeste de Goiás.
O filhote de anta visto em uma das imagens compartilhadas nas redes também não foi vítima dos incêndios que afetam o Pantanal em 2020. Uma busca reversa pela foto a localiza em um artigo, escrito em 20 de setembro de 2016 pela engenheira florestal Patrícia Medici.
No texto, Medici conta que o filhote havia sido resgatado, alguns dias antes, pelo Instituto Ayumi em Mineiros, Goiás, após um incêndio que atingiu um plantio de cana de açúcar na região. De fato, a imagem viralizada - assim como outras fotos do mesmo animal - foi publicada no Facebook do Instituto Ayumi em 14 de setembro de 2016.
O clique de um homem sobre um tronco de madeira tampouco retrata a situação do Pantanal. Uma busca no Google mostra que a imagem foi feita pelo fotógrafo Ricardo Funari, em 16 de novembro de 2014, no Acre, para a agência Getty Images.
“Extração de madeira, desmatamento da floresta amazônica, trabalhadores derrubam grande árvore usando uma motosserra no Acre”, detalha a legenda da foto.
A imagem de um homem segurando um tatu também circula desde antes dos atuais incêndios do Pantanal. Uma busca reversa a localiza em um artigo de outubro de 2019 sobre as chamas que afetaram a Amazônia no ano passado. Segundo a matéria, a foto foi feita pelo Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo), no município de Apuí.
Já a foto de um tamanduá de braços abertos foi localizada em uma reportagem de novembro de 2005 com crédito ao fotógrafo Araquém Alcântara. Procurado pela equipe de checagem da AFP em 2019, quando a imagem viralizou em outro contexto, Alcântara confirmou que fez a foto 14 anos antes, na rodovia Cuiabá-Santarém, próximo à cidade de Novo Progresso, no Pará.
Pantanal, anos anteriores
Outras fotos realmente foram feitas no Pantanal, mas não em 2020.
Esse é o caso do clique de bovinos e pássaros andando por uma área desmatada, que foi publicado em 16 de setembro do ano passado no portal oficial do governo do Mato Grosso do Sul, em um artigo sobre um incêndio que havia atingido uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) - unidade de conservação localizada em uma propriedade privada - na cidade de Miranda, a partir do dia 10 de setembro de 2019.
Contactada pelo AFP Checamos, a Coordenação de Fotografia do governo do Mato Grosso do Sul confirmou que o clique foi feito em 15 de setembro do ano passado pelo fotógrafo Saul Schramm durante o incêndio descrito no texto.
Já a foto de um filhote de onça machucado foi localizada em um artigo publicado em maio de 2009 sobre animais que acabaram atropelados em Corumbá, no Mato Grosso, ao fugir das queimadas que atingiram o Pantanal naquele ano. Segundo a matéria, a imagem foi feita pela bióloga Nara Pontes, do Centro de Reabilitação de Animais Silvestres (CRAS) de Campo Grande.
A imagem de quatro bovinos mortos foi publicada por diversos veículos de comunicação em setembro de 2017 (1, 2, 3), em artigos sobre uma série de incêndios que atingiram propriedades rurais no interior do Mato Grosso, naquele ano.
A foto de um réptil também é antiga e foi publicada em 30 de outubro de 2019 no portal do governo do Mato Grosso do Sul. Creditada ao fotógrafo Chico Ribeiro, a imagem mostra uma das consequências de um incêndio florestal que atingiu a área conhecida como Estrada-Parque naquele ano.
Pantanal, 2020
As últimas imagens que ilustram as postagens realmente retratam a situação atual do Pantanal. As duas primeiras, de uma jaguatirica morta e de um cervo, foram feitas pelo fotógrafo João Paulo Guimarães, enquanto estava cobrindo os incêndios que afetam o bioma para o site Repórter Brasil.
Procurado pelo Checamos, Guimarães detalhou que fez ambas as imagens em uma viagem ao Pantanal entre os dias 25 de agosto e 1º de setembro deste ano.
O clique da carcaça de um macaco-prego foi feito pelo fotógrafo Lalo de Almeida e publicado no jornal Folha de S. Paulo em 17 de agosto deste ano. Fotos do mesmo animal, de outros ângulos, podem ser vistas nesta reportagem, que detalha que elas foram tiradas na Reserva Particular do Patrimônio Natural Sesc Pantanal, em Barão de Melgaço, Mato Grosso.
Já a imagem de um jacaré queimado foi feita em 31 de agosto deste ano pela fotógrafa Amanda Perobelli para a agência Reuters, como demonstrou uma busca reversa. De acordo com a legenda, a foto foi tirada no município de Poconé, no Mato Grosso, após um incêndio.
Esta foto aérea também mostra as consequências das queimadas no Pantanal em 2020. O clique foi feito pelo biólogo Gustavo Figueiroa para o instituto sem fins lucrativos SOS Pantanal, que a publicou no Instagram no último dia 16 de setembro. Cenário semelhante foi retratado pela AFP em 13 de setembro deste ano.
A equipe de checagem da AFP não conseguiu localizar a origem de duas das imagens que ilustram as publicações viralizadas, uma de carcaças de pássaros e outra de um bovino em uma área desmatada.
Em resumo, embora incêndios sem precedentes estejam afetando o Pantanal este ano, muitas das imagens compartilhadas nas redes para retratar esta esta situação foram feitas, na verdade, em outros países, regiões ou anos.