Jornal Estado de Minas

FACT-CHECKING

Checamos: Usada desde 1996 no Brasil, urna eletrônica nunca teve comprovação de fraude

Publicações compartilhadas mais de 30 mil vezes desde outubro de 2017 são ilustradas com a fotografia de um homem vestido com a camisa do Brasil e segurando um cartaz com a frase “Urna eletrônica não é tecnologia, é malandragem”.



Contudo, desde que começou a ser usada, há mais 20 anos, não houve nenhuma confirmação de fraude em eleição com urnas eletrônicas, além da possibilidade do equipamento ser auditável.

“Quero meu voto impresso. RATAIADA UNIDA ROUBANDO O BRASIL E O BRASILEIRO #QueroMeuVotoImpresso #VotoImpressoJa”, “QUEREMOS O VOTO IMPRESSO” e “Interessante, as urnas são confiáveis, mas o voto impresso não?”, são algumas das legendas das postagens compartilhadas milhares de vezes no Facebook (1, 2, 3).

Com a aproximação das eleições municipais de 15 de novembro, nas quais serão eleitos prefeitos, vice-prefeitos e vereadores, a imagem, que circula desde 4 de outubro de 2017 no Instagram, voltou a ganhar espaço nas redes sociais.




Uma busca pelo registro mais antigo desta foto levou a uma publicação no Twitter com data de 28 de setembro de 2016, a poucos dias do primeiro turno das eleições municipais daquele ano.

Mas a acusação feita nas postagens não tem fundamento.

A urna eletrônica, usada pela primeira vez nas eleições municipais de 1996, foi criada para minimizar os problemas identificados pela votação em cédula: lentidão na apuração, falhas não intencionais e falhas intencionais.

Para a criação da urna eletrônica, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) montou uma comissão técnica com pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Centro Técnico Aeroespacial (CTA) de São José dos Campos, a fim de definir requisitos funcionais.



De acordo com o secretário de Tecnologia de Eleições do TSE, Giuseppe Janino, a urna eletrônica não é adquirida no mercado: “Desenvolvemos internamente o projeto. Essa solução tem o diferencial de servir exatamente para as nossas necessidades e se encaixar exatamente na nossa realidade”.

Segundo a seção de desmentidos do site do TSE, a urna eletrônica foi projetada para ser um aparelho isolado, ou seja, “funcionar sem estar conectada a qualquer dispositivo de rede, seja por cabo, wi-fi ou bluetooth. O que preserva um dos requisitos básicos de segurança do sistema”.

Outro procedimento realizado para garantir a transparência do processo é fato das urnas eletrônicas realizarem automaticamente a apuração e emitirem o boletim de urna, contabilizando o total de votos por partido, por candidato, em branco, total de comparecimento em voto e de nulos, identificação da seção e zona eleitoral, horário do encerramento da eleição, código interno da urna eletrônica e sequência de caracteres para validação deste relatório.



Como indica um manual preparado pelo próprio TSE, esse boletim é um documento público, cuja cópia é afixada no local de votação para que qualquer pessoa possa conferi-lo. Ele também é entregue aos fiscais de partido e a quem mais tiver interesse e estiver presente no momento. Nos dias posteriores, esse mesmo relatório pode ser conferido na Internet.

Em conversa com o Checamos, o professor Mário Gazziro, doutor em Física Computacional, confirmou que os boletins de urna colocados nas seções são “facilmente fiscalizados pelos eleitores de hoje com celulares” e citou o projeto “Você Fiscal”, idealizado por Diego Aranha, do Instituto de Computação (IC) da Unicamp. Com atuação durante as eleições de 2014 e 2016, os eleitores fotografavam os boletins de urna e os resultados eram conferidos com os oficiais divulgados pelo TSE.

“O projeto foi inativado justamente porque a Justiça Eleitoral se mostrou extremamente confiável. Mas nada impede que retomemos a iniciativa se começarmos a suspeitar de algo irregular, ou de número estranhos”, afirmou Gazziro.



Para a apuração total dos votos, as informações contidas no boletim de urna são gravadas em uma mídia removível e criptografada, que é levada a um ponto de transmissão ligado à rede privativa do Tribunal Superior Eleitoral.

As urnas eletrônicas, inclusive, já passaram por diversos procedimentos de auditoria e, apesar de denúncias terem sido feitas, o TSE fez uma investigação e nenhuma fraude foi constatada.

Sobre isso, Gazziro explica: “Não basta copiar o software da urna e adulterar. Tem que ter em posse a chave de codificação correta para poder enviar os dados adulterados da eleição ao TSE. Mais uma vez, essas denúncias configuram uma possibilidade remotamente plausível”.

Há uma série de formas para realizar a auditoria deste equipamento, como indica o TSE: registro digital do voto, log da urna eletrônica, auditorias pré e pós-eleição, auditoria dos códigos-fonte, lacração dos sistemas, tabela de correspondência, lacre físico, auditoria da votação (votação paralela), e oficialização dos sistemas. Os sistemas também podem ser requisitados para análise e verificação a qualquer momento.



Para garantir isto, existe a resolução nº 23.603/2019 que, em seu capítulo IV, trata especificamente da auditoria de funcionamento da urna eletrônica. O artigo 52 diz: “Os trabalhos de auditoria de funcionamento das urnas eletrônicas, previstos nos capítulos V e VI desta Resolução, são públicos e poderão ser acompanhados por qualquer interessado”.

Nas eleições de 2018, a Organização dos Estados Americanos (OEA) enviou uma Missão de Observação Eleitoral ao Brasil pela primeira vez para observar o processo eleitoral. A partir dessa visita foi elaborado um relatório que menciona, entre outros pontos, a possibilidade de fiscalização pelos partidos das etapas da eleição, incluindo a auditoria das urnas.

Naquele ano, um especialista em tecnologia eleitoral da missão da OEA participou das auditorias após o primeiro turno das eleições gerais. Em algumas cidades foram feitas denúncias, mas os resultados mostraram que os equipamentos tiveram comportamento normal.



As urnas também são fisicamente lacradas, explica o TSE, com lacres especiais produzidos pela Casa Moeda, “cujas propriedades químicas impedem qualquer tentativa de violação: ao ser retirado, aparece imediatamente a inscrição de que foi violado”.

A fim de garantir a segurança técnica das urnas eletrônicas, a Justiça Eleitoral realiza um Teste Público de Segurança (TPS) do sistema de votação para aumentar a confiabilidade no processo eleitoral, pois ela abre seus sistemas para que investigadores tentem ultrapassar as 30 barreiras de segurança do sistema eletrônico de votação.

Sobre a viabilidade de uma fraude nas urnas eletrônicas, o também professor na Universidade Federal do ABC assinalou: “Seria possível, mas muito improvável na forma como é realizada hoje”. “O ideal seria partir para o voto impresso, que deve ser depositado na urna local”.



Com a chegada da urna eletrônica em 1996, havia desconfiança (1) sobre a transparência do processo. Assim, em 2002, o voto impresso foi sugerido como forma de fazer a recontagem nas urnas e para que o eleitor pudesse ter certeza de sua escolha.

Em 2009, o voto impresso foi aprovado pelo Congresso Nacional. De acordo com o artigo 5º da lei nº 12.034/2009, a urna eletrônica exibiria na tela os votos digitais e, após a confirmação, imprimiria um número único de identificação do voto associado à sua própria assinatura digital.

Anos mais tarde, em 2013, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou como inconstitucional o artigo em questão, pois este tornava vulnerável o segredo do voto, garantido no artigo 14 da Constituição Federal.



Em 2015, a minirreforma eleitoral previa a emissão de um comprovante de votação pelas urnas. Em setembro deste ano, o STF decidiu o voto impresso como inconstitucional por ameaçar a inviolabilidade do sigilo da votação e ainda favorecer fraudes eleitorais.

Para fins de conferência, há o registro digital do voto, que recupera os votos para recontagem eletrônica a qualquer momento.

Gazziro afirmou que dentre inúmeras dificuldades para fraudar um equipamento de votação “seria o acesso ao software da urna” que “pode ser auditado pelos representantes dos partidos e também da OAB meses antes da eleição”.



Esta auditoria é feita em uma sala-cofre onde nada eletrônico pode entrar e “o software tem milhões de linhas de código. Isso torna quase impossível alguém entrar e conseguir sair com informações apenas de memória para elaborar sua própria versão clone do software, que ainda teria que ser instalado na urna. E, além disso, seria necessário obter as chaves de segurança da eleição. Estamos falando de muitos ‘se’”, continuou.

Em diferentes ocasiões, o presidente Jair Bolsonaro questionou a confiabilidade das urnas (1, 2, 3), citando a possibilidade de fazer um projeto de lei para auditar os resultados das eleições no país.

Um levantamento feito pelo International Institute for Democracy and Electoral Assistance (IDEA) com 178 países mostra que, além do Brasil, outros 25 Estados usam o sistema eletrônico de votação em votações nacionais.

Em resumo, é enganoso afirmar que as urnas eletrônicas são “malandragem” e facilmente fraudáveis. Além de existirem inúmeros mecanismos técnicos e físicos de proteção das urnas eletrônicas, um especialista consultado pela AFP aponta que “é muito improvável” ocorrer uma fraude na forma como as eleições acontecem atualmente.



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