A teoria de que o laboratório de Wuhan, onde supostamente se originou o novo coronavírus, pertence à companhia Glaxo, que faria parte de uma cadeia de conexões que vão desde a farmacêutica Pfizer, à gestora de fundos de investimento BlackRock, passando pela Microsoft e Bill Gates, foi compartilhada mais de 2 mil vezes em redes sociais desde o último dia 4 de dezembro.
“O laboratório biológico chinês em Wuhan é propriedade da Glaxo! Que, por acaso, é dono da Pfizer! (aquele que produz a vacina!) Que, por acaso, é administrado pelas finanças do Black Rock. Quem, por acaso, administra as finanças da Open Foundation Company (SOROS FOUNDATION)! Que, por acaso, atende á francesa AXA! Coincidentemente, ele é dono da empresa alemã Winterthur. Quem, por acaso, construiu o laboratório chinês em Wuhan”, começa o texto viralizado.
A mensagem continua garantindo que o laboratório de Wuhan foi comprado “acidentalmente” pelos alemães da Allianz, “que, aliás, tem a Vanguard como acionista. Que é acionista da Black Rock. Que controla os bancos centrais e administra cerca de UM TERÇO do capital de investimento global. Que, aliás, é um dos principais acionistas da MICROSOFT, propriedade de quem? BILL GATES, que só por acaso é acionista da PFIZER (que vende o milagre VACCINE) e atualmente é o primeiro patrocinador da OMS”.
“Se não estiver suficientemente claro por que é que um morcego entrou e agarrou a SERPENTE e TODO O MUNDO se infectou, posso continuar?”, termina o texto amplamente compartilhado no Facebook (1, 2, 3), Twitter (1, 2, 3) e Instagram.
A teoria também circula em espanhol e italiano, e o primeiro registro da mensagem localizado pela equipe de checagem da AFP foi esta publicação feita no Facebook em 12 de novembro, que atribui o texto a alguém chamado “Giuseppe Renda”.
Uma primeira busca por esse nome no Google levou a um perfil no LinkedIn de um funcionário da Pfizer na Itália. A equipe de checagem da AFP entrou em contato com Renda, mas não obteve retorno até a publicação deste artigo.
O Instituto de Virologia de Wuhan
Uma pesquisa sobre a origem do Instituto de Virologia de Wuhan (WIV, na sigla em inglês) não identificou qualquer relação do laboratório com a empresa Glaxo.
Segundo esta nota de 2017 da revista Nature, a criação do laboratório P4 do WIV, no centro de polêmicas desde o início da crise do novo coronavírus, foi aprovada em 2003 pela Academia de Ciências da China (CAS, também na sigla em inglês) e foi realizada com ajuda do Centro Internacional de Pesquisa em Infectologia (CIRI, em francês). O laboratório P4 do WIV foi inaugurado em 2015.
Numerosas teorias afirmam que o novo coronavírus foi criado no P4 do Instituto de Virologia de Wuhan, ou que “escapou” deste laboratório. O próprio presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse em abril “ter provas” de que a pandemia começou neste instituto, mas nunca apresentou-as.
O AFP Checamos já verificou publicações que alegavam que o vírus foi criado propositalmente, ou fabricado por intervenção humana.
Tanto nos registros da inauguração, como nas páginas (1, 2) de informação corporativa no site do WIV, não há qualquer menção à participação de uma empresa estrangeira. O Instituto depende da Academia de Ciências da China que, por sua vez, depende do governo chinês.
Uma busca no site da Open Society Foundations, fundada por George Soros, não localiza menções à seguradora francesa AXA vinculadas a gestões monetárias. A companhia é citada apenas em um documento como um exemplo de empresa que entrou com uma ação judicial para proteger sua propriedade intelectual. Além disso, a organização filantrópica de Soros não aparece no organograma da AXA.
O Winterthur Group, por sua vez, era uma seguradora suíça, não alemã, como dito no texto viralizado, que foi adquirido pela AXA em 2006. Uma busca no Google não leva a resultados sobre a suposta construção de um laboratório na China por parte da extinta empresa.
Já a Allianz indica em seu site que, na China, possui escritórios em Pequim, Xangai e Cantão. Não há menções a Wuhan, nem a um laboratório da companhia sediado no país.
Na página de informações corporativas da multinacional Glaxo na China tampouco há qualquer menção sobre uma suposta participação da empresa nem no WIV, nem em nenhum outro centro em Wuhan. A Glaxo conta com dois joint-ventures no país asiático e está presente nas cidades de Xangai, Pequim e Tianjin.
Glaxo e Pfizer
Segundo a CNN Money, a Pfizer é controlada majoritariamente pelo The Vanguard Group, que possui 7,67% de suas ações. Na lista de acionistas, não consta a companhia GlaxoSmithKline, mas sim o fundo Capital Research & Management. No entanto, este fundo possui apenas 0,67% da Glaxo, tornando falsa a correlação das publicações viralizadas.
Em dezembro de 2018, a Pfizer e a Glaxo firmaram um acordo para criar em 2019 a joint-venture Gsk Consumer Healthcare, com participação de ambas, uma aliança concreta para a comercialização de produtos farmacêuticos como Voltaren, Panadol e Advil.
Isso não se tratou, contudo, de uma operação de compra de uma empresa pela outra, e ambas seguem sendo competidoras no setor farmacêutico.
BlackRock, Pfizer, Soros e as outras conexões
A BlackRock é a principal gestora de fundos de investimento do mundo e, como tal, possui participações de dezenas de milhares de empresas (entre elas a Pfizer) e conta com milhares de investidores, entre eles, o magnata George Soros, dentro de sua multitude de carteiras.
A Pfizer também recebeu recursos do Fundo de Investimento Estratégico da Fundação Bill e Melinda Gates. A fundação investiu na farmacêutica para ampliar o acesso do Sayana, seu anticoncepcional injetável, em países em desenvolvimento.
A fundação também informou em setembro de 2020 que colaboraria com várias empresas que estão trabalhando no desenvolvimento de uma vacina contra a covid-19. No entanto, nem a fundação, nem a família Gates, figuram entre os principais acionistas da Pfizer.
A Fundação Gates realmente é um dos principais doadores da OMS, fornecendo 11,65% do dinheiro recebido pela organização. No entanto, não é “o principal patrocinador”, já que os recursos fornecidos pelo governo alemão representam 12,18% da renda.
Em resumo, não há nenhuma prova de que o laboratório de Wuhan seja propriedade da companhia Glaxo, nem é correto dizer que esta é dona da Pfizer. Da mesma maneira, tampouco há registros do suposto vínculo das seguradoras Winterthur e AXA com o WIV. Por outro lado, a gestora de fundos BlackRock, que possui parte das ações da Pfizer, conta com a participação do investidor George Soros, assim como de muitas outras fortunas mundiais. Além disso, Bill e Melinda Gates investiram na Pfizer para o desenvolvimento de projetos concretos, mas não são seus principais acionistas. Por fim, a Fundação Bill e Melinda Gates apoia financeiramente a OMS, mas não é seu principal patrocinador.