Publicações alegando que o Facebook admitiu um erro por ter censurado conteúdos sobre o uso de hidroxicloroquina para tratar a covid-19 foram compartilhadas mais de 42 mil vezes desde pelo menos o último dia 30 de janeiro.
“Facebook reconhece que ‘cometeu um erro’ ao censurar hidroxicloroquina", aparece em uma das imagens amplamente compartilhadas na rede social (1, 2, 3) e em sites (1, 2, 3).
Mas não foi bem assim.
A rede social realmente restaurou uma postagem específica feita por um usuário da França em outubro de 2020 com críticas ao governo francês, que havia se recusado a autorizar o uso combinado de hidroxicloroquina com azitromicina para o tratamento da covid-19. No entanto, essa decisão não alterou a postura da plataforma em relação à desinformação sobre a covid-19.
Por meio de um porta-voz, o Facebook informou ao projeto Comprova que seguiu a recomendação feita pelo Comitê de Revisão - um grupo de especialistas criado e financiado pela empresa para analisar de forma independente alguns casos de remoção de conteúdo da rede social - e restaurou a postagem, mas reafirmou ser fundamental que as pessoas tenham acesso a informações precisas durante a pandemia.
O que dizia a postagem removida
Em outubro de 2020, um usuário do Facebook na França denunciou em um grupo público sobre a covid-19 o que chamava de “escândalo da Agence Nationale de Sécurité du Médicament” (agência francesa responsável pela regulamentação dos produtos para a saúde), que se recusou a autorizar no país o uso combinado da hidroxicloroquina com a azitromicina no tratamento da covid-19, ao mesmo tempo em que havia autorizado e promovido o remdesivir.
O remdesivir é um antiviral aplicado por via intravenosa, usado originalmente para combater o ebola, que foi bastante citado no início da pandemia como promissor no tratamento da covid-19. Mas em novembro do ano passado, a OMS informou que não recomendava o uso do medicamento contra a covid-19 por falta de evidências de que ele tivesse efeitos significativos.
Já a hidroxicloroquina é um medicamento usado no tratamento de doenças reumáticas, como lúpus, e também contra a malária. A OMS informou, em outubro do ano passado, que a hidroxicloroquina também não funciona contra a covid-19.
A postagem do usuário francês foi removida pelo Facebook com base na política de combate à desinformação contra a covid-19 da rede social, considerando que contribui para o “risco de dano físico iminente”. A empresa explicou ao Comitê de Revisão que removeu a postagem porque ela afirmava que existiria uma cura para a covid-19, fato negado pelas principais autoridades sanitárias do mundo, e concluiu que isso poderia levar as pessoas a ignorar as orientações de saúde ou a tentarem se automedicar.
O que disse o Comitê de revisão
Contudo, no dia último dia 28 de janeiro, o Comitê decidiu anular a remoção do conteúdo. Para o Comitê, na postagem o usuário criticava uma política governamental na França – a de não autorizar o uso combinado de hidroxicloroquina e azitromicina – e pretendia mudá-la.
“A combinação de medicamentos que o post afirma constituir uma cura não está disponível sem receita na França e o conteúdo não incentiva as pessoas a comprar ou tomar medicamentos sem receita”, afirma o texto publicado pelo comitê.
Para os membros do comitê, o Facebook não demonstrou que a postagem elevaria o risco de dano iminente, exigido pela própria regra dos Padrões da Comunidade. Eles também apontaram que a decisão do Facebook não está em conformidade com os padrões internacionais sobre a liberdade de expressão. O comitê questiona, ainda, por que a empresa, que tem uma ampla gama de ferramentas para lidar com a desinformação, não escolheu uma punição menos invasiva do que remover o conteúdo.
O grupo de especialistas também considerou vaga a regra sobre desinformação e dano iminente, tornando difícil para os usuários entenderem o que podem e o que não podem postar.
Na decisão, o grupo determinou que o Facebook restaurasse a postagem que foi removida e recomendou que a empresa crie um novo Padrão da Comunidade sobre desinformação em saúde; adote meios menos invasivos para aplicar as políticas de desinformação em saúde; e aumente a transparência sobre como modera a desinformação em saúde.
O que disse o Facebook
No mesmo dia 28 de janeiro, o Facebook se pronunciou sobre a decisão tomada pelo Comitê de Supervisão e informou que a postagem havia sido restaurada. A vice-presidente de Políticas de Conteúdo do Facebook, Monika Bickert, comentou o caso da hidroxicloroquina em uma publicação na Newsroom do Facebook:
“O comitê corretamente levanta preocupações de que podemos ser mais transparentes sobre nossas políticas de desinformação em relação à covid-19. Concordamos que essas políticas podem ser mais claras e pretendemos publicar políticas de [combate à] desinformação de covid-19 atualizadas em breve”.
Procurado pelo Comprova, do qual o AFP Checamos faz parte, o Facebook reafirmou a importância de as pessoas terem acesso a informações precisas no atual contexto de pandemia:
“Seguindo o compromisso com o Comitê de Supervisão, restauramos o post sobre covid-19. Porém, acreditamos ser fundamental que as pessoas tenham acesso a informações precisas na nossa plataforma e sabemos que isso é ainda mais crítico durante uma pandemia. Mantemos nossa abordagem de remover desinformação sobre coronavírus que possa levar danos às pessoas no mundo real, com base em extensas consultas a grupos científicos como o Centro de Prevenção de Doenças dos Estados Unidos e a Organização Mundial da Saúde”.
Em resumo, é enganoso o conteúdo das publicações viralizadas com a afirmação de que o Facebook reconheceu que cometeu um erro ao “censurar” a hidroxicloroquina. A rede social realmente restaurou a postagem removida que mencionava o medicamento depois que seu Comitê considerou que ela não incitava as pessoas a comprar o antimalárico. O Facebook, entretanto, assegurou que manterá suas políticas de combate à desinformação em relação à covid-19.
Esse texto faz parte do Projeto Comprova. Participaram jornalistas do Estadão, do UOL, do Poder 360 e da Rádio Nordeste. O material foi adaptado pelo AFP Checamos.