Em transmissão ao vivo no último dia 25 de fevereiro, o presidente Jair Bolsonaro citou um estudo de “uma universidade alemã” que provaria que as máscaras de proteção contra a COVID-19 são prejudiciais para crianças. “Irritabilidade, dor de cabeça, dificuldade de concentração, diminuição da percepção de felicidade”, são alguns dos efeitos adversos mencionados pelo presidente.
“Pessoal, começam a aparecer estudos aqui, não vou entrar em detalhe, né?, sobre o uso de máscaras. Que, num primeiro momento aqui, uma universidade alemã fala que elas são prejudiciais a crianças”, disse Bolsonaro em transmissão ao vivo realizada semanalmente em suas redes sociais.
O presidente continuou, citando os supostos efeitos colaterais identificados pelo estudo: “Levam em conta vários itens aqui, como irritabilidade, dor de cabeça, dificuldade de concentração, diminuição da percepção de felicidade, recusa em ir para a escola ou creche, desânimo, comprometimento da capacidade de aprendizado, vertigem, fadiga... Então começam a aparecer aqui os efeitos colaterais das máscaras, tá ok?”.
Estudo alemão
Uma busca no Google pelos termos “universidade alemã máscaras crianças”, em inglês, levou a um artigo publicado em dezembro de 2020 no site Research Square, que divulga pré-impressões, ou seja, resultados preliminares de estudos que ainda não foram revisados por outros especialistas.
Intitulado, em inglês, “Estudos sobre coronavírus em crianças ‘Co-Ki’: primeiros resultados de um registro na Alemanha sobre máscaras que cobrem nariz e boca em crianças”, o artigo cita todos os mesmos efeitos colaterais mencionados por Bolsonaro no último dia 25.
Esse foi o único estudo identificado pela equipe de checagem da AFP que corresponde à descrição feita pelo presidente.
Acima do título, letras vermelhas sinalizam: “Essa é uma pré-impressão, uma versão preliminar de um manuscrito que não foi revisado por pares em uma revista científica”.
O artigo explica que a Universidade de Witten/Herdecke, no noroeste da Alemanha, abriu um registro on-line para que pais, médicos e professores publicassem suas observações sobre o uso de máscaras em crianças.
O questionário que os participantes respondiam incluía perguntas sobre o tipo de máscara, o tempo e as situações em que as crianças a utilizavam, e se os respondentes haviam observado alguma mudança de comportamento nos menores ou sintoma associado às máscaras.
Os detalhes deste estudo também têm sido compartilhados recentemente nas redes (1, 2, 3), afirmando que foi descoberto que “máscaras prejudicam crianças em idade escolar”. Muitas das publicações citam diretamente o link do Research Square.
Os efeitos
Segundo os resultados preliminares, o estudo levou em consideração 17.854 registros de pais que reportaram dados de 25.930 crianças e adolescentes. Também foram obtidas respostas de 736 professores e de 352 médicos, cujas conclusões foram publicadas em uma análise à parte.
Entre as perguntas da pesquisa estão as seguintes: “A criança se queixou de alguma dificuldade devido ao uso de máscara?” e “Você nota alguma dificuldade que seu filho tenha devido ao uso de máscara?”. Em ambos os casos, as opções de resposta são apenas “Sim” ou “Não”.
De acordo com o que reportaram os pais, 67,7% das crianças (17.550) se queixaram de alguma dificuldade provocada pelo uso de máscaras e 26,2% (6.801), não. Além disso, os pais disseram haver notado incômodos em 66,1% das crianças (17.125) e nenhuma dificuldade em 26,4% dos menores (6.841).
A pesquisa inclui também uma seção intitulada “Sintomas observados em crianças após o uso prolongado de máscaras”, que lista várias opções. Segundo os pais, 53,3% das crianças (13.811) tiveram dor de cabeça; 49,5% (12.824) dificuldade de concentração; 42,1% (10.907) irritabilidade; e 38% (9.845) dificuldade para aprender.
Outra seção pergunta por “outras anormalidades no comportamento das crianças”. Na opinião dos pais, 49,3% (9.286) se mostraram menos alegres; 44% (8.280) não queriam mais ir à escola; 29,2% (5.494) estavam mais inquietos do que o normal; e 31,1% (5.849) dormiam pior do que o normal.
“Diz pouco sobre as relações causais”
Uma busca no Google pelas palavras-chave, em inglês, “Estudos Co-Ki Witten/Herdecke” levou a um site em que os pesquisadores responsáveis pelo estudo explicam seus objetivos e divulgam os resultados preliminares.
No portal, publicam várias informações e esclarecimentos sobre o alcance do estudo e a maneira correta de interpretar seus resultados.
A equipe liderada por Silke Schwarz e David Martin, professores da Universidade Witten/Herdecke, define seu trabalho como “um sistema de registro para aqueles que desejam reportar queixas”, o que explica “a preponderância daqueles reportando problemas”. “Um registro de eventos adversos inicialmente diz pouco sobre as relações causais entre as queixas reportadas e as causas suspeitas”, dizem os autores do estudo.
Sobre as mudanças de comportamento e sintomas reportados, asseguram que “podem refletir a situação geral das crianças e que não necessariamente foram causados unicamente pelas máscaras”.
O site da pesquisa acrescenta:
“A informação está relacionada a supostos casos de efeitos adversos, por exemplo, eventos que foram observados por pais, mas que não necessariamente têm relação ou foram causados pelas máscaras. São, portanto, conjecturas iniciais cuja relação causal deve ser verificada”.
Os responsáveis pela pesquisa também afirmam que “as atitudes dos pais em relação às máscaras têm um impacto na tolerância das máscaras relatadas nas crianças, tanto positiva, quanto negativamente”.
Por exemplo, dos pais que relataram dor de cabeça em seus filhos, só 97 afirmaram que as medidas de prevenção impostas pelo governo deveriam ser mais severas, enquanto mais de 7 mil consideraram que a estratégia deveria ser mais permissiva.
Na parte inferior do site, se lê a seguinte advertência: “Atenção: nós investigamos a situação atual de maneira neutra e publicaremos os resultados revisados por pares. Não somos oponentes antimáscaras”.
Máscaras em crianças
No geral, as autoridades de saúde mundiais recomendam o uso de máscaras em crianças em certos contextos e com algumas particularidades.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que o uso de máscaras não seja obrigatório para crianças de até cinco anos, que esteja sujeito a alguns fatores no caso de crianças de seis a 11 anos e que, a partir dos 12 anos, seja aplicado com os mesmos critérios dos adultos.
Os Centros para o Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês) recomendam que as crianças com mais de dois anos usem máscaras, enquanto o Centro Europeu para Controle de Doenças (ECDC) sugere seu uso nas escolas para os maiores de 12 anos.
A Academia Americana de Pediatria garante que as máscaras são seguras e eficazes em crianças com mais de dois anos e que não afetam a capacidade de aprendizagem, não interferem no desenvolvimento pulmonar, não resultam no acúmulo de dióxido de carbono e tampouco enfraquecem o sistema imunológico.
Romain Basmaci, médico de emergência pediátrica no Hospital Louis-Mourier de Colombes e secretário-geral da Sociedade Francesa de Pediatria (SFP), assegurou à AFP no último dia 8 de fevereiro que não havia tido, até então, um aumento significativo de informação sobre os efeitos na saúde associados ao uso de máscaras.
“Por mais que tenhamos visto [durante os confinamentos] um aumento de denúncias, maus tratos, transtornos psiquiátricos, etc, não vimos um aumento de consultas por problemas relacionados a máscaras”, acrescentou, indicando que isso não quer dizer “nem que eles existam, nem que não existam”.
O AFP Checamos já verificou outras peças de desinformação sobre supostos efeitos adversos provocados pelas máscaras na população em geral (1, 2, 3).
Em resumo, o estudo citado pelo presidente Jair Bolsonaro existe, mas seus resultados são preliminares e os próprios autores advertem que a informação obtida, proveniente de relatos de pais, não estabelece uma relação de causalidade entre as máscaras e os efeitos adversos ou mudanças de comportamento em crianças.
O que é o coronavírus
Coronavírus são uma grande família de vírus que causam infecções respiratórias. O novo agente do coronavírus (COVID-19) foi descoberto em dezembro de 2019, na China. A doença pode causar infecções com sintomas inicialmente semelhantes aos resfriados ou gripes leves, mas com risco de se agravarem, podendo resultar em morte.
A transmissão dos coronavírus costuma ocorrer pelo ar ou por contato pessoal com secreções contaminadas, como gotículas de saliva, espirro, tosse, catarro, contato pessoal próximo, como toque ou aperto de mão, contato com objetos ou superfícies contaminadas, seguido de contato com a boca, nariz ou olhos.
A recomendação é evitar aglomerações, ficar longe de quem apresenta sintomas de infecção respiratória, lavar as mãos com frequência, tossir com o antebraço em frente à boca e frequentemente fazer o uso de água e sabão para lavar as mãos ou álcool em gel após ter contato com superfícies e pessoas. Em casa, tome cuidados extras contra a COVID-19.
Principais sintomas das pessoas infectadas pela COVID-19:
- Febre
- Tosse
- Falta de ar e dificuldade para respirar
- Problemas gástricos
- Diarreia
- Em casos graves, as vítimas apresentam:
- Pneumonia
- Síndrome respiratória aguda severa
- Insuficiência renal
- Os tipos de sintomas para COVID-19 aumentam a cada semana conforme os pesquisadores avançam na identificação do comportamento do vírus
Mitos e verdades sobre o vírus
Nas redes sociais, a propagação da COVID-19 espalhou também boatos sobre como o vírus Sars-CoV-2 é transmitido. E outras dúvidas foram surgindo: O álcool em gel é capaz de matar o vírus? O coronavírus é letal em um nível preocupante? Uma pessoa infectada pode contaminar várias outras? A epidemia vai matar milhares de brasileiros, pois o SUS não teria condições de atender a todos? Fizemos uma reportagem com um médico especialista em infectologia e ele explica todos os mitos e verdades sobre o coronavírus.