Publicações compartilhadas mais de 17,2 mil vezes nas redes sociais desde o último 16 de março questionam o motivo pelo qual milhares de leitos não são liberados diariamente se o Brasil tem registrado mais de 2 mil mortes diárias pela doença. Mas essa suposição é enganosa, pois o número de infectados supera a capacidade hospitalar do país e, segundo uma especialista, os óbitos por covid-19 não se registram exclusivamente em hospitais.
“Se há 2.000 mortes por dia, tem de haver 2.000 leitos vazios por dia não??? ou o leito vai junto com o paciente???”, “Se estão morrendo mais de mil pessoas por dia, estão sendo desocupados mil leitos, ou estão enterrando o leito junto com o morto” e “Me desculpem a burrice, se estão morrendo quase 3.000 por dia, não era pra desocupar 3.000 leitos diários também?”, perguntam postagens viralizadas no Facebook (1, 2) desde meados de março.
Todas as publicações, que também circularam no Instagram (1, 2) e no Twitter (1), seguem o mesmo modelo de questionamento, mudando somente a quantidade de mortos e, consequentemente, de leitos supostamente liberados.
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Essa taxa de ocupação tem sido analisada pelo instituto desde julho de 2020 e vem apresentando uma piora significativa em 2021, principalmente desde o final de fevereiro.
O mês de março de 2021 foi o mais letal da pandemia. Neste período foram vistos os maiores números de casos e óbitos em decorrência da covid-19: no dia 16 foram registradas 2.841 mortes, enquanto em 19 de março mais de 90 mil casos foram notificados.
A média de óbitos dos últimos sete dias chegou a 2.306 nesta segunda-feira, a mais alta registrada.
Morte significa liberação de leito?
De acordo com o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), o sistema de informação de todos os estabelecimentos de saúde no país, o Brasil conta com 23.111 leitos de UTI tipo II para adultos direcionados para a covid-19. No caso de suporte ventilatório pulmonar especificamente para a doença, o número é de 3.920.
Ao AFP Checamos, Margareth Portela, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública/ENSP e integrante do Observatório covid-19 da Fiocruz, explica por que a afirmação viralizada é falaciosa: há “um número de mortos que não é necessariamente hospitalar. Tem muita morte em domicílios, muitas mortes de pacientes em UPAs”, unidades de urgência e emergência nas quais o paciente apenas estabilizado, diferentes de uma unidade de internação.
Margareth Portela ainda faz uma ressalva a respeito do que são os leitos:
“Quando a gente fala de leito de UTI, é a cama e uma série de equipamentos, e equipe especializada para lidar. O leito hospitalar, mesmo o mais simples, não é só a cama. Não tem condição de dizer ‘eu estou com problema de leito de UTI, então eu abro leito de UTI e pronto’. Mentira. Você pode conseguir abrir uma quantidade pequena, mas não é ilimitado, e a gente está experimentando esse momento de caos na assistência porque não vai ter profissional, não adianta”.
Ainda segundo a pesquisadora, a ocupação de leitos não ocorre de maneira dinâmica, “em que ocupa um dia e no outro dia, tenho novos casos e os leitos já são liberados para outros casos. A pessoa que entrar, provavelmente, vai ocupar aquele leito por vários dias. Então, vai retendo e diminuindo a capacidade de ofertar leitos”.
Um projeto realizado pelos hospitais que fazem parte do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS), Impacto MR, levantou alguns dados (1, 2, 3), enviados também ao AFP Checamos, entre eles o do tempo médio de permanência na UTI, que foi de 11,6 dias.
Além disso, os dados de mortalidade levantados mostram que 36,3% dos pacientes analisados foram a óbito em UTIs e 46,2% deles faleceram no hospital.
Taxas de ocupação nos estados
Uma análise dos dados disponíveis nas Secretarias de Saúde de cinco estados, um de cada região do país, sobre a ocupação de leitos de UTI mostra que a situação é preocupante.
Em São Paulo a taxa de ocupação é de 91,9%; em Goiás, 99,08% dos leitos de UTI sob a gestão do governo do estado já contam com pacientes; no Tocantins, a maior parte dos hospitais apresenta 100% de ocupação em leitos de UTI covid-19; em Sergipe, esse número chega a 85,7% na rede pública e 128,9% na rede privada; no Rio Grande do Sul, mais de 96% dos leitos públicos de UTI estão ocupados, enquanto 131,6% dos privados estão com pacientes.
Portela, inclusive, faz uma consideração a respeito dos números que ultrapassam 100% de ocupação de leitos de UTI em alguns casos: isso “quer dizer que os hospitais estão transformando outras instalações para covid. Leitos que não estão habilitados para serem covid, estão sendo transformados em função da pressão por receber os pacientes”.
A imprensa já tem noticiado uma série de casos de pessoas que morreram aguardando vagas em UTI em razão da pandemia. Alguns desses registros foram feitos no estado de São Paulo (1, 2), em Goiás, em Santa Catarina, em Minas Gerais e no Paraná.
A pesquisadora finaliza, indicando que, apesar do crescimento exponencial dos números de contágios pelo coronavírus, a abertura de leitos hospitalares não pode ser feita na mesma proporção: “Não tem capacidade de ampliação de leitos em um nível exponencial, é muito mais limitada, tanto pela capacidade mesmo de abrir, como também a rapidez que você consegue fazer isso. A rapidez da expansão da pandemia é, se você tem as condições propícias para o contágio. E a gente tem visto isso”.