
“Por trás de toda teta com dinheiro publico há um ‘artista’ famosinho. Alguém surpreso?”, diz uma das postagens no Facebook (1, 2, 3), no Twitter (1, 2) e no Instagram (1, 2), compartilhada, inclusive, pelo deputado federal e filho do presidente Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro.
A maioria das postagens é acompanhada por uma montagem em que se vê um tuíte publicado pelo ator em 16 de março, no qual ele chama o presidente Jair Bolsonaro de genocida. Junto a essa imagem há uma captura de tela de uma notícia intitulada “Escritório contratou humorista com dinheiro de fraude da Lei Rouanet” e com o seguinte subtítulo: “Um dos investigados pela Polícia Federal na Operação Boca Livre, Demarest e Almeida contratou Fábio Porchat para festa”.
A notícia em destaque foi publicada no dia 28 de junho de 2016 pela Revista Época. O texto informa sobre uma fraude da Lei Rouanet cometida pelo escritório de advocacia Demarest e Almeida e descoberta pela Operação Boca Livre, realizada pela Polícia Federal em São Paulo.
Segundo a matéria, o escritório teria contratado o show do humorista Fábio Porchat, do grupo Porta dos Fundos, para animar a comemoração de seus 68 anos, com uso indevido de financiamento da Lei Rouanet. Uma auditoria da Receita Federal comprovou, na época, que o escritório havia deduzido do Imposto de Renda a quantia de 200 mil reais embolsada no evento.
No entanto, as publicações viralizadas não mencionam que essa mesma notícia afirma que “Fábio Porchat não é investigado nem há nenhum indício de que soubesse da origem do dinheiro”.
Em uma busca no Google pelas palavras-chave “Fábio Porchat”, “investigação” e “Polícia Federal” não foi encontrado nenhum resultado de que o humorista tivesse sido investigado nesse caso.
A operação Boca Livre foi deflagrada em 28 de junho de 2016 e desarticulou uma associação criminosa voltada para a prática de estelionato contra o Ministério da Cultura. Foram investigadas fraudes como superfaturamento e apresentação de notas fiscais fictícias. As patrocinadoras foram objeto da segunda fase da operação.
Em uma consulta ao site do Ministério Público (MP) de São Paulo - responsável por fazer as denúncias ao Judiciário dos suspeitos apontados pela investigação realizada pela Polícia Federal - é possível encontrar o link para um documento da denúncia do MP à Justiça. Nele, não consta o nome de Fábio Porchat entre os citados e denunciados.
O Ministério Público de São Paulo confirmou por e-mail à AFP que “o ator Fábio Porchat não foi investigado ou denunciado no âmbito da operação Boca Livre''.
Porchat e o “genocida”
As publicações enganosas começaram a circular no dia seguinte ao da publicação de um tuíte em que Porchat classificou o presidente Jair Bolsonaro de genocida.
Ele escreveu a mensagem em apoio ao influencer Felipe Neto, intimado a depor na Polícia Federal após ser denunciado por ter se referido ao presidente como genocida no contexto da pandemia de covid-19 no Brasil, que registra atualmente mais de 300 mil mortos e 12 milhões de casos da doença, segundo balanço da AFP.
O vereador e filho do presidente Carlos Bolsonaro foi o autor da denúncia, invocando o crime de calúnia e a Lei de Segurança Nacional, um resquício da ditadura militar brasileira que prevê reclusão a quem "caluniar ou difamar o presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação".
As investigações foram suspensas dias depois pela juíza Gisele Guida.
Por meio de sua assessoria de imprensa, Porchat disse à AFP que é “triste ter que perder tempo e energia se defendendo de mentiras, mas pelo menos eu tenho meios para isso. Penso com angústia nas vítimas que não têm como se defender”.