Publicações que afirmam que “idiotas” estariam fazendo quarentena enquanto a China está “trabalhando a todo vapor” apesar da pandemia de coronavírus foram compartilhadas mais de 13,1 mil vezes nas redes sociais desde o início de março de 2021. Mas essa afirmação é falsa. Como primeiro país afetado pela covid-19, diversas cidades chinesas ficaram isoladas por meses até que os casos fossem contidos. As autoridades de saúde do país afirmam que em 30 de março de 2021 foram registrados oito novos casos, todos importados, e o número de mortos no país é de pouco mais de 4.600.
“Idiotas fazendo lockdown e a china trabalhando a todo vapor. ninguém desconfia de nada?”, dizem algumas postagens compartilhadas milhares de vezes no Facebook (1, 2, 3) e no Instagram (1) desde o último dia 6 de março.
No Twitter (1) há publicações ainda mais diretas comparando a atual situação vivida no Brasil com a China: “O. Brasil fazendo Lockdown e a China a todo vapor !!! Ninguem acha estranho???”.
Muitos usuários repetiram o questionamento e chegaram a dizer, inclusive, que o país teria criado o vírus em laboratório, considerado “extremamente improvável” pela própria Organização Mundial da Saúde.
Neste 30 de março, entretanto, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, pediu uma nova investigação sobre a hipótese de uma fuga do vírus da covid-19 de um laboratório na China e criticou a falta de acesso dos especialistas aos dados.
Notificação do coronavírus na China
A China detectou a existência de uma pneumonia viral em dezembro de 2019 em Wuhan, e o surto ocorreu poucas semanas antes do Ano Novo Chinês, uma época em que milhões de chineses costumam se deslocar para se reunir com suas famílias.
Em 3 de janeiro de 2020 já haviam sido registrados 44 casos, incluindo 11 graves.
Uma semana depois, a Comissão de Saúde da cidade de Wuhan anunciou o primeiro óbito provocado “pelo misterioso surto de pneumonia que os especialistas atribuem a um novo vírus da família da SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave)”.
A quarentena no país
Em 23 de janeiro de 2020, cerca de 20 milhões de pessoas foram isoladas no início da proibição de saída de trens e aviões da região de Wuhan, onde o uso de máscara se tornou obrigatório, para tentar conter a doença que já havia matado 18 pessoas. Nesta cidade chinesa, os moradores foram recomendados a permanecerem em casa e as autoridades proibiram a circulação de veículos não essenciais.
Após o cancelamento das festividades do Ano Novo chinês, Pequim anunciou o fechamento da Cidade Proibida, na capital, o parque da Disney, em Xangai, também não abriu, assim como áreas da Grande Muralha.
Um dia depois, mais de 40 milhões de chineses estavam isolados em suas cidades, quando 13 prefeituras adotaram medidas de confinamento.
Uma emissora estatal anunciou em 25 de janeiro de 2020 que agências de turismo estavam proibidas de vender pacotes turísticos a grupos. As férias pelo Ano Novo chinês, que não foi comemorado (1, 2) publicamente, foram estendidas.
O coronavírus, que causou restrições de tráfego, paralisou o turismo e diminuiu o consumo, ameaçou a economia chinesa. Naquele momento, a Bolsa de Xangai teve a pior queda em cinco anos, a ponto do governo do país anunciar a injeção de 175 bilhões de dólares para minimizar as consequências econômicas.
No fim de janeiro, o secretário municipal do Partido Comunista (no poder na China) para Wuhan, Ma Guoqiang, declarou em entrevista à emissora estatal chinesa que medidas de controle mais rígidas deveriam ter sido adotadas “mais cedo, o resultado teria sido melhor do que agora”. Até então, haviam sido registrados mais de 210 óbitos e 10 mil casos no país.
Com a situação se agravando no país, o porta-voz do Ministério chinês das Relações Exteriores foi a público, no início de fevereiro de 2020, pedir com urgência o envio de máscaras e outros insumos médicos, como óculos e trajes de proteção.
Nos dias subsequentes, mais cidades adotaram o confinamento. Na província de Hubei, cuja capital é Wuhan, mais de 56 milhões de pessoas estavam em quarentena. Na província de Zhejiang foi ordenado que apenas uma pessoa por casa poderia sair a cada dois dias para comprar produtos de primeira necessidade.
Apesar das medidas de restrição, a China viu seu sistema de saúde em Wuhan ficar saturado, razão pela qual centros médicos foram construídos em alguns dias e edifícios públicos foram transformados em clínicas.
Em 10 de fevereiro de 2020, localidades como Pequim e Xangai começaram a ver um aumento no fluxo de veículos, apesar de várias lojas permanecerem fechadas. Na província de Hubei, foco da doença naquele momento, contudo, o confinamento prosseguiu. O país contabilizava mais de 40 mil casos e 900 mortes.
No final de fevereiro de 2020, o país registrou o menor balanço diário em três semanas. No início de março, o diretor-geral da OMS destacou que o número de contaminações na China foi nove vezes inferior aos registrados no restante do mundo nas 24 horas anteriores.
Em 10 de março de 2020, a província de Hubei começou a flexibilizar as restrições a partir da atribuição de códigos - verde, amarelo e vermelho - para diminuir os riscos de contaminação pela covid-19.
Em meados de março, a China anunciou não ter registrado casos “domésticos” de covid-19, mas notificou sobre 34 infectados procedentes do exterior.
No epicentro do coronavírus, Wuhan também não detectou novos casos. Assim, em 22 de março, os trabalhadores foram autorizados a voltar ao trabalho progressivamente.
Uma pesquisa publicada na revista Science em maio de 2020 estimou que o fechamento de Wuhan pode ter evitado cerca de 700 mil casos de covid-19. Um dos autores do estudo, Christopher Dye, da Universidade de Oxford, assinalou que “as medidas de controle chinesas parecem ter funcionado ao romper de maneira exitosa a cadeia de transmissão”.
Após dois meses de confinamento total na província de Hubei, as autoridades permitiram que moradores pudessem voltar a utilizar os transportes em 25 de março, enquanto em Wuhan isso ocorreu apenas em 8 de abril de 2020.
Um dia antes da abertura de Wuhan, a China não registrou mortes por covid-19 nas 24 horas anteriores desde que haviam começado a publicar estatísticas sobre o coronavírus em janeiro.
Mas a China precisou entrar em confinamento em outros momentos ao longo da pandemia. Em 13 de maio de 2020, a cidade de Jilin impôs a quarentena parcial após o surgimento de novos casos de coronavírus. Em junho do mesmo ano, 11 bairros de Pequim foram colocados em confinamento de emergência após moradores testarem positivo para a covid-19.
Em janeiro de 2021, duas cidades da província de Hebei foram confinadas, com a suspensão de transportes e proibição de saída de milhões de moradores, pois a província registrou 33 novos casos, elevando o total diário nacional ao nível mais alto desde julho do ano anterior.
No final de janeiro, um bairro de Xangai foi evacuado após a confirmação de três novos casos de coronavírus, a fim de evitar que a doença se espalhasse em um dos grandes centros do país.
A vacinação na China
Segundo informações da Comissão Nacional de Saúde divulgadas em 29 de março de 2021, mais de 106 milhões de doses de vacina contra a covid-19 haviam sido administradas em toda a China até 28 de março.
De acordo com o projeto Our World in Data, da Universidade de Oxford, duas vacinas estão sendo aplicadas no país: as da Sinopharm e da Sinovac.
A situação no Brasil
As publicações ganharam viralidade em um momento crítico da pandemia no Brasil: até 29 de março, foram registrados mais de 12,5 milhões de casos de covid-19 e mais de 313 mil óbitos. A média móvel de mortes do mês de março em sete dias chegou a ser o triplo do início de janeiro.
Embora a população brasileira seja seis vezes menor que a chinesa, o Brasil tem um número 67 vezes maior de óbitos em decorrência da covid-19 do que a China: mais de 313 mil no país sul-americano e 4,6 mil no asiático.
Devido ao alto número de contágios, governadores e prefeitos (1, 2, 3) têm adotado medidas de restrição mais severas para conter a propagação do vírus.
Um exemplo de lockdown no país, de fato, foi em Araraquara, em São Paulo, onde até mesmo supermercados foram fechados, e cujos casos de covid-19 diminuíram em 58%. Após 44 dias, a cidade não registrou nenhuma morte pela doença.
O presidente Jair Bolsonaro, contudo, segue criticando as medidas de restrição e distanciamento, e acionou o Supremo Tribunal Federal para impedir o fechamento do comércio considerado não essencial em alguns estados.