Publicações sugerindo que o voto não é auditável no Brasil circulam nas redes sociais desde o último 25 de abril, somando mais de 34 mil compartilhamentos. A maioria das postagens menciona a aprovação de urnas eletrônicas com checagem impressa do voto no Paraguai e afirma que o movimento pela aprovação desse mesmo mecanismo no Brasil é cada vez maior. No entanto, o texto viralizado omite que as urnas eletrônicas brasileiras também possibilitam a auditoria da votação.
“A adoção do voto auditável é absolutamente necessária para garantir a democracia no Brasil. Um bom exemplo disso é o Paraguai, que já implantou a tecnologia de dupla checagem com sucesso”, diz o texto de uma das publicações compartilhadas no Facebook (1, 2, 3, 4), no Instagram (1, 2, 3) e no Twitter (1, 2, 3, 4).
Em 21 de abril passado, a Justiça Eleitoral do Paraguai recebeu 15 mil “máquinas de votação” que serão usadas na capacitação de técnicos para as eleições municipais que, pela primeira vez, acontecerão de forma automatizada em 10 de outubro deste ano.
A máquina de votação escolhida pelas autoridades paraguaias é igual à que aparece na imagem da maioria das publicações viralizadas e se diferencia da urna eletrônica por não armazenar dados. No caso paraguaio, a informação dos votos somente é armazenada por um chip e impressa em um “boletim de voto eletrônico” que deve ser conferido pelo eleitor, dobrado e depositado em uma urna de plástico.
Segundo a Justiça Eleitoral paraguaia, a máquina de votação “permite realizar o escrutínio público, que é um dos princípios norteadores em matéria eleitoral”.
E no Brasil?
O texto de grande parte das publicações viralizadas inclui um link de uma campanha, no Brasil, pelo voto impresso e auditável, que garantiria o que chamam de “dupla checagem”.
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A fim de garantir a transparência do processo, essas urnas eletrônicas, usadas desde 1996, realizam automaticamente a apuração e emitem o boletim de urna, contabilizando o total de votos por partido, por candidato, em branco, com o total de comparecimento em voto e de nulos, com a identificação da seção e zona eleitoral, como horário do encerramento da eleição, com o código interno da urna eletrônica e com a sequência de caracteres para validação desse relatório.
Como indica um manual preparado pelo próprio TSE, esse boletim é um documento público, cuja cópia é afixada no local de votação para que qualquer pessoa possa conferir. Ele também é entregue aos fiscais de partido e a quem mais tiver interesse e estiver presente no momento. Nos dias posteriores, esse mesmo relatório pode ser conferido na Internet.
Para a apuração total dos votos, as informações contidas no boletim de urna são gravadas em uma mídia removível e criptografada, que é levada a um ponto de transmissão ligado à rede privativa do Tribunal Superior Eleitoral.
As urnas eletrônicas, inclusive, já passaram por procedimentos de auditoria e, apesar de denúncias terem sido feitas, o TSE fez uma investigação e nenhuma fraude foi constatada.
Sobre isso, o professor Mário Gazziro, doutor em Física Computacional, explicou à AFP em outubro de 2020: “Não basta copiar o software da urna e adulterar. Tem que ter em posse a chave de codificação correta para poder enviar os dados adulterados da eleição ao TSE. Mais uma vez, essas denúncias configuram uma possibilidade remotamente plausível”.
Há uma série de formas para realizar a auditoria deste equipamento, como indica o TSE: registro digital do voto, log da urna eletrônica, auditorias pré e pós-eleição, auditoria dos códigos-fonte, lacração dos sistemas, tabela de correspondência, lacre físico, auditoria da votação (votação paralela), e oficialização dos sistemas. Os sistemas também podem ser requisitados para análise e verificação a qualquer momento.
Essa garantia está prevista na resolução nº 23.603/2019 que, em seu capítulo IV, trata especificamente da auditoria de funcionamento da urna eletrônica. O artigo 52 diz: “Os trabalhos de auditoria de funcionamento das urnas eletrônicas, previstos nos capítulos V e VI desta Resolução, são públicos e poderão ser acompanhados por qualquer interessado”.
Nas eleições de 2018, a Organização dos Estados Americanos (OEA) enviou uma Missão de Observação Eleitoral ao Brasil pela primeira vez para observar o processo eleitoral. A partir dessa visita foi elaborado um relatório que menciona, entre outros pontos, a possibilidade de fiscalização pelos partidos das etapas da eleição, incluindo a auditoria das urnas.
Naquele ano, um especialista em tecnologia eleitoral da missão da OEA participou das auditorias após o primeiro turno das eleições gerais. Em algumas cidades foram feitas denúncias, mas os resultados apontaram a normalidade dos equipamentos.
As urnas também são fisicamente lacradas, com um material especial produzido pela Casa Moeda, “cujas propriedades químicas impedem qualquer tentativa de violação: ao ser retirado, aparece imediatamente a inscrição de que foi violado”.
A fim de garantir a segurança técnica das urnas eletrônicas, a Justiça Eleitoral realiza um Teste Público de Segurança (TPS) do sistema de votação para aumentar a confiabilidade no processo eleitoral, pois ela abre seus sistemas para que investigadores tentem ultrapassar as 30 barreiras de segurança do sistema eletrônico de votação.
O voto impresso
Desde a chegada da urna eletrônica em 1996, houve episódios (1, 2) que despertaram a desconfiança sobre a transparência do processo. Assim, em 2002, o voto impresso foi sugerido como forma de fazer a recontagem dos votos e para que o eleitor pudesse ter certeza de sua escolha.
Em 2009, o voto impresso foi aprovado pelo Congresso Nacional. De acordo com o artigo 5º da lei nº 12.034/2009, a urna eletrônica exibiria na tela os votos digitais e, após a confirmação, imprimiria um número único de identificação do voto associado à sua própria assinatura digital.
Anos mais tarde, em 2013, o Supremo Tribunal Federal (STF) apontou a inconstitucionalidade do artigo em questão, que tornava vulnerável o sigilo do voto, garantido no artigo 14 da Constituição Federal.
Em 2015, a minirreforma eleitoral previa a emissão de um comprovante de votação pelas urnas. Em setembro de 2020, o STF declarou o voto impresso inconstitucional por ameaçar a inviolabilidade do sigilo da votação e ainda favorecer fraudes eleitorais.
Para fins de conferência, há o registro digital do voto, que recupera os votos para recontagem eletrônica a qualquer momento.
O doutor em Física Computacional Gazziro ressaltou que uma das inúmeras dificuldades para fraudar um equipamento de votação “seria o acesso ao software da urna” que “pode ser auditado pelos representantes dos partidos e também da OAB meses antes da eleição”.
Esta auditoria é feita em uma sala-cofre onde nada eletrônico pode entrar e “o software tem milhões de linhas de código. Isso torna quase impossível alguém entrar e conseguir sair com informações apenas de memória para elaborar sua própria versão clone do software, que ainda teria que ser instalado na urna. E, além disso, seria necessário obter as chaves de segurança da eleição. Estamos falando de muitos ‘se’”, acrescentou.
Em diferentes ocasiões, o presidente Jair Bolsonaro questionou a confiabilidade das urnas (1, 2, 3). No último 7 de abril, a deputada Bia Kicis, da base aliada do governo, anunciou o lançamento de uma campanha pelo voto impresso. Kicis é autora de uma Proposta de Emenda Constitucional que propõe essa mudança no sistema eleitoral.
Um levantamento feito pelo International Institute for Democracy and Electoral Assistance (IDEA) com 178 países mostra que, além do Brasil, outros 25 Estados usam o sistema eletrônico de votação em votações nacionais e outros 15 para eleições locais.
Em resumo, apesar de o voto impresso ter sido considerado inconstitucional no Brasil por violar o voto secreto garantido pela Constituição Federal em 2020, as urnas eletrônicas utilizadas pelo sistema eleitoral possibilitam que os votos sejam auditáveis.