Uma lista, que supostamente mostra o número de processos a que respondem os senadores integrantes da CPI que investiga a atuação do governo federal durante a pandemia de covid-19, foi compartilhada mais de 15 mil vezes em redes sociais desde meados de abril. Segundo a tabela, os 11 senadores responderiam, juntos, a mais de 2.400 processos. Esses números foram retirados, no entanto, de uma plataforma de dados jurídicos que não distingue se a pessoa figura como réu, ou autor da ação e que, em muitos dos casos, agrupou processos envolvendo pessoas diferentes, mas com os mesmos primeiros nomes.
“Quem são eles pra julgar alguem??? Um bando de canalhas”, diz uma das publicações, que garantem, notavelmente, que o senador Marcos Rogério (DEM) responde a 1.294 processos; o senador Humberto Costa (PT), a 742; e o senador Eduardo Braga (MDB), a 306.
Uma busca no Google pelos nomes dos senadores associados aos números da tabela mostra que todos os dados foram retirados do site Jusbrasil, plataforma jurídica que disponibiliza informações públicas referentes a processos e publicações em diários oficiais.
Esses números não podem ser interpretados, no entanto, como a quantidade de processos enfrentada pelos senadores.
Homônimos, autores e réus
Isso acontece porque o JusBrasil não necessariamente distingue entre processos envolvendo homônimos, ou seja, pessoas diferentes que possuem alguns nomes iguais.
Por exemplo, a plataforma realmente localiza 742 processos vinculados ao nome Humberto Costa, mas diversos deles envolvem um advogado que atuava no estado de São Paulo (1, 2, 3) no mesmo período (2011 - 2021) em que Costa trabalhava no Senado, em Brasília.
O nome Eduardo Braga também é efetivamente associado a 306 processos no portal jurídico, mas na maior parte das ações, o nome citado é, na verdade, “Eduardo Braga Fernandes”, enquanto o nome completo do senador é Carlos Eduardo de Souza Braga.
Uma busca pelo nome Marcos Rogério também localiza 1.294 processos no site, mas eles citam, na realidade, “Marcos Rogerio de Oliveira”, e não Marcos Rogério da Silva Brito, nome do senador que integra a CPI.
Além disso, a contagem do Jusbrasil não inclui apenas as ações em que uma pessoa figura como ré, mas também os processos a que ela mesma deu início. Esse é o caso de alguns dos 21 processos (1, 2) associados na tabela ao senador Jorginho Mello (PL).
Ao AFP Checamos, um integrante da equipe de suporte do Jusbrasil explicou:
“Apenas pela contagem inicial, não é possível afirmar que determinado nome figura como réu em todas as ações associadas a seu nome”.
É necessária “uma análise adicional” para “realmente entender o número provável de processos associados a uma pessoa”, disse.
“Um dos nossos objetivos é aproximar as pessoas da justiça e facilitar o acesso a informações de interesse público. No entanto, se alguém deseja fazer uma análise, é recomendável que tenha cuidado ao realizar análises superficiais a partir de dados isolados e fora de contexto”, alertou.
Processos envolvendo senadores
Para estimar o real número de processos a que respondem os senadores da CPI da covid-19, o AFP Checamos consultou os portais do Supremo Tribunal Federal (STF) - onde tramita grande parte das ações devido ao foro privilegiado dos políticos -, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT) - onde os senadores trabalham -, e dos tribunais dos estados natais de cada um. Foram considerados apenas os processos ainda em aberto.
O número total de ações identificadas pela AFP é significativamente inferior ao compartilhado nas redes.
O senador Marcos Rogério, que é associado a 1.294 processos na tabela viralizada, figura apenas como o autor de um processo no STF, e de uma ação no TJDFT. Uma busca no portal do Tribunal de Justiça de Rondônia, estado que representa no Senado, não localiza qualquer ação contra o político. Ao AFP Checamos, a assessoria de imprensa do senador confirmou que Marcos Rogério “não possui nenhum processo criminal”.
Já o senador Humberto Costa, que responderia a 742 processos segundo a lista compartilhada nas redes, foi identificado como réu em duas ações (1, 2) que tramitam no Supremo Tribunal Federal e em outras duas (1, 2) no Tribunal de Justiça de Pernambuco, onde construiu sua carreira política.
Eduardo Braga, que é associado a 306 ações nas publicações, está envolvido, na verdade, em duas ações no STF (1, 2). Consultas aos portais da justiça do Distrito Federal e do Pará, onde nasceu, não localizam outros processos em seu nome.
Buscas pelo nome do senador Jorginho Mello, relacionado a 21 processos nas redes, o identificam apenas como o autor de um processo no STF. Já o senador Ciro Nogueira (PP), que responderia a 16 ações, foi identificado como alvo de cinco inquéritos no Supremo Tribunal Federal (1, 2, 3, 4, 5) e de um processo no Distrito Federal.
O senador Renan Calheiros (MDB), associado a 13 processos na tabela, foi efetivamente identificado como parte passiva em 11 (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11) ações no STF, uma TJDFT e em uma no Tribunal de Justiça de Alagoas. Por outro lado, o AFP Checamos não conseguiu localizar nenhum processo em aberto contra o senador Eduardo Girão (Podemos), que seria réu em oito ações de acordo com as postagens viralizadas.
Já Omar Aziz (PSD) foi identificado como parte passiva em um processo, e não em dois. Tasso Jereissati (PSDB) e Randolfe Rodrigues (Rede), foram efetivamente identificados em uma ação cada, como dito nas redes. A equipe de checagem da AFP não localizou nenhuma ação em aberto contra o senador Otto Alencar (PSD).
Esses números são próximos ao apurado em 2020 pelo site Congresso em Foco, que publica todos os anos um levantamento sobre quantos senadores são alvo de inquéritos ou ações penais. De acordo com os últimos dados divulgados pelo portal jornalístico, havia 73 investigações abertas contra 27 senadores em maio de 2020.
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