“Frases do genocida”, começam as publicações compartilhadas mais de 18,2 mil vezes nas redes sociais desde o último dia 23 de abril. Ilustrado com uma foto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), o meme cita cinco supostas declarações dadas pelo líder do Partido dos Trabalhadores. Mas isso é enganoso: algumas delas estão fora de contexto, ou sequer foram ditas pelo ex-chefe de Estado.
As publicações, que circulam desde o final de abril no Facebook (1, 2, 3), no Instagram (1, 2, 3) e no Twitter (1, 2), atribuem ao ex-presidente falas sobre a Copa do Mundo e a construção de hospitais, uma comparação entre políticos ladrões e funcionários públicos e a sua suposta gafe ao dizer que não enganaria o povo mais uma vez, entre outras.
O conteúdo também foi enviado ao WhatsApp do AFP Checamos para verificação.
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Em 20 de maio foi divulgada uma entrevista de Lula à revista francesa Paris Match, na qual ele reiterou que pode vir a concorrer às presidenciais de 2022: “Se estiver na liderança das pesquisas para ganhar as eleições presidenciais e gozando de boa saúde, sim, não hesitarei”.
Um dia depois, anunciou o encontro com o também ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), em mais um movimento visando, segundo analistas, as eleições gerais de 2022.
Veja a seguir a verificação feita pela equipe de checagem da AFP de cada uma das frases atribuídas a Lula nas publicações viralizadas.
1 - “Não se ganha Copa com hospitais, vou construir estádios de futebol”: Falso
Uma pesquisa exata no Google pela frase “não se ganha copa com hospitais” não levou a qualquer registro sobre esta fala feita por Lula.
Com uma segunda busca, dessa vez pelas palavras-chave “não ganha %2b Copa %2b hospital”, foi possível encontrar um vídeo do ex-jogador de futebol Ronaldo Nazário no qual ele diz: “Está sendo gasto também muito dinheiro em saúde, em segurança, mas a gente vai receber Copa do Mundo, sem estádio não faz Copa do Mundo, amigo, não ‘faz’ Copa do Mundo com hospital, tem que fazer estádio, senão não tem Copa do Mundo também”, frase semelhante à que viralizou nas redes atribuída ao ex-presidente.
Matérias publicadas (1, 2, 3) em junho de 2013 indicam que a declaração foi feita em 2011 (1, 2) pelo ex-jogador da Seleção Brasileira e então membro do Comitê Organizador Local (COL) da Copa do Mundo no Brasil em 2014.
Na época, Ronaldo se pronunciou pelo Twitter (1, 2, 3, 4, 5) afirmando que podia não ter se expressado “tão bem”, mas que a edição vista na internet era “bastante tendenciosa”. E acrescentou: “Era outro contexto. Não é justo usar como se fosse dito essa semana”.
Embora a conta no Twitter atualmente apareça como “@ClaroBrasil”, naquele período se chamava “@ClaroRonaldo”, pois se tratava de uma parceria da operadora com o ex-jogador que durou até agosto de 2014, quando Ronaldo abriu o seu perfil na plataforma.
No site Wayback Machine, que salva versões anteriores de páginas na internet, pode-se ver tuítes do Fenômeno na página da operadora em 2010 e 2013, por exemplo.
Uma busca pelos termos “Lula %2b Copa %2b hospital”, no entanto, leva a um vídeo publicado pelo canal no YouTube da Rede TVT em setembro de 2013 no qual o ex-presidente menciona o tema, relacionando-o com os preparativos para as Olimpíadas no Rio de Janeiro em 2016, mas não fala a frase viralizada: “Tem gente que acha que não pode fazer Olimpíada porque não tem hospital. Olha, sinceramente, acho isso um retrocesso enorme. Acho que estamos jogando fora uma oportunidade de fazer de uma coisa boa, uma coisa boa”.
2 - “Ainda bem que a ‘natureza’ criou o coronavírus”: Sem contexto
Uma pesquisa exata pela declaração vista no meme levou a uma matéria publicada pelo UOL em 20 de maio de 2020 repercutindo a fala de Lula.
Em 19 de maio daquele ano, o ex-presidente, em entrevista à revista Carta Capital, afirmou: “Quando eu vejo essas pessoas acharem bonito que tem que vender tudo que é público e que o público não presta nada. Ainda bem que a natureza, contra a vontade da humanidade, criou esse monstro chamado coronavírus, porque esse monstro está permitindo que os cegos comecem a enxergar que apenas o Estado é capaz de dar solução a determinadas crises”.
No mesmo dia 20, Lula publicou um vídeo no Facebook cujo título é “Lula pede desculpas”. Na descrição, por sua vez, completa: “Usei uma frase totalmente infeliz. A palavra desculpa foi feita pra gente usar com muita humildade. Se algum dos 200 milhões de brasileiros ficou ofendido, peço desculpas. Sei o sofrimento que causa a pandemia, a dor de ter os parentes enterrados sem poder acompanhar”.
Na sequência, Lula assinala: “Eu, na verdade, ao invés de falar a palavra ‘ainda bem’, se eu tivesse falado a palavra ‘infelizmente’, talvez não tivesse tido nenhum problema. Tentei usar uma palavra para explicar que depois de tão menosprezado no Brasil, o SUS , desde a sua criação em 1988, é, no auge da crise, que a gente começa a descobrir a importância de uma instituição pública que cuida da saúde. Foi isso que eu tentei dizer e utilizei uma frase totalmente infeliz, uma frase que não cabia”.
O ex-presidente reforçou a importância do isolamento social para evitar a contaminação pelo coronavírus e complementou sobre a sua intenção acerca da declaração viralizada: “A frase não cabia naquilo que eu queria falar. Eu queria apenas mostrar que o Estado, e somente o Estado, é capaz de resolver problemas graves que o mercado nunca vai resolver”.
3 - “Um político ladrão é mais digno que um funcionário público”: Enganoso
Uma busca no Google pela declaração exata atribuída a Lula não levou a qualquer registro de que ele a tenha pronunciado.
Com uma nova pesquisa, desta vez pelos termos “Lula %2b político %2b funcionário público” e a data “16 de setembro de 2016”, vista em outras postagens, chegou-se a uma notícia sobre as repercussões da comparação feita pelo ex-presidente entre “político ladrão” e servidores concursados.
A matéria destaca a frase de Lula: “Eu de vez em quando falo que as pessoas achincalham muito a política, mas a posição mais honesta é a do político, sabe por quê? Por que todo ano, por mais ladrão que ele seja, ele tem que ir pra rua encarar o povo e pedir voto. O concursado não. Se forma na universidade, faz um concurso e ‘tá’ com um emprego garantido para o resto da vida”.
A declaração do político do PT foi feita em uma coletiva de imprensa em 15 de setembro de 2016, depois que o Ministério Público o denunciou por corrupção e lavagem de dinheiro.
Em um vídeo dessa coletiva transmitida ao vivo no YouTube é possível assistir o momento em que o ex-presidente faz a comparação.
Esse conteúdo já foi verificado pelo AFP Checamos.
4 - “Eu não vou enganar o povo mais uma vez”: Sim, mas...
Em 7 de outubro de 2020, o ex-presidente participou de uma entrevista por vídeo com o jornal espanhol El País, abordando, entre uma série de temas, a criação de uma frente ampla contra o presidente, Jair Bolsonaro.
Questionado pela jornalista Flávia Marreiro sobre uma possível organização com vários partidos contra Bolsonaro, Lula respondeu que o termo “frente ampla” havia ganhado uma conotação de solução “mágica” e que, para ele, só faria sentido tomar esta atitude se fosse para recuperar os direitos trabalhistas, fazer uma reforma tributária com o objetivo de aumentar os impostos para os mais ricos e “voltar a dar cidadania ao povo que é excluído desde o tempo da escravidão”.
Finalmente, o ex-presidente afirmou: “Mas fazer um arranjo por cima, apenas para mudar a nomenclatura, sem dizer o que vai acontecer com o povo pobre... eu já tenho idade demais, eu já vivi demais, eu já tenho experiência demais. E eu não vou enganar o povo mais uma vez. Eu não vou enganar o povo. Só tem sentido fazer uma frente ampla se for para devolver ao povo trabalhador deste país os direitos que tiraram dele”.
No Twitter, o Lula retomou parte desta fala, reforçando que “tem idade demais” para “fazer arranjo por cima sem dizer o que vai acontecer com o povo pobre”, e que só faria isso para devolver os direitos aos trabalhadores.
Em 1º de junho de 2020, durante uma reunião extraordinária do Diretório Nacional do PT, Lula já havia criticado os manifestos suprapartidários em oposição a Bolsonaro, indicando que pouco se falava da classe trabalhadora, e que não tem “mais idade para ser ‘Maria vai com as outras’”.
Esse conteúdo já foi verificado pelo AFP Checamos.
5 - “Eu não posso ver mais jovem de 14, 15 anos, assaltando e sendo violentado pela polícia só porque roubou um celular”: Enganoso
Por fim, uma pesquisa por essa frase exata levou a uma publicação no site Brasil de Fato em 11 de novembro de 2019 cujo conteúdo é a íntegra do discurso feito pelo ex-presidente em São Bernardo do Campo em 9 de novembro, um dia depois de sua saída da prisão em Curitiba.
Após criticar a situação do país e o governo de Bolsonaro, Lula diz: “Eu não posso ver aumentar o número de gente dormindo na rua. Eu não posso ver aumentar o número de mulheres jovens vendendo o seu corpo a troco de um prato de comida. Eu não posso ver mais jovem de 14 e 15 anos assaltando e sendo violentado, assassinado pela polícia, às vezes inocente ou às vezes porque roubou um celular”.
Neste vídeo publicado pela Rede TVT é possível acompanhar toda a fala do ex-presidente, na qual, aos 24 minutos, ele menciona a questão dos adolescentes.
Um conteúdo semelhante foi checado pela equipe do Estadão Verifica.