Em transmissão ao vivo realizada no último dia 3 de junho, o presidente Jair Bolsonaro respondeu a críticas por não utilizar máscaras de proteção contra a covid-19 citando um e-mail em que o principal especialista em doenças infecciosas dos Estados Unidos, Anthony Fauci, afirma que o equipamento deve ser usado apenas por pessoas infectadas com o coronavírus. O presidente omitiu, no entanto, que o e-mail era de fevereiro de 2020, e que, cerca de dois meses depois, as autoridades de Saúde norte-americanas passaram a recomendar o uso de máscaras para a população em geral.
“Vocês estão vendo aí o vazamento dos e-mails do doutor Fauci, lá dos Estados Unidos? Vocês estão vendo o que que ele fala nos seus e-mails?”, disse Bolsonaro, citando a série de correspondências do assessor médico da Casa Branca sobre a crise do coronavírus divulgada pelo site BuzzFeed News no último dia 1º de junho.
“Diz ele em um dos e-mails, as máscaras são realmente para as pessoas infectadas. Eu não vou falar se sou contra ou a favor, o que ele disse: as máscaras são para ser usadas por quem está infectado”, citou o presidente na mais recente de suas transmissões ao vivo realizadas semanalmente. “Entendeu, os meia dúzia da CPI?”, acrescentou.
Desde o final de abril de 2021, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) apura se o governo do presidente Jair Bolsonaro foi negligente na gestão da pandemia de covid-19. Entre os temas abordados, está o fato de o mandatário ter sido visto publicamente sem máscara diversas vezes desde o início da crise sanitária.
“Não estou dizendo que você tem que usar, ou não tem que usar máscara, apenas a CPI está apurando lá se eu devo ou não, porque eu não estou usando máscara. Então aqui está o doutor Fauci, dos Estados Unidos, falando que as máscaras são realmente eficazes para as pessoas infectadas. Quem não está infectado, pelo doutor Fauci, não precisa usar máscara”, concluiu Bolsonaro na transmissão de 3 de junho de 2021.
Alegação semelhante também começou a circular nas redes após a divulgação do conjunto de e-mails do doutor Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA (Niaid, na sigla em inglês).
Orientação antiga
De fato, em um dos e-mails obtidos pelo Buzzfeed, Fauci respondeu a dúvidas de uma interlocutora dizendo não recomendar que ela utilizasse máscaras. “As máscaras são realmente para pessoas infectadas, para evitar que elas propaguem a infecção, em vez de proteger pessoas não infectadas de contraírem a infecção”, afirmou o especialista na correspondência.O presidente Jair Bolsonaro e as postagens viralizadas omitem, no entanto, que esse e-mail foi enviado em 5 de fevereiro de 2020, menos de um mês após ser detectado o primeiro caso de covid-19 fora da China.
As orientações sobre o uso de máscaras evoluíram ao longo da crise sanitária à medida que se soube mais sobre a covid-19 e o vírus que causa a doença.
Inicialmente, autoridades de Saúde dos Estados Unidos recomendaram que as máscaras fossem usadas apenas por aqueles que haviam contraído a covid-19 para ajudar a conter a propagação do vírus. Em seguida, ampliaram essa orientação, pedindo que todos utilizassem o equipamento, e, agora, dizem que aqueles que foram totalmente vacinados não precisam usá-lo na maior parte das circunstâncias.
O e-mail de Fauci citado por Bolsonaro reflete esse primeiro posicionamento, que era o consenso na época entre os especialistas de Saúde norte-americanos, como o Centro para Controle e Prevenção de Doenças (CDC) e o cirurgião-geral dos Estados Unidos, o principal porta-voz de saúde do país.
Esse consenso logo mudou e, em abril de 2020, autoridades norte-americanas passaram a recomendar o uso de máscaras para a população em geral.
“Eu quero proteger a mim mesmo e aos outros, e também porque eu quero que seja um símbolo, para que as pessoas vejam que esse é o tipo de coisa que deveriam estar fazendo”, disse Fauci à CNN no mês seguinte, explicando porque ele usava máscara.
À AFP, o doutor Benjamin Neuman, especialista em coronavírus que dirige o departamento de Ciências Biológicas da universidade Texas A&M Texarkana, disse que é essencial que cientistas tomem decisões com base nos dados mais recentes.
“Quando um cientista para de avaliar e incorporar novas informações, ele efetivamente não é mais um cientista praticante”, disse Neuman.
“Os e-mails e declarações do dr. Fauci mostram uma mudança no entendimento e a evolução gradual do objetivo de prevenir colapsos hospitalares para medidas mais amplas de controle do vírus”, acrescentou.
Escassez de equipamentos
Em uma entrevista em junho de 2020, Fauci citou a preocupação com a escassez de equipamentos de proteção para profissionais da Saúde como motivo para a recomendação anterior contra o uso generalizado de máscaras, dizendo que “agora, nós temos máscaras”.
“As circunstâncias mudaram”, disse Fauci.
O especialista também admitiu em uma entrevista em julho de 2020 que a “mensagem confusa no início” em relação às máscaras foi “prejudicial para transmitir a mensagem”.
Jonathan Karn, chefe do departamento de Biologia Molecular e Microbiologia da Escola de Medicina da Case Western Reserve University, em Cleveland, concordou com a avaliação de Fauci.
“Os Estados Unidos falharam nas orientações sobre máscaras”, disse. “Eles não foram suficientemente contundentes ao dizer para as pessoas usarem máscaras e usarem máscaras logo”.
Em maio de 2021, os Estados Unidos mudaram novamente as orientações sobre o uso do equipamento de proteção, levando em consideração a quantidade de pessoas que foram completamente vacinadas contra a covid-19 no país.
Essas pessoas podem “retomar as atividades sem usar máscaras ou permanecer a seis pés de distância, exceto quando exigido por leis federais, estaduais, locais, tribais ou territoriais, e regulamentos, incluindo de pequenos negócios e locais de trabalho”, diz o CDC.
Mas a agência de saúde ainda recomenda que pessoas não vacinadas usem máscaras em várias circunstâncias.
Chefe do Niaid desde 1984, Anthony Fauci tem sido alvo de diversas peças de desinformação ao longo da pandemia de covid-19.
O Niaid não respondeu a pedidos de comentários sobre os e-mails de Fauci até a publicação deste artigo.
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