“O problema não é o que se diz, mas sim, quem falou…”, indicam as legendas de publicações que comparam duas declarações dadas pelos presidentes norte-americano, Joe Biden, e brasileiro, Jair Bolsonaro, a respeito do não uso de máscara por pessoas vacinadas com as duas doses contra a covid-19. Compartilhadas mais de 31,6 mil vezes nas redes sociais desde o último dia 11 de junho, as postagens omitem, no entanto, os contextos dos dois países e o percentual de vacinados em cada um deles.
Diferentes tipos de memes circulam no Facebook (1, 2, 3), no Instagram (1, 2, 3) e no Twitter (1, 2, 3) questionando o fato da frase de Biden não gerar críticas e comparando a fala com a do presidente Bolsonaro sobre o uso de máscaras.
“‘Hoje é um grande dia. Se você estiver totalmente vacinado, não precisará mais usar máscara’ - Joe Biden. Ele ninguém chama de genocida”, indica o texto sobreposto a uma fotografia do presidente dos Estados Unidos segurando uma máscara.
Outras, por sua vez, apontam que a reação às falas dependerá de quem as diz, não de seu conteúdo: “‘Hoje é um grande dia. Se você está totalmente vacinado, não precisa mais usar máscara’ Joe Biden - Presidente dos EUA. ‘Muito bem presidente! Viva a ciência’. ‘Pedi para o ministro da Saúde fazer um estudo sobre máscara. Quem já foi infectado e quem já tomou vacina não precisa usar’ Bolsonaro - Presidente do Brasil. ‘Genocida! Fora Bolsonaro’”.
Os usuários fazem referência à forma como o presidente Bolsonaro vem sendo chamado por opositores (1, 2) devido a sua gestão da pandemia de coronavírus no Brasil, que até 17 de junho registrava mais de 496 mil óbitos em decorrência da doença.
A declaração de Joe Biden
Uma busca no Google pelas palavras-chave em inglês “great day + fully vaccinated + mask” (“grande dia + totalmente vacinado + máscara”) levou ao site da Casa Branca, no qual há um discurso proferido pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em 13 de maio de 2021.
Em tradução livre para o português, Biden diz: “Hoje é um grande dia para a América em nossa longa batalha contra o coronavírus. Há algumas horas, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças - os CDC - anunciaram que não estão mais recomendando que as pessoas totalmente vacinadas precisem usar máscaras. Esta recomendação é válida para lugares fechados ou abertos”.
No último dia 13 de maio, os CDC de fato fizeram esse anúncio, inclusive mencionando que não seria mais necessário o distanciamento social. Nesta data, mais de 35% da população dos Estados Unidos já estava completamente vacinada, de acordo com o projeto Our World in Data, da Universidade de Oxford.
Uma consulta ao site da agência norte-americana mostra que as diretrizes já foram novamente atualizadas, em 28 de maio. Os CDC indicam que não será mais necessário usar máscaras, “exceto quando exigido por leis, regras e regulamentos federais, estaduais, locais”, entre outros.
As máscaras seguem sendo obrigatórias, contudo, para viagens de avião, ônibus, trem e outros meios de transporte.
No dia da declaração de Joe Biden, um relatório da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) mostrou que os Estados Unidos haviam registrado 35.437 casos de covid-19 nas 24 horas anteriores e 747 mortes. No mesmo período, o Brasil contabilizou 76.692 casos e 2.494 mortes.
A declaração de Jair Bolsonaro
Em relação à frase atribuída ao presidente brasileiro nos memes viralizados, uma declaração semelhante foi dada no último dia 10 de junho durante um evento de lançamento de programas do Ministério do Turismo.
Bolsonaro indicou que havia conversado com o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e que ele iria “ultimar um parecer, visando a desobrigar o uso de máscara, por parte daqueles que estejam vacinados ou que já foram contaminados”.
Queiroga assinalou que quer entregar tal estudo, mas que a vacinação da população brasileira precisa avançar.
Na data da declaração de Bolsonaro, somente 11% da população brasileira estava totalmente vacinada contra a covid-19, um número consideravelmente inferior quando comparado aos Estados Unidos, que em 10 de junho já havia imunizado completamente mais de 42% de seus cidadãos.
De acordo com o relatório da Opas, em 10 de junho de 2021 o Brasil registrou 85.748 novos casos em 24 horas, além de 2.723 mortes.
Na live realizada em 17 de junho, o presidente voltou a tratar desse assunto: “Enquanto eu for presidente, vamos lutar para que o cidadão de bem tenha armas e seja desobrigado a usar máscara, com o parecer do Ministério da Saúde favorável nesse sentido”.
Consultada pelo Comprova, projeto de verificação do qual a AFP faz parte, Raquel Stucchi, infectologista da Universidade de Campinas (Unicamp) e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia, aponta que não é o momento do Brasil liberar o uso de máscaras.
“Nós temos quase 12% da população vacinada apenas e um número ainda muito expressivo de casos. A taxa de ocupação de leitos de hospital na maior parte dos estados ultrapassa 80%, muitos acima de 90%, e temos uma mortalidade ainda muito alta, então, nada disso faz com que nós possamos desobrigar o uso de máscaras”, diz ela.
Opinião semelhante tem Daniel Mansur, professor de imunologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e membro do Comitê Científico da Sociedade Brasileira de Imunologia, que também declarou ao Comprova: “Para aliviar as medidas, só quando o número de casos estiver bem baixo”, afirma. “As situações dos Estados Unidos e do Brasil não são comparáveis. Aqui, o pessoal não foi vacinado ainda [em larga escala]”.
Em 18 de junho, a Fiocruz divulgou um boletim do Observatório Covid-19 no qual aponta que 18 estados e o Distrito Federal seguem “apresentando taxas de ocupação de pelo menos 80% [em leitos de UTI]”.
Stucchi também lembra que, ao contrário do que Bolsonaro afirma sobre a dispensa do uso de máscaras por pessoas que já tiveram a covid-19, “a reinfecção existe”.
No site do Ministério da Saúde, a recomendação permanece sendo para que a população use máscara “em ambientes coletivos, em especial no transporte público e em eventos e reuniões, como forma de proteção individual, reduzindo o risco potencial de exposição do vírus especialmente de indivíduos assintomáticos”.
Esse artigo foi redigido com elementos do texto do Projeto Comprova, do qual o AFP Checamos faz parte.