Jornal Estado de Minas

CHECAMOS

Ivermectina não se mostrou eficaz na prevenção e tratamento da COVID-19

Os resultados de um estudo realizado por cientistas argentinos e publicado na revista EClinicalMedicine foram divulgados na mídia e nas redes sociais com a afirmação de que a ivermectina é eficaz na prevenção e no tratamento da Covid-19.



No entanto, o estudo realizado em 45 pacientes não comprova a eficácia clínica do medicamento e os próprios autores apontam que mais ensaios são necessários para demonstrar a sua eficácia no tratamento da doença.

"Estudo Argentino Divulgado em Revista Publicada Pela The Lancet Constata Eficácia da Ivermectina na Redução da Carga Viral de Pacientes Com Covid-19" foi um dos títulos usados em sites brasileiros. "De acordo com uma revista científica, o antiparasitário veterinário Ivermectina é eficaz contra a Covid-19" e "Estudo revela eficácia da ivermectina" foram as manchetes escolhidas por outros meios de comunicação latino-americanos (1, 2) para descrever os resultados de um estudo publicado em 17 de junho de 2021 na revista médica EClinicalMedicine.

Em redes sociais como Facebook (1,2) e Twitter, circulam publicações que questionam a não adoção do medicamento na prevenção e tratamento da covid-19. Diversos usuários afirmam que o estudo foi publicado pela revista científica The Lancet e que comprovou a eficácia do medicamento. 

Na Argentina, alegações semelhantes estão circulando para contrapor o uso da ivermectina às campanhas de imunização contra covid-19. Diversos usuários afirmam que a eficácia do antiparasitário tem sido ocultada para vacinar a população (1, 2, 3). 



A droga tem sido frequentemente defendida pelo presidente Jair Bolsonaro (1, 2). Sua suposta eficácia contra covid-19 também foi mencionada por um dos infectologistas que compareceu à Comissão Parlamentar de Investigação (CPI) em junho de 2021, que analisa se o governo tem sido negligente na gestão da pandemia.

O que diz o estudo?

Ao contrário do que é sugerido em publicações virais, o artigo não conclui que a ivermectina é um tratamento adequado para a covid-19.

Intitulado “Efeito antiviral de altas doses de ivermectina em adultos com COVID-19: Um ensaio aleatório de prova de conceito”, o artigo mostra os resultados de uma pesquisa liderada por Alejandro Krolewiecki, do Instituto Argentino de Pesquisa em Doenças Tropicais (IIET- CONICET), da Universidade Nacional de Salta. Participaram também o Centro de Pesquisa Veterinária de Tandil (Civetan), a Universidade Nacional de Quilmes e a Unidade de Virologia e Epidemiologia Molecular do Hospital Prof. Dr. Juan P. Garrahan. A iniciativa foi financiada pelo laboratório Elea Phoenix S.A. e pela Agência Nacional de Promoção Científica e Tecnológica da Argentina.

Os resultados do estudo não são novos. Eles já estavam disponíveis em setembro de 2020, mas ainda não haviam sido publicados em um periódico científico.





O estudo foi realizado em 45 pacientes com covid-19. Trinta deles receberam uma dose diária de 0,6 miligramas por quilo de peso de ivermectina por cinco dias enquanto o grupo controle, composto pelos outros quinze pacientes, não recebeu tratamento algum. De acordo com o que foi observado, quem recebeu o medicamento apresentou uma diminuição significativa da carga viral nas secreções respiratórias.

Os autores detalham que algumas das limitações do estudo são o tamanho da amostra, bem como o fato de que a análise do resultado foi baseada nos dias decorridos desde a entrada no estudo, e não desde o início dos sintomas, “o que que poderia ter adicionado uma fonte de variabilidade nos valores e curvas da carga viral ”.

Por último, os autores observam que testes adicionais são necessários para determinar se a ivermectina pode ser utilizada para prevenir ou tratar a covid-19. Eles afirmam que os resultados do estudo apoiam a hipótese de que a ivermectina “tem uma atividade antiviral dependente da concentração contra a SARS-CoV-2”, por isso seria justificável “realizar ensaios de acompanhamento para confirmar nossos resultados e identificar a utilidade clínica de ivermectina na covid-19”.





O coordenador da pesquisa, Alejandro Krolewiecki, afirmou ao AFP Checamos que apenas os resultados do estudo não são suficientes para comprovar a eficácia do medicamento no tratamento da covid-19. “Ensaios com resultados clínicos darão essa resposta; nosso estudo fornece uma base lógica e uma justificativa para os ensaios, que precisam de uma amostra maior”, explicou. 

O medicamento “não deve atrasar ou substituir as intervenções disponíveis comprovadas de prevenção, como o distanciamento social e as vacinas”, acrescentou, disse o pesquisador.

Sem evidências de benefício clínico

Durante a pandemia, têm circulado rumores sobre a suposta eficácia da ivermectina – um antiparasitário que combate diferentes tipos de parasitas em diversas fases de desenvolvimento – na prevenção e tratamento da covid-19.

No entanto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) desaconselha seu uso, uma vez que faltam dados conclusivos e, tanto nos Estados Unidos e na Europa quanto no Brasil e na Argentina, o medicamento é aprovado apenas como antiparasitário. Apesar disso, em cinco províncias argentinas, a ivermectina é administrada como tratamento e como método profilático.





“Para declarar a eficácia de um medicamento, seja ivermectina ou qualquer outro, a barra tem que ser alta. Isso significa que deve haver ensaios clínicos que demonstrem resultados clinicamente relevantes. No caso da covid-19, os que mais nos interessam são mortalidade e internação em terapia intensiva”, disse Karin Kopitowski, chefe do Serviço de Medicina de Família do Hospital Italiano de Buenos Aires e diretora do Departamento de Pesquisa da mesma instituição, à equipe de verificação da AFP.

Referindo-se à publicação na EClinicalMedicine, o especialista observou que os resultados foram obtidos a partir de um ensaio clínico com muito poucos pacientes, e que se trata de “um estudo inicial na construção de evidências científicas”.

“Não se pode inferir a partir dele que a ivermectina é eficaz”, acrescentou. “Além disso, quando um ensaio clínico bem desenhado produz resultados, muitas vezes você tem que esperar por resultados simultâneos de outros ensaios clínicos que demonstrem algo semelhante. Só então a comunidade científica declara o ‘sucesso’ de uma intervenção ”.





O Diretor de Pesquisa Clínica da Fundação Huésped e especialista em doenças infecciosas, Omar Sued, concorda: “O estudo não é definitivo para confirmar que há um benefício clínico. Até o momento, todos os grandes estudos randomizados, como este da Colômbia, mostram que não há impacto clínico em termos de menor mortalidade ou redução significativa da gravidade dos pacientes. Por este motivo, nem a OMS, nem a OPAS, nem a Comunidade Europeia aprovam este tratamento como um padrão de atendimento para pacientes com covid-19 ”.

No entanto, ele acrescentou:


“É preciso continuar investigando. Tomara que se consiga demonstrar o impacto da ivermectina na progressão clínica, porque é barata e está disponível. Mas até agora não há evidências concretas que permitam afirmar com veemência que funciona ”.

Em maio de 2021, a Comissão Nacional de Avaliação Tecnológica da Argentina, dependente do Ministério da Saúde, publicou o informe “Ivermectina para o tratamento de pacientes com COVID-19 e expostos à SARS-CoV-2”. Nele, está escrito que em pessoas não infectadas expostas ao coronavírus, “há incerteza quanto ao efeito da ivermectina para prevenir a infecção sintomática, presumida ou confirmada”.





Em relação aos pacientes com covid-19, também é detalhado que “há incerteza no efeito da ivermectina na mortalidade e eventos adversos graves.” Além disso, “a ivermectina pode não ter efeito na admissão à ventilação mecânica ou na duração da hospitalização e provavelmente não tem efeito no tempo de resolução dos sintomas”. Portanto, não se pode concluir que a ivermectina é eficaz, segura e conveniente para prevenir a infecção pelo vírus SARS-CoV-2 nem para tratar pacientes com covid-19.

O AFP Checamos verificou várias publicações relacionadas à eficácia da ivermectina no tratamento da infecção por coronavírus (1, 2).

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