Jornal Estado de Minas

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Nove parlamentares apresentaram emenda para importar a Covaxin, Randolfe não está entre eles

Circulam desde o último 28 de junho publicações, com mais de 3.000 compartilhamentos, sobre uma afirmação do presidente Jair Bolsonaro de que “as emendas da Covaxin vieram deles: do Randolfe – o relator –, do irmão do Renan e do próprio Omar Aziz”.



No entanto, a afirmação é enganosa, uma vez que o senador Randolfe Rodrigues não apresentou uma emenda nesse sentido. Além de Omar Aziz e do irmão de Renan Calheiros, Renildo Calheiros, mais sete parlamentares apresentaram emendas semelhantes para incluir a agência reguladora indiana no rol de instituições que poderiam ser tomadas como parâmetro para que a Anvisa autorizasse a importação de vacinas e outros ítens essenciais no combate à pandemia de covid-19.

“BOMBA: Bolsonaro revela que ‘emenda que viabilizava importação da Covaxin veio de Randolfe, do irmão de Renan Calheiros e de Omar Aziz’”, diz uma das publicações no Twitter (1, 2, 3). 

“Bolsonaro: ‘A emenda que viabilizou a importação da Covaxin veio deles: Randolfe, irmão do Renan e do próprio Omar Aziz’ - VEJA O VÍDEO!”, indica a legenda de uma das postagens compartilhada no Facebook (1, 2, 3) e no Instagram.

Em 28 de junho de 2021, a hashtag “#RenanSabiaDeTudo” entrou nos assuntos mais comentados do Twitter, com milhares de interações. Grande parte das publicações associou os senadores Randolfe Rodrigues, Omar Aziz e Renan Calheiros ao suposto esquema de corrupção que envolveu a importação da vacina indiana Covaxin, contra a covid-19.





A alegação dos usuários e do presidente é de que Randolfe, Aziz e o deputado federal Renildo Calheiros, irmão de Renan Calheiros, foram os autores da emenda à Medida Provisória que teria facilitado a importação da Covaxin para o Brasil.

Os senadores citados na publicação ocupam as três principais posições na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga desde abril de 2021 a resposta dada pelo Governo Federal à pandemia de covid-19. Omar Aziz ocupa o cargo de presidente, Randolfe Rodrigues, o de vice-presidente, e Renan Calheiros é o relator.

MP das vacinas

A Medida Provisória nº 1.026 de 2021, que ficou conhecida como “MP das vacinas”, foi publicada pelo Governo Federal em 6 de janeiro de 2021. A medida abria espaço para ações excepcionais relacionadas à aquisição e importação de vacinas, insumos, bens e serviços destinados ao combate à pandemia. 





O artigo 16 do texto original previa: “a Anvisa, de acordo com suas normas, poderá conceder autorização excepcional e temporária para a importação e distribuição de quaisquer vacinas contra a covid-19, materiais, medicamentos, equipamentos e insumos da área de saúde sujeitos à vigilância sanitária, sem registro na Anvisa e considerados essenciais para auxiliar no combate à covid-19”, desde que registrados e autorizados pela  Agência de Medicamentos e Alimentos (FDA) dos Estados Unidos;  Agência Europeia de Medicamentos (EMA) da União Europeia; Agência de Produtos Farmacêuticos e Equipamentos Médicos (PMDA) do Japão; Administração Nacional de Produtos Médicos (NMPA), da China; ou pela Agência Reguladora de Medicamentos e Produtos de Saúde (MHRA) do Reino Unido. 

O dispositivo tinha como um de seus objetivos facilitar a importação e distribuição de vacinas e medicamentos durante a pandemia. Ainda em janeiro de 2021, a medida foi submetida ao Congresso Nacional para ser convertida em lei. Durante a sua tramitação, foram apresentadas, no total, 164 propostas de emendas por deputados federais e senadores. Foi proposta a inclusão de entidades regulatórias da Índia no rol mencionado por nove parlamentares, o que facilitaria a importação da vacina Covaxin.

Entre os parlamentares que apresentaram emendas nesse sentido estão os deputados: Alice Portugal (Emenda 70); Jandira Feghali (Emenda 73); Renildo Calheiros, irmão do senador Renan Calheiros (Emenda 77); Perpétua Almeida (Emenda 82: 1, 2); Orlando Silva (Emendas 102 e 104); Daniel Almeida (Emenda 107); Ricardo Barros (Emenda 117) e Gonzaga Patriota (Emenda 128). O senador Omar Aziz também apresentou uma emenda nesse sentido (Emenda 111). 





Diferentemente do que afirmam o presidente Bolsonaro e as publicações que viralizaram nas redes sociais, o senador Randolfe Rodrigues  –  relator da medida no Senado  – não apresentou emenda alguma nesse sentido (1, 2, 3, 4, 5, 6). 

Superfaturamento

A desconfiança em relação às emendas ao artigo 16 da medida provisória surgiu após terem sido levantadas suspeitas sobre um possível superfaturamento no contrato para compra da vacina Covaxin. O preço do imunizante seria mais alto do que todos os adquiridos até agora pelo Brasil. 

Em 25 de junho de 2021, o deputado bolsonarista Luis Miranda alegou na CPI da pandemia que o presidente Jair Bolsonaro teria dito a ele que o operador do suposto esquema de corrupção envolvendo a Covaxin seria Ricardo Barros, líder da bancada governista na Câmara. Até final de junho, o deputado ainda não havia entregado as provas de suas alegações. A apresentação de emendas nesse mesmo sentido não necessariamente vincula os demais parlamentares ao suposto esquema.





Randolfe Rodrigues e outros dois senadores apresentaram uma notícia-crime ao Supremo Tribunal Federal para que seja investigada a suposta prevaricação do presidente, uma vez que o governante não denunciou as suspeitas de corrupção na compra da Covaxin. 

Sputnik V

A Lei nº 14.124 de 2021, que surgiu a partir da “MP das vacinas” é a mesma que também teria facilitado a importação da vacina russa, Sputnik V. O mesmo artigo 16 prevê que a aprovação do Ministério da Saúde da Federação Russa seria suficiente para que a Anvisa pudesse emitir autorização para importação, distribuição e uso emergencial de imunizantes e de outros produtos.

Profissional de saúde exibe um frasco da vacina Covaxin contra a covid-19 em Mumbai, em 9 de maio de 2021 (Indranil Mukherjee / AFP)

Apesar de a lei estar em vigor desde março de 2021, a Anvisa foi intimada pelo ministro do STF Ricardo Lewandowski em abril deste ano para que se manifestasse sobre a possibilidade de importação da vacina russa pelos estados do Maranhão, Ceará, Amapá, Piauí e Bahia. Após as decisões, em 26 de abril, a Anvisa negou a permissão para importação da vacina russa por ter considerado que faltavam informações técnicas que permitissem verificar a sua eficácia e segurança. 





Em novo parecer no último dia 4 de junho, a agência autorizou a importação da Sputnik V, assim como da indiana Covaxin, mas impôs restrições ao uso dos imunizantes. Foi liberada a importação apenas de 4 milhões de doses da vacina indiana e, para a vacina russa, a quantidade autorizada equivale a 1% da população dos estados que solicitaram o seu uso.

Além disso, as vacinas só poderão ser aplicadas em adultos de 18 a 60 anos, excetuando-se mulheres grávidas, pessoas com comorbidades e portadores de HIV, hepatite B ou C.

A Anvisa também exigiu que os lotes utilizados no país sejam produzidos em fábricas fiscalizadas por ela e que sejam submetidos a análises laboratoriais do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS), que faz parte da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

O que é uma CPI?

As comissões parlamentares de inquérito (CPIs) são instrumentos usados por integrantes do Poder Legislativo (vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores) para investigar fato determinado de grande relevância ligado à vida econômica, social ou legal do país, de um estado ou de um município. Embora tenham poderes de Justiça e uma série de prerrogativas, comitês do tipo não podem estabelecer condenações a pessoas.





Para ser instalado no Senado Federal, uma CPI precisa do aval de, ao menos, 27 senadores; um terço dos 81 parlamentares. Na Câmara dos Deputados, também é preciso aval de ao menos uma terceira parte dos componentes (171 deputados).

Há a possibilidade de criar comissões parlamentares mistas de inquérito (CPMIs), compostas por senadores e deputados. Nesses casos, é preciso obter assinaturas de um terço dos integrantes das duas casas legislativas que compõem o Congresso Nacional.

O que a CPI da COVID investiga?

Instalada pelo Senado Federal em 27 de abril de 2021, após determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), a CPI da COVID trabalha para apurar possíveis falhas e omissões na atuação do governo federal no combate à pandemia do novo coronavírus. O repasse de recursos a estados e municípios também foi incluído na CPI e está na mira dos parlamentares.





O presidente do colegiado é Omar Aziz (PSD-AM). O alagoano Renan Calheiros (MDB) é o relator. O prazo inicial de trabalho são 90 dias, podendo esse período ser prorrogado por mais 90 dias.


Saiba como funciona uma CPI

Após a coleta de assinaturas, o pedido de CPI é apresentado ao presidente da respectiva casa Legislativa. O grupo é oficialmente criado após a leitura em sessão plenária do requerimento que justifica a abertura de inquérito. Os integrantes da comissão são definidos levando em consideração a proporcionalidade partidária — as legendas ou blocos parlamentares com mais representantes arrebatam mais assentos. As lideranças de cada agremiação são responsáveis por indicar os componentes.

Na primeira reunião do colegiado, os componentes elegem presidente e vice. Cabe ao presidente a tarefa de escolher o relator da CPI. O ocupante do posto é responsável por conduzir as investigações e apresentar o cronograma de trabalho. Ele precisa escrever o relatório final do inquérito, contendo as conclusões obtidas ao longo dos trabalhos. 





Em determinados casos, o texto pode ter recomendações para evitar que as ilicitudes apuradas não voltem a ocorrer, como projetos de lei. O documento deve ser encaminhado a órgãos como o Ministério Público e a Advocacia-Geral da União (AGE), na esfera federal.

Conforme as investigações avançam, o relator começa a aprimorar a linha de investigação a ser seguida. No Congresso, sub-relatores podem ser designados para agilizar o processo.

As CPIs precisam terminar em prazo pré-fixado, embora possam ser prorrogadas por mais um período, se houver aval de parte dos parlamentares

O que a CPI pode fazer?

  • chamar testemunhas para oitivas, com o compromisso de dizer a verdade
  • convocar suspeitos para prestar depoimentos (há direito ao silêncio)
  • executar prisões em caso de flagrante
  • solicitar documentos e informações a órgãos ligados à administração pública
  • convocar autoridades, como ministros de Estado — ou secretários, no caso de CPIs estaduais — para depor
  • ir a qualquer ponto do país — ou do estado, no caso de CPIs criadas por assembleias legislativas — para audiências e diligências
  • quebrar sigilos fiscais, bancários e de dados se houver fundamentação
  • solicitar a colaboração de servidores de outros poderes
  • elaborar relatório final contendo conclusões obtidas pela investigação e recomendações para evitar novas ocorrências como a apurada
  • pedir buscas e apreensões (exceto a domicílios)
  • solicitar o indiciamento de envolvidos nos casos apurados

O que a CPI não pode fazer?

Embora tenham poderes de Justiça, as CPIs não podem:

  • julgar ou punir investigados
  • autorizar grampos telefônicos
  • solicitar prisões preventivas ou outras medidas cautelares
  • declarar a indisponibilidade de bens
  • autorizar buscas e apreensões em domicílios
  • impedir que advogados de depoentes compareçam às oitivas e acessem
  • documentos relativos à CPI
  • determinar a apreensão de passaportes

A história das CPIs no Brasil

A primeira Constituição Federal a prever a possibilidade de CPI foi editada em 1934, mas dava tal prerrogativa apenas à Câmara dos Deputados. Treze anos depois, o Senado também passou a poder instaurar investigações. Em 1967, as CPMIs passaram a ser previstas.

Segundo a Câmara dos Deputados, a primeira CPI instalada pelo Legislativo federal brasileiro começou a funcionar em 1935, para investigar as condições de vida dos trabalhadores do campo e das cidades. No Senado, comitê similar foi criado em 1952, quando a preocupação era a situação da indústria de comércio e cimento.





As CPIs ganharam estofo e passaram a ser recorrentes a partir de 1988, quando nova Constituição foi redigida. O texto máximo da nação passou a atribuir poderes de Justiça a grupos investigativos formados por parlamentares.

CPIs famosas no Brasil

1975: CPI do Mobral (Senado) - investigar a atuação do sistema de alfabetização adotado pelo governo militar

1992: CPMI do Esquema PC Farias - culminou no impeachment de Fernando Collor

1993: CPI dos Anões do Orçamento (Câmara) - apurou desvios do Orçamento da União

2000: CPIs do Futebol - (Senado e Câmara, separadamente) - relações entre CBF, clubes e patrocinadores

2001: CPI do Preço do Leite (Assembleia de MG e outros Legislativos estaduais, separadamente) - apurar os valores cobrados pelo produto e as diretrizes para a formulação dos valores

2005: CPMI dos Correios - investigar denúncias de corrupção na empresa estatal

2005: CPMI do Mensalão - apurar possíveis vantagens recebidas por parlamentares para votar a favor de projetos do governo

2006: CPI dos Bingos (Câmara) - apurar o uso de casas de jogo do bicho para crimes como lavagem de dinheiro

2006: CPI dos Sanguessugas (Câmara) - apurou possível desvio de verbas destinadas à Saúde

2015: CPI da Petrobras (Senado) - apurar possível corrupção na estatal de petróleo

2015: Nova CPI do Futebol (Senado) - Investigar a CBF e o comitê organizador da Copa do Mundo de 2014

2019: CPMI das Fake News - disseminação de notícias falsas na disputa eleitoral de 2018

2019: CPI de Brumadinho (Assembleia de MG) - apurar as responsabilidades pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão

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