Jornal Estado de Minas

CHECAMOS

Não é verdade que boicote de consumidores fez importações da China caírem 78% no Brasil

 

 

 

Postagens compartilhadas mais de 400 vezes desde agosto de 2020 e que circulavam até julho de 2021 em redes sociais afirmam que as compras saídas da China caíram 78% no Brasil após um boicote por parte dos consumidores, segundo dados de uma organização identificada como INCINT nas publicações. Isso é falso. Entre janeiro e junho de 2020, as importações da China registraram queda de 6,9% com relação ao mesmo período de 2019, em um contexto geral de queda das importações pelo Brasil em meio à pandemia.





 

Segundo dados do Ministério da Economia, neste ano, as importações de produtos da China cresceram mais de 25% no acumulado de janeiro a junho de 2021 em comparação com o mesmo período de 2020. A China segue sendo o país de quem o Brasil mais importa produtos em valores totais desde 2012. Além disso, autoridades afirmam não ter conhecimento de uma instituição nomeada “INCINT” que atue no comércio exterior brasileiro. 

“Compras da China cai 78% no Brasil. Segundo INCINT os brasileiros passaram a boicotar os produtos chineses”, diz o texto da imagem que foi compartilhada no Instagram (1, 2) , Twitter e Facebook.


Uma pesquisa feita utilizando a ferramenta CrowdTangle mostra que as postagens circulam desde agosto de 2020. As publicações surgiram no contexto da pandemia do novo coronavírus, cujos primeiros casos foram reportados na cidade chinesa de Wuhan ao final de 2019, de acordo com a OMS



Em agosto de 2020, houve de fato uma retração no valor acumulado de produtos vindos da China entre janeiro e junho de 2020, em comparação com o mesmo período de 2019. No entanto, a diminuição foi de 6,9% no valor total das importações, e não de 78%, como dito nas postagens. 

No consolidado do ano, de 2019 para 2020, as importações de produtos chineses pelo Brasil caíram 3,4% (indo de mais de US$ 36 bilhões para cerca de US$ 34 bilhões), em um contexto de queda geral de importações de bens e serviços pelo Brasil de 14,6% em 2020 com relação a 2019 em meio à pandemia do novo coronavírus, segundo os dados da plataforma Comex Stat

Em relação a 2021, dados preliminares do Ministério da Economia, atualizados em 1º de julho de 2021 para a balança comercial mensal, indicam que, no período de janeiro a junho de 2021 as importações da China aumentaram 25,5%, se comparadas ao mesmo período do ano anterior. 



Desde 2009 a China é o principal destino das exportações brasileiras e, desde 2012, é o país de quem o Brasil mais importa bens e serviços, segundo dados da plataforma Comex Stat, do Ministério da Economia. “No período de janeiro/junho 2021, em relação a igual período do ano anterior, as vendas para China, Hong Kong e Macau cresceram 37,8% e atingiram US$ 48,41 bilhões. As importações cresceram 25,5% e totalizaram US$ 21,81 bilhões”, informa o ministério. 

Segundo o indicador mensal de Comércio Exterior (Icomex), do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) de janeiro de 2021, no ano de 2020 a China aumentou a sua participação tanto nas exportações quanto nas importações da balança comercial brasileira.

“Sua participação na pauta de exportações supera a soma dos percentuais dos Estados Unidos e da União Europeia. No caso das importações, é superior à dos Estados Unidos e à da União Europeia. A Ásia respondeu, em 2020, por 47,2% das exportações brasileiras e 33,4% das importações”, aponta o documento.

Boicote à China?

Procurada pela equipe de checagem da AFP, a Secretaria Especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais (Secint) do Ministério da Economia afirmou desconhecer uma instituição chamada “INCINT” que atue em comércio exterior.



“Informamos, também, que não foi notado nenhum movimento isolado ou discrepante no comércio bilateral com a China que destoe da mesma conjuntura que afeta o fluxo de comércio com os demais países. Da mesma forma, desconhecemos qualquer movimento de boicote dos importadores ou consumidores aos produtos originários da China”, disse a Secretaria. 

“Pela Comex Vis, é possível verificar rapidamente os principais indicadores, volumes, produtos e variações dos fluxos bilaterais de importação e exportação com a China. Nota-se que em nenhum período foi verificada queda dessa magnitude (-78%). Vale destacar que todas as comparações de variação são feitas em relação ao mesmo mês/período do ano anterior, isolando e controlando questões sazonais que podem impactar a variação de um mês contra o mês anterior”, acrescentou a pasta.

Apesar das intensas relações comerciais, integrantes do governo do presidente, Jair Bolsonaro, já fizeram declarações criticando o governo chinês. 

Em abril de 2020, por exemplo, o então ministro da Educação, Abraham Weintraub, publicou textos em suas redes sociais, que foram posteriormente apagados, em que insinuava que a China poderia se beneficiar da crise mundial causada pelo novo coronavírus para dominar o mundo. Em março de 2020, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, também falou em “ditadura” da China em uma postagem nas redes sociais



As declarações ocorreram em um cenário de maior alinhamento externo do Brasil ao governo do então presidente norte-americano Donald Trump e em meio à disputa comercial entre Estados Unidos e China, que tem como um dos focos a chegada do 5G no Brasil.

Ambas potências têm interesse em participar do leilão para a oferta da tecnologia no país. Em maio de 2019, Donald Trump chegou a proibir que empresas norte-americanas vendessem componentes à multinacional chinesa Huawei, que oferece o 5G, nos Estados Unidos. O atual mandatário dos Estados Unidos, Joe Biden, manteve restrições a investimentos norte-americanos direcionados à Huawei.

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