Publicações compartilhadas desde o último 15 de julho afirmam que um estudo do Instituto Pasteur da França aponta a eficácia da ivermectina para tratar a covid-19.
No entanto, elas omitem que essa pesquisa foi feita com um modelo animal e que, portanto, seus resultados ainda precisam ser avaliados em ensaios clínicos em humanos.
“IVERMECTINA AJUDA NO TRATAMENTO E PODERIA TER SALVO MILHARES DE VIDAS, APONTA VARIOS ESTUDOS EM TODO O MUNDO”, diz uma das publicações compartilhadas no Twitter, no Facebook (1, 2) e em um site.
O Instituto Pasteur da França divulgou, em 12 de julho passado, uma nota à imprensa sobre os resultados do seu estudo, publicado naquele mesmo dia na revista EMBO Molecular Medicine, com o objetivo de testar a ivermectina - um medicamento originalmente administrado para doenças parasitárias - como tratamento para a covid-19. Segundo o instituto, esse trabalho “abre caminho para eixos de desenvolvimento de melhores tratamentos contra covid-19 em humanos”.
Mas, apesar da perspectiva promissora, as publicações nas redes sociais omitem que os resultados mostrados no estudo derivam de testes em animais, mais especificamente em hamsters. Não há no trabalho nenhuma menção a testes realizados em seres humanos.
O comunicado do Instituto Pasteur deixa isso claro ao informar que “os autores do estudo mostraram que tomar esse medicamento em doses padrão reduziu os sintomas e a gravidade da infecção por SARS-CoV-2 em um modelo animal”.
Já no resumo do artigo científico, os pesquisadores afirmam que os resultados foram obtidos em animais: “Mostramos que as doses padrão de ivermectina (IVM), uma droga antiparasitária com potencial atividade imunomoduladora através da via anti-inflamatória colinérgica, previnem a deterioração clínica, reduzem o déficit olfatório e limitam a inflamação das vias respiratórias superiores e inferiores em hamsters infectados com SARS-CoV-2”.
A referência aos hamsters reaparece ao longo de todo o texto, incluindo a conclusão, quando os autores escrevem que “os resultados demonstram que a IVM melhora o resultado clínico em animais infectados com SARS-CoV-2”.
À equipe do AFP Checamos, o Instituto Pasteur da França ressaltou que a pesquisa viralizada se trata de “um estudo pré-clínico”, em geral realizado para descobrir ou confirmar os efeitos farmacológicos de um medicamento ainda em experimentação.
Julival Ribeiro, membro da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), explicou à AFP que “todo estudo sobre qualquer droga tem fases pré-clínica e clínica até que fique comprovado por meio de estudos clínicos randomizados, duplo-cego, que esse medicamento combate determinada doença”.
“A Sociedade Americana de Infectologia e outras sociedades do mundo afirmam que a ivermectina só poderá ser usada quando [sua eficácia] for [comprovada] em estudos clínicos. Até agora não está demonstrada a eficácia da ivermectina para tratar covid-19 em seres humanos”, acrescentou Ribeiro.
Ribeiro alertou ainda que, “após testar uma droga em animais, jamais se pode extrapolar o resultado para seres humanos”.
Em 6 de julho de 2021, o Open Forum Infectious Diseases publicou uma metanálise com 24 ensaios clínicos randomizados, nos quais a ivermectina foi testada em pacientes com covid-19. Essa metanálise identificou uma redução de 56% na mortalidade de quem recebeu esse tratamento, além de uma recuperação clínica mais rápida. Entretanto, os próprios autores ressaltaram na análise que essa constatação ainda “precisa ser validada em estudos confirmatórios maiores”.
A suposta eficácia da ivermectina na prevenção e no tratamento da covid-19 começou a ser debatida desde que um estudo australiano publicado em abril de 2020 observou a eficácia in vitro (laboratório) da ivermectina contra o vírus SARS-CoV-2.
Até o momento, a Organização Mundial da Saúde (OMS) desaconselha seu uso, uma vez que faltam dados conclusivos. Tanto nos Estados Unidos e na Europa quanto no Brasil, o medicamento é aprovado apenas como antiparasitário.
O AFP Checamos já verificou outras alegações relacionadas à suposta eficácia da ivermectina contra a covid-19 (1, 2, 3, 4).
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