Em meados de julho ganharam força nas redes sociais publicações sugerindo que “a real eficácia” da vacina CoronaVac está sendo questionada já que países como Chile e Uruguai estão vivendo “surtos” de covid-19. Mas isso é enganoso. Dados oficiais e especialistas consultados pela AFP apontam para a redução de óbitos e casos em ambos os países.
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“Cada vez mais gente questiona a real eficácia da vacina chinesa, até porque observa o que aconteceu em outros países, como Chile e Uruguai. A alta taxa de vacinação não poupou as nações de surtos na segunda onda da pandemia”, indica uma das postagens compartilhadas no Twitter.
Conteúdo semelhante também circulou no Facebook e no Instagram.
Como a vacina CoronaVac foi desenvolvida pela farmacêutica Sinovac, os termos "CoronaVac" e "Sinovac" referem-se ao mesmo imunizante.
A CoronaVac no Uruguai
O presidente uruguaio, Luis Lacalle Pou, anunciou em 22 de janeiro de 2021 em sua conta no Twitter que o governo fechou um acordo com a Pfizer e a Sinovac para a obtenção de imunizantes contra a covid-19.Oficialmente, a vacinação no país começou em 1º de março de 2021. Em 27 de fevereiro, contudo, o Ministério da Saúde uruguaio anunciou que o processo de imunização contra a covid-19 estava começando, “sendo os primeiros a receber a vacina Sinovac os que integram as equipes de vacinação”.
Uma consulta ao site oficial do governo em 20 de julho de 2021 mostra que até este momento três vacinas estão disponíveis para aplicação no Uruguai: CoronaVac, AstraZeneca e Pfizer/BioNtech.
De acordo com o monitor de dados de vacinação contra a covid-19 do Ministério de Saúde Pública, mais de dois milhões de pessoas estão completamente vacinadas, o que significa 58,99% da população. No dia 20 de julho, o Uruguai superou o patamar de 70% da população vacinada com ao menos uma dose.
Uma consulta ao site do projeto Our World in Data, da Universidade de Oxford, mostra que até 19 de julho mais de 3,1 milhões de doses da Sinovac haviam sido administradas, tornando-a o imunizante mais aplicado no país.
O último estudo disponível sobre a vacinação no Uruguai, divulgado no último 3 de julho pelo Ministério da Saúde, detalha dados sobre a redução de casos, mortes e internações em UTIs relativos a cada vacina 14 dias após a sua aplicação.
No caso da Sinovac, citada nas postagens viralizadas, houve uma diminuição na mortalidade de 94,65% na população geral, enquanto a redução de internação em UTIs foi de 90,87%. A diminuição no número de casos, por sua vez, foi de 59,93%.
O número de mortes no Uruguai de fato começou a diminuir quando uma maior parcela da população foi vacinada. Ao longo de várias semanas de abril e maio o país esteve no topo do ranking de óbitos, com o maior número de mortes diárias em relação à sua população, atingindo 79 óbitos por 100 mil habitantes em meados de abril.
O cientista de dados e coordenador da Rede Análise Covid-19 Isaac Schrarstzhaupt explicou ao AFP Checamos para uma verificação anterior o motivo pelo qual o Uruguai enfrentou uma alta no número de óbitos, apesar da campanha de vacinação desde o início de março: “A mobilidade no Uruguai aumentou bastante de janeiro de 2021 em diante. E o aumento da mobilidade significa mais pessoas ativas em possível contato com pessoas suscetíveis. (...) Enquanto o Uruguai aumentava a vacinação, colhia os óbitos do período anterior”.
A doutora em imunologia María Moreno, do Departamento de Desenvolvimento Biotecnológico da Universidade da República do Uruguai, indicou à AFP em abril de 2021 que, “como primeiro efeito da vacinação, observou-se uma queda drástica na admissão de pessoas totalmente vacinadas nas UTIs. E isso agora está se refletindo em uma queda no número de mortes”.
Ao AFP Checamos em meados de julho, Moreno assinalou que o impacto da vacinação na diminuição do número de mortes só pode ser observado quando a imunidade completa contra o vírus é adquirida, ou seja, em até duas semanas após a segunda dose da vacina. “No Uruguai os grupos de maior risco (maiores de 80 anos) começaram a se vacinar no final de março, portanto, o impacto sobre essa população que ingressa na UTI só pôde ser observado a partir de meados de maio”.
Já o grupo com idade entre 70 e 80 anos, que começou a ser imunizado em meados de abril, apenas na metade de junho estava completamente imunizado. Afirmou:
embora estejamos experimentando uma queda de internações em UTI desde meados de junho, só agora estamos vendo uma queda significativa nas mortes
Além disso, o governo uruguaio não implementou medidas de restrição e isolamento desde o início da pandemia e “há alguns meses vem possibilitando atividades, apesar da situação epidemiológica. Por esse motivo, a queda de casos não pode ser explicada de outra forma que não seja a vacinação. E as poucas admissões em UTI de pessoas totalmente imunizadas é a evidência”, finalizou María Moreno.
Até 20 de julho, segundo o Our World in Data e dados oficiais, o Uruguai acumula mais de 379 mil casos de covid-19 e quase seis mil óbitos em decorrência da doença.
A CoronaVac no Chile
Em 24 de dezembro de 2020, o Chile iniciou sua campanha de vacinação com imunizantes da fabricante Pfizer BioNTech. O processo de vacinação em massa da população chilena, porém, só teve início em 3 de fevereiro, com o uso da CoronaVac.
De dezembro de 2020 até o início de junho de 2021, os dados oficiais do governo chileno mostram um aumento de casos de covid-19.
O número de novos casos, contudo, começou a cair a partir de 11 de junho deste ano. Nesta data, o país registrava 47,2% da população completamente imunizada contra a covid-19 e 61% da população havia recebido ao menos uma dose da vacina, segundo a plataforma Our World in Data.
De acordo com os dados oficiais do Chile, até 20 de julho, 77,4% da população estava completamente vacinada e 85,7% recebeu ao menos uma dose. Até julho de 2021, o governo chileno aprovou, além da CoronaVac, o uso das vacinas Pfizer/BioNTech, AstraZeneca, CanSino e Janssen. Segundo o Our World in Data e segundo dados oficiais, a vacina mais utilizada no país até o momento segue sendo a CoronaVac, da fabricante Sinovac.
Em junho de 2021, o cientista de dados Schrarstzhaupt afirmou nas redes sociais que havia uma correlação entre o aumento de casos no Chile de dezembro de 2020 a junho de 2021 e a mobilidade da população no país.
“Vemos um aumento enorme [da mobilidade] de outubro de 2020 até janeiro de 2021, o que se correlaciona com o aumento forte de casos de janeiro, quando ainda praticamente não existia vacinação [no país]. (...) Além disso, o aumento de mobilidade mais forte no Chile veio ANTES da vacina (de outubro/20 a janeiro/21), deixando o vírus proliferar”, escreveu o cientista em sua conta no Twitter, na qual incluiu um gráfico de mobilidade da população chilena gerado pelo Google.
Segundo Vivian Luchsinger Farias, professora da Faculdade de Medicina da Universidade do Chile, em julho de 2021 há uma diminuição significativa de casos no Chile. “Em 2021, houve maior número de infectados por dia do que em 2020, alcançando números recordes. A maioria [destes] eram pessoas não vacinadas. Pelo alto número de infectados, houve um grande número de doentes graves e os leitos hospitalares e de UTI ficaram ocupados em sua quase totalidade”, disse a infectologista à AFP.
“O alto número de infectados se deve a vários fatores: alta mobilidade de grupos que ainda não se vacinaram, relaxamento das medidas sanitárias como distanciamento físico e também ao fato de que as vacinas não evitam a infecção em todos os vacinados e isso é menos efetivo com a vacina mais utilizada [no Chile], a Sinovac”, continuou Luchsinger. A infectologista destacou à AFP, no entanto, que as vacinas demonstraram eficácia em prevenir casos graves e mortes.
A eficácia da CoronaVac no Chile tem sido observada na redução atual de casos e mortes por covid-19, segundo o Ministério da Saúde chileno. Em 26 de junho de 2021, o Dr. Rafael Araos, assessor do Ministério da Saúde do país, afirmou que “à medida em que se foi avançando na cobertura do programa de vacinação, vimos uma mudança notável nas pessoas que adoeciam por covid-19. Atualmente, boa parte das pessoas que se infectam são jovens não imunizados”.
Em 19 de julho de 2021, o ministro da Saúde chileno, Enrique Paris, indicou que os novos casos de covid-19 caíram 34% com relação aos últimos sete dias e 44% com relação aos últimos 14 dias. O nível de ocupação de UTIs no Chile está em 87%, sendo que os pacientes de covid-19 representam 56% desta cifra.
Segundo a informação do ministro, a taxa de internação em UTIs diminuiu 65% na média móvel de sete dias, e a média de mortes caiu 18% no mesmo período.
Além disso, Paris afirmou que a média nacional de exames do tipo PCR positivos no Chile estava em 2,91% em 19 de julho de 2021. Em junho de 2020, essa taxa de testes positivos chegou a 40% no país, como se pode conferir na página 15.
De acordo com o estudo que analisou a eficácia da CoronaVac no país 14 dias após a aplicação da segunda dose, divulgado pelo Ministério da Saúde do Chile em 16 de abril de 2021 e publicado em julho pela revista científica The New England Journal of Medicine (NEJM), a vacina teve 65,9% de eficácia para prevenir casos sintomáticos de covid-19, 87,5% para prevenir hospitalização, 90,3% de efetividade para prevenir internações em UTIs e 86,3% de efetividade para prevenir mortes por covid-19.
Atualmente, a Pontifícia Universidade Católica do Chile conduz um estudo clínico a respeito da CoronaVac no país. O “Estudio Clínico CoronaVac03CL” envolveu dois mil voluntários que receberam as duas doses da vacina separadas por 14 ou 28 dias e, segundo resultados divulgados em 15 de julho, a maioria dos vacinados ainda possuía uma resposta imunológica detectável após seis meses da primeira dose.
O imunizante foi capaz de prevenir casos mais graves e que requerem atenção médica em 97%. “Foram observados pouquíssimos casos de covid-19 no estudo, em uma porcentagem menor do que 3%, sugerindo que a proteção da vacina está se tornando evidente”, disse Alexis Kalergis na publicação do estudo, que lidera a equipe de pesquisa.
Frente às novas variantes, a Universidade Católica afirma que “os anticorpos [presentes após a segunda dose] retiveram capacidade neutralizante parcial para variantes de preocupação do coronavírus, especialmente de las variantes alpha, gamma, beta y B.1.617 (similar a Delta)”. Para variante equivalente à Delta, ensaios in vitro mostraram que a capacidade de neutralização da CoronaVac seria reduzida ao menos quatro vezes em comparação à cepa original do coronavírus.
Segundo os pesquisadores, uma dose a mais seria necessária para fortalecer a imunidade, frente à natural diminuição dos anticorpos após a vacinação e à aparição de novas variantes.
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