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Estado de Minas CHECAMOS

O nome AstraZeneca foi formado após uma fusão, e essa tradução do latim é incompleta e incorreta

Tradução compartilhada em redes sociais sugere que nome da farmacêutica significa "ou seja, estrelas de matar", mas é errônea


21/07/2021 20:59 - atualizado 26/07/2021 08:17

Uma tradução do nome da farmacêutica sueco-britânica AstraZeneca chamou a atenção de milhares de usuários nas redes sociais desde o último mês de março, já que, segundo eles, significa “ou seja, estrelas de matar” em latim.

No entanto, essa forma de traduzir AstraZeneca é incorreta, alertam especialistas. A própria empresa explicou a origem de seu nome em 2019: “Astra” vem do grego “astron” e significa estrela, e Zeneca se refere ao Grupo Zeneca, que buscou uma palavra que não significasse nada específico em outros idiomas.
No Facebook (1, 2, 3), Twitter e Instagram, usuários duvidam que a suposta tradução seja uma “coincidência”. “Por isso que a maioria das pessoas na Alemanha não queria aceitar essa vacinação”, diz uma das publicações, que somam mais de 6.500 interações ao menos desde 8 de março de 2021.

O suposto significado do nome da empresa também circulou em espanhol, inglês e alemão, frequentemente acompanhado de uma captura de tela do Google Tradutor.

Vários países europeus suspenderam no último mês de março a vacinação contra a covid-19 com o imunizante do laboratório AstraZeneca devido a seus possíveis efeitos colaterais, até que a Agência Europeia de Medicamentos (EMA, por suas siglas em inglês) considerou que a vacina era “segura e eficaz”. No entanto, a campanha de vacinação contra o coronavírus na Europa ainda gera incerteza e desconfiança entre alguns cidadãos.

Com isso, o uso da vacina da AstraZeneca foi limitado a faixas etárias em muitos países. A Dinamarca foi além e abriu mão desse imunizante de maneira definitiva. A Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), por sua vez, recomenda que as doses da AstraZeneca continuem a ser aplicadas.

Uma tradução incorreta


O AFP Checamos inseriu as palavras “Astra + Zeneca” no serviço de tradução do Google, como fizeram os usuários das redes sociais.

No entanto, as duas palavras que compõem o nome da farmacêutica não dão o resultado mencionado nas publicações viralizadas, a menos que sejam inseridos separadamente os termos “ze” e “neca”. Então, o tradutor realmente mostra a expressão “ou seja, estrelas de matar”.

Para “astra + zeneca” a tradução encontrada é “Estrelas Zeneca”. No entanto, ao inserir apenas o termo “ze” o tradutor do latim para o português devolve como resultado a mesma sílaba, e não um advérbio ou uma conjunção adverbial.
Captura de tela feita em 21 de julho de 2021 de uma publicação no Instagram
Captura de tela feita em 21 de julho de 2021 de uma publicação no Instagram

O presidente da Associação Alemã de Filologia Clássica, Hartmut Loos, disse à AFP que a tradução “não é correta. Não há ‘ze’ em latim”.

José Rodrigues Seabra, doutor em Letras Clássicas e professor de Língua Latina da Universidade de São Paulo (USP), reiterou a informação. “Astra significa ‘astros’ e ‘estrelas’; ze não sei o que é, mas não é latim; neca é forma imperativa de segunda pessoa do singular do verbo necare (matar) e se traduz ‘mata (tu)’”, detalhou.

Consultado pela AFP sobre qual seria a maneira correta de escrever “ou seja, estrelas de matar” em latim, Rodrigues Seabra respondeu com uma frase bem diferente: “id est astra quae necant”.

Em seu canal no YouTube, o Google explica como funciona seu tradutor e porque podem haver lacunas no sistema: “Para alguns idiomas, nós temos menos documentos traduzidos disponíveis e, por isso, menos padrões detectados pelo nosso software. É por isso que a qualidade das nossas traduções varia de acordo com o idioma. Sabemos que nossas traduções não são sempre perfeitas”.

Como detalhado no mesmo vídeo, as traduções da plataforma são feitas de maneira automática com base em padrões repetidos em textos, identificados após a análise de milhões de documentos traduzidos por humanos. Quanto mais vezes é realizado o processo de tradução baseado em padrões estatísticos, mais preciso é o resultado.

“Etimologia-ficção”


“Fica no limbo da etimologia-ficção”, afirmou o professor de Filologia Românica da Universidade de Barcelona José Enrique Gargallo Gil. “Os nomes de marca podem corresponder aos acrônimos mais peculiares”, disse à equipe de checagem da AFP. “O mais simples seria descobrir quem batizou a criatura”, acrescentou.

“Essas supostas origens etimológicas do nome da empresa [...] procuram motivar uma forma cuja origem não remonta a nenhuma unidade com conteúdo léxico”, afirmou à AFP a professora e linguista da Universidade de Navarra Inés Olza.

Para outra pesquisadora, linguista e professora da Universidade de Navarra, Cristina Tabernero, “ninguém pensaria em colocar um nome ‘assassino’ em um laboratório. Outra coisa é que coincida com alguma palavra, em algum idioma, e possa se fazer a brincadeira fácil”.

Tabernero ponderou que se trataria mais de uma “intuição” do que de uma “investigação” sobre a origem da marca AstraZeneca, já que “aparentemente, ele surgiu da fusão dos nomes de dois laboratórios”.

Grécia e três sílabas


Antes da pandemia de covid-19, a companhia explicou a um usuário a origem de seu nome, em publicação no Twitter em 17 de outubro de 2019.

Astra AB was founded in 1913 in Södertälje, Sweden.'Astra' has its roots in the Greek astron, meaning 'a star'.
Zeneca was formed in June 1993 by the demerger of the pharmaceuticals and agrochemicals businesses of Imperial Chemical Industries (ICI) into a separate company.
— AstraZeneca (@AstraZeneca) October 17, 2019

Segundo a empresa, “Astra AB foi fundada em 1913 em Södertälje, na Suécia”, e seu nome vem da palavra do grego clássico “astron”, que significa “estrela”. No final de 1998 a Astra AB anunciou a fusão com o Grupo Zeneca, uma companhia farmacêutica britânica. Ainda de acordo com a farmacêutica, “Zeneca” não tem um significado específico em nenhum idioma, ou não é sua intenção tê-lo.

Em 2001, o ex-diretor-executivo do Grupo Zeneca David Barnes comentou em entrevista ao jornal britânico The Daily Telegraph como surgiu a ideia de dar esse nome à companhia. Barnes contou que contratou uma agência especializada em marcas, a Interbrand, para que criassem um nome.

“Há uma vantagem em estar alfabeticamente na parte alta ou baixa das listas, A ou Z”, disse ao jornal. “Pedi à Interbrand que encontrassem um nome que fosse foneticamente memorável, com não mais do que três sílabas e que não significasse nada estúpido, engraçado ou grosseiro em nenhum outro idioma. Um novo nome, além disso, nos permitiu introduzir uma nova cultura corporativa”, acrescentou.

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