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O vírus B que matou um veterinário na China não é novo e infecção em humanos é rara

O vírus é encontrado principalmente em macacos do gênero Macaca, da família Cercopithecidae


27/07/2021 20:35 - atualizado 27/07/2021 20:35


 

Captura de tela feita em 26 de julho de 2021 de uma publicação no Twitter
Captura de tela feita em 26 de julho de 2021 de uma publicação no Twitter
Publicações compartilhadas dezenas de vezes nas redes sociais desde julho de 2021 afirmam que um “novo vírus” surgiu na China a partir de macacos. As postagens passaram a circular após a notícia da morte de um veterinário de 53 anos, causada pelo chamado “vírus B” ou “herpes B”, que, de fato, tem origem em alguns tipos de macacos e pode ser fatal em humanos. As publicações, no entanto, são enganosas. O vírus B foi detectado pela primeira vez na década de 1930 e, desde então, já foram registradas infecções e mortes nos Estados Unidos. Segundo o Centro para o Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, porém, só há um caso documentado de transmissão entre humanos.


“O mundo nem conseguiu se recuperar do Coronavírus, agora surge na China o vírus do macaco”, diz uma publicação no Facebook. Conteúdo de teor semelhante também foi compartilhado no Twitter e no Instagram.

Entretanto, a afirmação de que o vírus é “novo” e que surgiu recentemente na China é enganosa. Embora este realmente seja o primeiro caso de infeção pelo vírus B na China, o agente infeccioso em questão foi inicialmente isolado em 1932 e já causou infecções e mortes na América do Norte antes de ser detectado no país asiático em 2021, segundo artigo publicado na plataforma China CDC Weekly (CCDC Weekly), do Centro Chinês para Controle e Prevenção de Doenças (CCDC, na sigla em inglês).

Atualmente, o nome científico para o vírus registrado no Comitê Internacional de Taxonomia de Vírus (ICTV) é Macacine alphaherpesvirus 1. O vírus é encontrado principalmente em macacos do gênero Macaca, da família Cercopithecidae.

Popularmente conhecido como “vírus do macaco B” ou ainda como “herpes B”, o microorganismo pode levar a graves danos cerebrais e à morte em humanos infectados. Apesar de esses casos serem raros, a taxa de mortalidade de uma infecção pelo vírus B varia entre 70% e 80%, segundo o documento publicado pelo CCDC chinês.

De acordo com o CDC dos Estados Unidos, a infecção em humanos geralmente ocorre quando uma pessoa é mordida ou arranhada por um macaco infectado, ou quando ela entra em contato com os olhos, o nariz ou a boca do animal. Apenas há um caso de transmissão entre humanos registrado, segundo o órgão norte-americano.

Os primeiros sintomas de contágio incluem febre e calafrios, dor muscular, fadiga e dor de cabeça. Náuseas e vômitos, dores abdominais e falta de ar também podem ser sinais de infecção. Com a progressão da doença, o sistema nervoso pode ser afetado, levando a danos cerebrais.

Casos anteriores

O CDC norte-americano relata que, desde que o vírus B foi identificado, em 1932, foram registrados cerca de 50 casos de infecções em pessoas, dos quais 21 resultaram em morte. Dessa forma, a doença é considerada rara em humanos. O grupo de risco para a enfermidade é composto, sobretudo, por veterinários e pesquisadores de laboratório que podem ser expostos aos macacos do gênero Macaca, da família Cercopithecidae.

Segundo artigo publicado em 2003 por dois pesquisadores da Universidade da Califórnia, o primeiro caso documentado da doença causada pelo vírus B ocorreu em 1932, quando um paciente, identificado como Dr. W.B., de 29 anos, foi mordido na mão por um macaco rhesus. Três dias depois, o médico começou a notar sintomas locais na mão que havia sido mordida, como vermelhidão, inchaço e dor. Seis dias depois, ele foi admitido no Hospital Bellevue, em Nova York, e faleceu.

Em 1989, dois outros casos de infecção pelo vírus B foram reportados em Michigan, nos Estados Unidos Em dezembro de 1997, outra morte pelo vírus foi registrada nos Estados Unidos. A vítima era uma mulher de 22 anos que faleceu após o material biológico (possivelmente fecal) de um macaco rhesus entrar em contato com seus olhos.

Segundo Alcides Pissinatti, médico-veterinário e atual chefe do Centro de Primatologia do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) no Rio de Janeiro, o vírus B só existe em macacos da África e do Sudeste Asiático. “Na África, os mais suscetíveis [ao vírus da herpes B] são os babuínos e chimpanzés. E na Ásia, você tem os macacos do gênero Macaca. Ele não existe na fauna brasileira. É um vírus próprio de animais que ficam em centros de pesquisa e em animais de zoológico. Nunca houve caso [registrado] de contaminação no Brasil”, disse o médico à AFP.

“Nos Estados Unidos, existem muitos casos reportados porque eles têm um trabalho grande [com primatas]. Na década de 50 e 60, eles fizeram a importação de muitos macacos rhesus da Índia e do Paquistão para os programas de produção de vacinas e fármacos nos Estados Unidos. (...) E, na China, também existe o macaco rhesus na fauna nativa deles e eles também importam muitos animais para pesquisas que são feitas lá”, acrescentou Pissinatti.

Próxima pandemia?

Para o médico-veterinário, também é incorreta a comparação entre o vírus B e o coronavírus, já que o vírus da herpes B não teria potencial para causar uma nova pandemia. “De jeito nenhum. Ele não tem essa capacidade. Nem todos os vírus têm grande capacidade de dispersão. No caso do vírus B, é necessário um contato direto [com primatas infectados], o que dificulta a transmissão”, afirmou.

As publicações a respeito do vírus B circulam no Brasil no contexto da pandemia de covid-19, cujos primeiros casos foram reportados na cidade chinesa de Wuhan ao final de 2019, de acordo com a OMS.

Desde então, críticas à China foram intensificadas ou endossadas por alguns líderes mundiais. Em setembro de 2020, por exemplo, durante a Assembleia Nacional das Nações Unidas, o ex-presidente norte-americano Donald Trump acusou Pequim de permitir que o coronavírus deixasse a China e infectasse o mundo e afirmou que a ONU deveria responsabilizar o país asiático pela pandemia.

Integrantes do governo do presidente brasileiro Jair Bolsonaro, alinhado à postura de Trump, também fizeram declarações críticas à China. Em abril de 2020, o então ministro da Educação, Abraham Weintraub, publicou textos em suas redes sociais, que foram posteriormente apagados, em que insinuava que a China poderia se beneficiar da crise mundial causada pelo novo coronavírus para dominar o mundo.

 

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