Publicações compartilhadas dezenas de vezes nas redes sociais desde julho de 2021 afirmam que um “novo vírus” surgiu na China a partir de macacos. As postagens passaram a circular após a notícia da morte de um veterinário de 53 anos, causada pelo chamado “vírus B” ou “herpes B”, que, de fato, tem origem em alguns tipos de macacos e pode ser fatal em humanos. As publicações, no entanto, são enganosas. O vírus B foi detectado pela primeira vez na década de 1930 e, desde então, já foram registradas infecções e mortes nos Estados Unidos. Segundo o Centro para o Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, porém, só há um caso documentado de transmissão entre humanos.
“O mundo nem conseguiu se recuperar do Coronavírus, agora surge na China o vírus do macaco”, diz uma publicação no Facebook. Conteúdo de teor semelhante também foi compartilhado no Twitter e no Instagram.
Entretanto, a afirmação de que o vírus é “novo” e que surgiu recentemente na China é enganosa. Embora este realmente seja o primeiro caso de infeção pelo vírus B na China, o agente infeccioso em questão foi inicialmente isolado em 1932 e já causou infecções e mortes na América do Norte antes de ser detectado no país asiático em 2021, segundo artigo publicado na plataforma China CDC Weekly (CCDC Weekly), do Centro Chinês para Controle e Prevenção de Doenças (CCDC, na sigla em inglês).
Atualmente, o nome científico para o vírus registrado no Comitê Internacional de Taxonomia de Vírus (ICTV) é Macacine alphaherpesvirus 1. O vírus é encontrado principalmente em macacos do gênero Macaca, da família Cercopithecidae.
Popularmente conhecido como “vírus do macaco B” ou ainda como “herpes B”, o microorganismo pode levar a graves danos cerebrais e à morte em humanos infectados. Apesar de esses casos serem raros, a taxa de mortalidade de uma infecção pelo vírus B varia entre 70% e 80%, segundo o documento publicado pelo CCDC chinês.
De acordo com o CDC dos Estados Unidos, a infecção em humanos geralmente ocorre quando uma pessoa é mordida ou arranhada por um macaco infectado, ou quando ela entra em contato com os olhos, o nariz ou a boca do animal. Apenas há um caso de transmissão entre humanos registrado, segundo o órgão norte-americano.
Os primeiros sintomas de contágio incluem febre e calafrios, dor muscular, fadiga e dor de cabeça. Náuseas e vômitos, dores abdominais e falta de ar também podem ser sinais de infecção. Com a progressão da doença, o sistema nervoso pode ser afetado, levando a danos cerebrais.
Casos anteriores
O CDC norte-americano relata que, desde que o vírus B foi identificado, em 1932, foram registrados cerca de 50 casos de infecções em pessoas, dos quais 21 resultaram em morte. Dessa forma, a doença é considerada rara em humanos. O grupo de risco para a enfermidade é composto, sobretudo, por veterinários e pesquisadores de laboratório que podem ser expostos aos macacos do gênero Macaca, da família Cercopithecidae.Segundo artigo publicado em 2003 por dois pesquisadores da Universidade da Califórnia, o primeiro caso documentado da doença causada pelo vírus B ocorreu em 1932, quando um paciente, identificado como Dr. W.B., de 29 anos, foi mordido na mão por um macaco rhesus. Três dias depois, o médico começou a notar sintomas locais na mão que havia sido mordida, como vermelhidão, inchaço e dor. Seis dias depois, ele foi admitido no Hospital Bellevue, em Nova York, e faleceu.
Em 1989, dois outros casos de infecção pelo vírus B foram reportados em Michigan, nos Estados Unidos Em dezembro de 1997, outra morte pelo vírus foi registrada nos Estados Unidos. A vítima era uma mulher de 22 anos que faleceu após o material biológico (possivelmente fecal) de um macaco rhesus entrar em contato com seus olhos.
Segundo Alcides Pissinatti, médico-veterinário e atual chefe do Centro de Primatologia do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) no Rio de Janeiro, o vírus B só existe em macacos da África e do Sudeste Asiático. “Na África, os mais suscetíveis [ao vírus da herpes B] são os babuínos e chimpanzés. E na Ásia, você tem os macacos do gênero Macaca. Ele não existe na fauna brasileira. É um vírus próprio de animais que ficam em centros de pesquisa e em animais de zoológico. Nunca houve caso [registrado] de contaminação no Brasil”, disse o médico à AFP.
“Nos Estados Unidos, existem muitos casos reportados porque eles têm um trabalho grande [com primatas]. Na década de 50 e 60, eles fizeram a importação de muitos macacos rhesus da Índia e do Paquistão para os programas de produção de vacinas e fármacos nos Estados Unidos. (...) E, na China, também existe o macaco rhesus na fauna nativa deles e eles também importam muitos animais para pesquisas que são feitas lá”, acrescentou Pissinatti.
Próxima pandemia?
Para o médico-veterinário, também é incorreta a comparação entre o vírus B e o coronavírus, já que o vírus da herpes B não teria potencial para causar uma nova pandemia. “De jeito nenhum. Ele não tem essa capacidade. Nem todos os vírus têm grande capacidade de dispersão. No caso do vírus B, é necessário um contato direto [com primatas infectados], o que dificulta a transmissão”, afirmou.
As publicações a respeito do vírus B circulam no Brasil no contexto da pandemia de covid-19, cujos primeiros casos foram reportados na cidade chinesa de Wuhan ao final de 2019, de acordo com a OMS.
Desde então, críticas à China foram intensificadas ou endossadas por alguns líderes mundiais. Em setembro de 2020, por exemplo, durante a Assembleia Nacional das Nações Unidas, o ex-presidente norte-americano Donald Trump acusou Pequim de permitir que o coronavírus “deixasse a China e infectasse o mundo” e afirmou que a ONU deveria responsabilizar o país asiático pela pandemia.
Integrantes do governo do presidente brasileiro Jair Bolsonaro, alinhado à postura de Trump, também fizeram declarações críticas à China. Em abril de 2020, o então ministro da Educação, Abraham Weintraub, publicou textos em suas redes sociais, que foram posteriormente apagados, em que insinuava que a China poderia se beneficiar da crise mundial causada pelo novo coronavírus para “dominar o mundo”.
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