Várias fotos de um "cemitério" de carros elétricos em Paris foram compartilhadas mais de 780 vezes nas redes sociais desde pelo menos o último 19 de maio, com afirmações de que suas baterias, com defeito, contaminam o solo. No entanto, as autoridades francesas e a empresa proprietária dos veículos disseram à AFP que as baterias foram removidas. A empresa garantiu, ainda, que essas baterias não vazam.
“Este é um cemitério perto de Paris, França, com centenas de carros elétricos. (...) Todos eles têm o mesmo problema ... as células de armazenamento da bateria falharam e precisam ser substituídas. Por que eles não são substituídos (...)? Bem, duas razões. Em primeiro lugar, as células de armazenamento de bateria custam quase o dobro do custo do novo veículo e, em segundo lugar, nenhum aterro ou desmontagem permitirá o descarte de baterias lá. Portanto, esses carros elétricos verdes de contos de fadas ficam todos em lugares livres, enquanto suas baterias drenam toxinas para o solo”, diz o texto de uma das publicações compartilhadas no Facebook (1, 2, 3).
Conteúdos semelhantes circularam em espanhol, inglês e alemão.
As fotos
Uma busca reversa no Google da fotografia dos carros vistos pela parte traseira levou a um artigo em espanhol, de 20 de maio, intitulado: "O cemitério sombrio de carros elétricos que iriam transformar a mobilidade em Paris e falharam".
O texto menciona que os veículos pertencem a um serviço compartilhado de aluguel de carros elétricos da empresa francesa Bolloré denominado Autolib, que operou entre 2011 e 2018 na capital francesa e nas cidades de Lyon e Bordeaux.
Uma pesquisa no Google pelas palavras-chave “bollore estacionado” em inglês resultou em um artigo da L'argus, um site francês especializado em automóveis, intitulado “Autolib. Um cemitério ao ar livre de Bolloré Bluecar”.
A matéria mostra uma galeria de imagens, incluindo as duas fotos compartilhadas nas redes sociais, creditadas a Vega Gex. Uma página do Facebook com este nome e que divulga informações sobre carros elétricos compartilhou as imagens dos veículos estacionados em 5 de março de 2021, localizando-os na comuna de Romorantin-Lanthenay, no centro da França, a cerca de 200 quilômetros de Paris. A AFP não localizou nenhum registro anterior.
O cemitério
Fabricio Protti, vice-diretor geral da Bolloré, disse à AFP que os carros foram retirados da capital francesa em junho de 2018, depois que as negociações entre o governo de Paris e Bolloré estagnaram.
O sistema de compartilhamento de carros tornou-se improdutivo e os 4.000 carros modelo “Bluecar” que compunham a frota saíram de circulação. Protti informou que a Bolloré está processando a prefeitura da capital francesa pela forma como lidou com o contrato.
Protti afirmou que esse é o único motivo pelo qual os veículos foram parar em um terreno. Ele acrescentou que muitos desses carros foram vendidos por meio de uma corretora para uso individual, enquanto os que aparecem nas imagens compartilhadas nas redes sociais foram vendidos como peças de reposição.
"Nenhum desses carros foi parar lá por um problema generalizado de tecnologia", disse Protti à AFP.
Centenas desses Bluecar já foram enviados a três estacionamentos em uma área industrial do departamento de Loir-et-Cher, conforme relatado pela mídia local. Esses locais ficam na periferia do município de Romorantin-Lanthenay.
1. Estacionamento no gramado
Esse é o terreno que se vê nas fotos compartilhadas nas redes sociais. Durante uma visita ao local, jornalistas da AFP notaram em março de 2021 que alguns carros estavam com o porta-malas aberto, outros estavam com janelas ou portas quebradas e em alguns casos o interior estava danificado.
Algumas das publicações virais afirmam que as baterias dos carros no terreno "drenam as toxinas do solo". No entanto, a Direção Regional do Ambiente, Urbanismo e Habitação da região Centro-Vale do Loire (Dreal) disse à AFP em maio de 2021: “Este local é uma área gramada onde cerca de 990 veículos são armazenados sem baterias. Para sua informação, o local que aparece nas fotos compartilhadas nas redes sociais é a área verde onde ficam estacionados os veículos sem bateria”.
Isso já havia sido relatado desde 2019 pela Dreal. “É apenas um estacionamento como muitos outros. O risco de contaminação com a retirada das baterias é muito limitado”, explicou, na época, a autoridade do estacionamento.
“As baterias de tração foram devolvidas à BlueSolutions (Bolloré) perto de Quimper [cerca de 500 quilômetros de Paris] para reparo ou reciclagem. A BlueSolutions é uma empresa sujeita a autorização de acordo com a legislação de instalações classificadas", acrescentou um porta-voz da agência ambiental à AFP.
Protti, subgerente geral da Bolloré, acrescentou: “Não há baterias com vazamento. Além disso, nossa tecnologia não contém líquidos, portanto, elas não podem vazar. Ou nossas baterias estão nos carros e funcionando, ou nós as retiramos e armazenamos em outro lugar que é projetado para elas e que seja seguro, enquanto as reciclamos. Como temos outros usos para elas, decidimos com base em uma análise caso a caso. Temos planos de reaproveitar as baterias, mas agora elas estão guardadas e se não pudermos reaproveitá-las, vamos reciclá-las”.
Atualmente, a União Europeia está renovando uma norma sobre resíduos de pilhas e baterias, cujo artigo 12.º afirma que "todas as pilhas e baterias identificáveis recolhidas (...) serão submetidas a tratamento e reciclagem através de sistemas que respeitem, pelo menos, a legislação comunitária, principalmente no que diz respeito à saúde, segurança e gestão de resíduos”.
2. Estacionamento no asfalto
Outro grupo de carros “Bluecar” da Bolloré está dividido em dois estacionamentos asfaltados. Um deles é da empresa Autopuzz, que comprou os veículos para revendê-los.
“Percebemos que poderíamos oferecer um veículo elétrico a um preço acessível, 4.999 euros (...) Começamos a operação há dois anos e logo passaremos à marca simbólica de 2.000 carros vendidos”, disse à AFP Guillaume Ramirez, diretor-executivo da companhia.
Um porta-voz da Dreal disse à AFP em 31 de maio que, em 20 de maio de 2021, havia "333 veículos armazenados neste local (...), 302 deles com baterias".
Neste estacionamento asfaltado existe uma pequena oficina da empresa Atis Production, onde os carros são desmontados. Em julho de 2020, a prefeitura de Loir-et-Cher emitiu um aviso sobre o local, alertando sobre problemas ambientais com sobras de baterias.
A Dreal disse à AFP que no incidente, por exemplo, um veículo foi carregado "sem que a bateria fosse retirada".