Jornal Estado de Minas

CHECAMOS

Mensagens virais sobre os sintomas da variante delta da covid-19 são enganosas

Mensagens que circulam centenas de vezes nas redes sociais pelo menos desde 30 de junho de 2021 atribuem à variante delta da covid-19 novas características, como o fato de não haver “tosse nem febre”, ter “maior taxa de mortalidade” e “não viver na região nasofaríngea”. Contudo, de acordo com especialistas e documentos oficiais consultados pelo AFP Checamos, essas afirmações são imprecisas e enganosas.



“SINTOMAS do novo vírus Covid Delta”, diz o título de publicações compartilhadas no Facebook (1, 2), que continuam: “Não há tosse”, “nem febre”. “É muita dor nas articulações, dor de cabeça, dor no pescoço e na parte superior das costas, fraqueza geral, perda de apetite e pneumonia”. Alegam também que é “mais contagioso e com maior taxa de mortalidade” e que “esta CEPA não vive na região nasofaríngea (NARIZ GARGANTA) !!! Agora afeta, diretamente, os pulmões, o que significa que nas ‘janelas’, os períodos de tempo são mais curtos”.

O texto, difundido também no Twitter, diz ainda que “os testes de esfregaço nasal (Swab), muitas vezes, são negativos para Covid-19!!! E há cada vez mais resultados falsos negativos em testes de nasofaringe (Swab)”. Acrescenta que “isso significa que o vírus se espalha, e se espalha diretamente, para os pulmões, causando estresse respiratório agudo causado pela pneumonia viral. Isso explica porque se tornou mais silencioso e mortal !!!”.

Conteúdo similar circulou em espanhol.

Variante delta


Em agosto, no momento de publicação desta checagem, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece quatro variantes de preocupação do SARS-CoV-2: alfa, beta, gama e delta. Desde sua aparição na Índia em outubro de 2020, a variante delta obrigou autoridades de vários países a endurecerem restrições sanitárias.



De acordo com a atualização epidemiológica mais recente da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), de 8 de agosto de 2021, essa variante foi identificada em ao menos 22 países da América, entre eles o Brasil. Em agosto, o país registra 59,3% de prevalência da delta, de acordo com dados da Rede Genômica da Fiocruz. Segundo a instituição, essa taxa de prevalência relaciona-se aos genomas depositados na plataforma genômica internacional Gisaid, e pode haver seleção de amostras.

Sintomas


As mensagens asseguram que nos novos contágios não há “nem tosse, nem febre”, e sim “muita dor nas articulações, dor de cabeça, dor no pescoço e na parte superior das costas, fraqueza geral, perda de apetite e pneumonia”.

Sobre isso, Evaldo Stanislau, médico infectologista do Hospital das Clínicas de São Paulo, explicou ao AFP Checamos que a variante delta não está em um patamar diferente do SARS-CoV-2 identificado em Wuhan, na China.



Nesse sentido, é possível identificar “desde apresentações clássicas - dor no corpo, mal- estar, febre, tosse, dor de garganta, nariz escorrendo, inapetência, fraqueza - até apresentações como essas que rodam no WhatsApp. O que não se pode fazer é pensar que é delta só porque está com determinada apresentação”, disse.

Mensagens atribuídas a órgãos oficiais


Um dos textos que circula é atribuído à prefeitura de Palestina do Pará, situada no estado de mesmo nome. A Secretaria Municipal de Saúde da cidade informou à AFP que, em julho, divulgou “informações equivocadas a respeito dos sintomas” da variante delta, algo que foi esclarecido posteriormente em nota publicada em 13 de agosto de 2021 e também enviada ao AFP Checamos.

“Recebemos a mensagem em um grupo de trabalho, enviado por uma coordenadora de nível regional. Como todas as informações repassadas anteriormente eram verídicas, acabamos publicando a mensagem. Porém, depois de divulgado surgiram dúvidas a respeito das informações contidas no texto, então fizemos o possível para tirar a mensagem de todas as mídias sociais”, diz o texto.



Um relatório de 23 de junho de 2021 do estudo Zoe Covid Symptom, com informações de mais de quatro milhões de pessoas contaminadas em todo o mundo e realizado pela empresa de saúde Zoe e pelo King’s College de London, estabeleceu que os cinco sintomas mais comuns registrados em pessoas imunizadas com uma e duas doses são diferentes daqueles detectados nas não vacinadas.

Segundo o estudo, os sintomas mais frequentes entre imunizados com o esquema vacinal completo foram: dor de cabeça, coriza, espirros, dor de garganta e perda do olfato. Pessoas que foram vacinadas com uma dose relataram as mesmas condições, excluindo a perda do olfato e adicionando tosse persistente. Já as não vacinadas disseram sentir dor de cabeça, dor de garganta, coriza, febre e tosse. Dessa forma, tanto a tosse quanto a febre continuam presentes no amplo quadro de sintomas do novo coronavírus.

Além disso, um levantamento de infecções pela covid-19 publicado em 28 de julho de 2021 pelo Escritório Nacional de Estatísticas do Reino Unido, que compila informações sobre sintomas, variantes presentes e características de pessoas infectadas, mostrou que, até aquele mês, os sintomas mais comuns no país eram tosse, fadiga e dor de cabeça.



Mortalidade e transmissibilidade


As publicações viralizadas alegam também que a variante delta é “mais contagiosa e com maior taxa de mortalidade”. No entanto, de acordo com Stanislau, “não se sabe se a delta é mais mortal, isso é especulativo. O que sabemos é que a delta se transmite com muita facilidade e, por isso, muita gente fica doente ao mesmo tempo, sobretudo em áreas com pouca vacinação”.

O infectologista explicou que essa alta transmissibilidade gera probabilidade de impacto no sistema sanitário: “Como ela se transmite para muita gente, de repente você tinha zero infectados e no minuto seguinte você pode ter cem. Como é um número grande de pessoas, matematicamente você vai ter maior probabilidade de ter demanda por assistência ao mesmo tempo”.

Sobre isso, Eduardo de Mello, virólogo e assistente do Conselho Diretivo do Instituto de Pesquisas Biológicas Clemente Estable do Uruguai, disse à AFP que ainda “não há confirmação de que as novas variantes do SARS-CoV-2 sejam mais letais”. No entanto, ele esclareceu que tem havido um aumento das infecções em alguns países que, quando combinado com baixas taxas de vacinação, fatores genéticos e elementos sociais e das condições dos sistemas de saúde, podem gerar um aumento de óbitos, mas não porque as novas variantes sejam mais letais.



Vias respiratórias


O texto viral também alega que a variante delta “não vive na região nasofaríngea” e que supostamente se espalha diretamente para os pulmões, o que faria com que resultados de “testes de esfregaço nasal (swab)” fossem muitas vezes “negativos para covid-19”.

Mas, ao contrário do que afirma a peça, “a delta é uma variante que tem uma expressão viral muito importante, a carga viral da delta é alta”, diz Stanislau, que acrescenta que isso “pode facilitar a identificação no exame”. Ele explica também que há chance de um resultado sair negativo erroneamente com qualquer forma do SARS-CoV-2, pois depende do momento da coleta. De acordo com o infectologista, o período ideal para realizá-lo é na primeira semana de sintomas, quando “a probabilidade de isolar o vírus, seja por RT-PCR, seja por teste de antígeno, é muito elevada”.

Stanislau também comentou sobre a variante delta supostamente ter deixado de se alojar na região nasofaríngea, zona onde se coleta a amostra dos testes RT-PCR e de antígenos para buscar sequências genéticas específicas do SARS-CoV-2. O especialista recordou que a porta de entrada do vírus - e da variante delta - “é a via respiratória”: “Entra pelo nariz, pela boca, passa pelo trato respiratório superior e chega aos pulmões. E não é o vírus que causa a lesão pulmonar. A lesão pulmonar é a resposta inflamatória do hospedeiro. O vírus é o gatilho. Então esse texto com essa riqueza de detalhes é absolutamente especulativo”, destacou.



O infectologista afirmou ainda que o teste RT-PCR é feito de modo a detectar alvos do vírus, e que por isso algumas variantes podem não ser identificadas no início. “Mas todos os laboratórios, todos os centros de vigilância, acompanham essas variantes de preocupação – que é onde se encaixa a delta – e os protocolos de PCR hoje já são atualizados para ela”.

Ao longo da crise sanitária, esses testes foram alvo de constante desinformação. Foi difundido, por exemplo, que autoridades sanitárias dos Estados Unidos teriam descartado seu uso, que a coleta de secreção nasal para a detecção da covid-19 poderia danificar a barreira hematoencefálica e que a pandemia seria “uma fraude”, pois testes PCR não detectariam o SARS-CoV-2. Essas e outras afirmações (1, 2) foram verificadas pelo AFP Checamos.

*Esta verificação foi realizada com base em informações científicas e oficiais sobre o novo coronavírus disponíveis na data desta publicação.

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