Jornal Estado de Minas

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Outros países, além de Brasil, Butão e Bangladesh, usam urnas sem voto impresso em escala local


 

Publicações que afirmam que somente Brasil, Butão e Bangladesh usam urnas eletrônicas sem voto impresso foram compartilhadas mais de dez mil vezes nas redes sociais desde junho de 2021. Em nível nacional, urnas eletrônicas sem o registro impresso realmente são usadas em poucos países, para além do Brasil. Mas em menor escala e de modo limitado, o sistema é utilizado em votações na França e nos Estados Unidos, entre outros. Além disso, segundo o TSE, o sistema eleitoral brasileiro possibilita auditorias.





“Como identificar um GADO DO SISTEMA: Ele está nesse momento vibrando e gritando ‘chupa’ aos ‘bolsonaristas’ porque nossas urnas vão permanecer opacas, sem transparência, sem segurança, num modelo rejeitado por TODOS os países desenvolvidos, mas adotados por Butão e Bangladesh”, diz uma publicação no Twitter. O mesmo conteúdo e outros com alegação semelhante circularam no Facebook (1, 2, 3) e no Instagram (1, 2).

As postagens foram publicadas no contexto das críticas feitas pelo presidente Jair Bolsonaro ao sistema eletrônico de votação brasileiro. No último dia 9 de julho, o mandatário chegou a afirmar que as eleições de 2022 - nas quais pretende ser candidato à reeleição - não ocorreriam se não fosse adotado o voto impresso.

Em 10 de agosto, porém, a Câmara dos Deputados rejeitou uma proposta de emenda constitucional (PEC) que previa a adoção do voto impresso. O objetivo da proposta era a utilização de um tipo de urna eletrônica que permitisse a impressão do registro do voto. Segundo o texto apresentado, esse registro seria uma espécie de cédula em papel que poderia ser conferida pelo eleitor, mas sem contato manual, e que seria posteriormente depositada em recipiente indevassável para ser usada em eventuais auditorias.



No entanto, a PEC, que precisava da aprovação de no mínimo 308 deputados, atingiu somente 229 votos favoráveis.

Voto eletrônico sem registro impresso

É verdade que Bangladesh e Butão também utilizam um modelo como o do Brasil, de voto eletrônico sem registro impresso. Mas em Bangladesh tanto as urnas eletrônicas quanto o voto em papel são utilizados. O país usou as chamadas EVMs (Máquinas de Votação Eletrônica) pela primeira vez em uma eleição nacional em 30 de dezembro de 2018, mas a tecnologia já havia sido utilizada anteriormente em 2011, embora em menor escala.

Um relatório de outubro de 2018 elaborado pela ONG Instituto Nacional Democrático (NDI, com sede nos Estados Unidos), que enviou uma delegação internacional para observar os preparativos para a votação daquele ano no país, registra que em Bangladesh o grupo ouviu “opiniões divergentes” sobre o uso das máquinas, a partir do anúncio de planos da Comissão Eleitoral local país de implementar o voto eletrônico em algumas circunscrições.

Levantamento realizado pelo International Institute for Democracy and Electoral Assistance (Idea) em 178 países indica que no Butão também são usadas as urnas eletrônicas. Em 2018, o país informou, em suas “Regras e regulamentos da máquina de votação eletrônica (EVM) do Reino do Butão”, que “o lançamento de um voto por um eleitor será confirmado por um único bipe que será ouvido depois que um voto é registrado”, como indica o documento na página 20.



Voto eletrônico com registro impresso

Já na Índia, onde são realizadas as maiores eleições do mundo, a urna eletrônica começou a ser empregada em 1998 e teve seu uso gradualmente expandido nos anos seguintes. “Desde 2000, a Índia presenciou 113 eleições para as Assembleias Legislativas Estaduais e três eleições gerais para a Lok Sabha onde os votos foram registrados e gravados com o uso de EVMs”, diz um documento da Comissão Eleitoral da Índia de 2018.

Ainda segundo a comissão, uma série de mudanças tecnológicas foram feitas nas urnas em 2001 e em 2006: “A última adição à EVM indiana é o uso do Voter Verifiable Paper Audit Trail (VVPAT) , que foi introduzido em 2013 como uma medida adicional de transparência no sistema eleitoral baseado no uso de EVMs”.

“VVPAT é um sistema independente anexado às Máquinas Eletrônicas de Votação que permite aos eleitores verificar se seus votos foram lançados conforme o pretendido. No momento da votação, é impresso um boletim contendo o número de série, nome e símbolo do candidato e fica exposto em uma janela transparente por sete segundos. Depois disso, essa nota impressa é cortada automaticamente e cai na caixa de coleta lacrada do VVPAT”, continua a comissão em sua seção de perguntas e respostas.





 

Oficiais eleitorais demonstram como utilizar uma máquina de votação eletrônica em Dhaka, Bangladesh, em 27 de dezembro de 2018 ( AFP / Munir Uz Zaman)

Recuo na Namíbia e registro impresso do voto


Peter Wolf, especialista sênior em Eleições, Democracia e Tecnologia do Idea, explicou à AFP que, além de Butão e Bangladesh, a Namíbia também adquiriu uma versão mais antiga das urnas indianas - ou seja, sem o VVPAT (registro impresso do voto) - que foram utilizadas em eleições nacionais. Em um julgamento de fevereiro de 2020, porém, a Suprema Corte da Namíbia decidiu que o uso de EVMs sem registro em papel era inconstitucional e o país voltou a usar cédulas em papel, como mencionado em algumas das postagens viralizadas (1, 2).

Wolf aponta que o uso do VVPAT é uma prática recomendada globalmente. “É importante notar que o conceito de VVPAT foi sugerido pela primeira vez por volta de 2001 (quando os EUA começaram a investir em máquinas de votação após as questões eleitorais entre Bush e Al Gore em 2000), ou seja, anos antes de a votação eletrônica se tornar interessante para muitos países, mas também anos após as máquinas brasileiras terem sido desenhadas e usadas pela primeira vez.” No Brasil, as urnas eletrônicas são usadas desde 1996.

“De maneira similar ao Brasil, as máquinas indianas que foram desenhadas anos antes de o conceito do VVPAT ser proposto têm sido usadas por muitos anos sem VVPAT. A urna indiana foi diretamente exportada ou foi o modelo para máquinas usadas em Butão, Namíbia, Bangladesh - por isso, esses países não têm VVPAT”, continuou o especialista do Idea.



Ainda segundo Wolf, apesar de o uso do VVPAT ser uma prática recomendada por especialistas, não existem casos conhecidos de eleições amplamente manipuladas com o uso de máquinas de Gravação Direta Eletrônica (DRE, na sigla em inglês), ou seja, urnas sem o registro impresso, como as utilizadas no Brasil.

“Grandes incidentes com máquinas de votação são bastante raros. A maioria são falhas técnicas e bugs, desde os menores até os que ameaçam toda a eleição. Não há nenhum caso conhecido de uma eleição inteira hackeada ou resultados sendo significativamente manipulados via DREs”, afirmou à AFP.

Sobre o caso brasileiro o especialista fez a seguinte análise: “Sem VVPAT, mas um dos mais longos usos de votação eletrônica no mundo. Com resultados considerados confiáveis e aceitos por décadas. (...) Acredito que o uso de longa data e indiscutível desse sistema no Brasil ainda vale a pena ser mencionado”.



Uso em outros países


Apesar de raro, o uso de urnas eletrônicas sem o registro impresso também é adotado, de maneira limitada, em outros países.

Na França, o código eleitoral permite que municípios com mais de 3.500 habitantes escolham usar ou não máquinas eletrônicas de votação, desde que optem por um modelo aprovado pelo Ministério do Interior. Em 2008, porém, uma moratória determinou que somente as cidades que haviam adotado as urnas até aquele ano poderiam continuar com esse método de votação. Atualmente, o voto eletrônico é adotado na França em mais de 60 localidades, como se pode conferir na página 69 deste documento. Segundo o ministério, existem três modelos de urna atualmente permitidos. Os equipamentos usados no país não imprimem registro em papel, como confirmado por jornalistas da AFP na França à equipe de checagem.

Os Estados Unidos também utilizam máquinas eletrônicas de votação de forma limitada. Segundo um levantamento da Fundação Verified Voting, o uso de equipamentos do tipo DRE sem VVPAT (registro impresso do voto) está presente em seis dos 50 estados norte-americanos. Na Louisiana esse método é adotado em todo o território.

Em 13 estados norte-americanos não há obrigatoriedade legal do registro impresso do voto, segundo a Conferência Nacional de Legislaturas Estaduais (NCSL). Mas máquinas com VVPAT são utilizadas em nove deles.



“Máquinas DRE não geram registro em papel. Para auditabilidade, elas podem ser equipadas com VVPAT. (...) Estudos mostram que a maioria dos eleitores não revisam suas escolhas no VVPAT e, portanto, tipicamente não tomam esse passo extra de verificar se o voto foi registrado corretamente”, acrescenta a NCSL.

Já o Japão permitiu o uso da votação eletrônica sem registro em papel em 2002 para eleições locais. Segundo o instituto Idea, porém, esse tipo de sistema não é usado no país desde 2018.
Um eleitor do Butão registra seu voto em Thimpu, capital do país, em 18 de outubro de 2018 ( AFP / Diptendu Dutta)

Urna brasileira e possibilidades de auditoria


Para a criação da urna eletrônica no Brasil, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) criou uma comissão técnica em 1995, com pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Centro Técnico Aeroespacial (CTA) de São José dos Campos, para definir requisitos funcionais.



No Brasil, nunca houve comprovação de fraude desde que as urnas eletrônicas começaram a ser usadas, em 1996. Uma das críticas ao sistema atual, porém, é o fato de ele não ser independente do software.

“É um sistema dependente de software, ou seja, uma modificação ou um erro não detectado no software pode promover uma modificação ou um erro igualmente não detectado na apuração. É um fato que nós não podemos ignorar", disse o presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF), Marcos de Almeida Camargo, em audiência pública na Câmara dos Deputados, em maio de 2021.

O presidente da associação destacou também que uma fraude nas eleições nunca foi comprovada e que ela é considerada pouco provável.

Em 5 de agosto de 2021, a APCF também divulgou nota afirmando que “defende a urna eletrônica e reconhece que se trata de um exitoso projeto de hardware e de software. Sem prejuízo disso, (...) também entendemos que o emprego de sistema analógico complementar, e sem qualquer contato físico com o eleitor, é uma opção a mais de auditoria e de aprimoramento do processo eleitoral. Esses fundamentos foram levados ao STF no julgamento da constitucionalidade da matéria, sempre enfatizando, contudo, não haver qualquer apresentação de evidência ou comprovação de fraude”.



Segundo o TSE, é possível realizar a auditoria do processo eleitoral brasileiro de diversas maneiras, incluindo: “reimpressão do boletim de urna; comparação entre o boletim impresso e o boletim recebido pelo sistema de totalização; verificação de assinatura digital; verificação do resumo digital (hash); comparação dos relatórios e das atas das seções eleitorais com os arquivos digitais da urna”, entre outros.

Em 12 de agosto de 2021, o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, anunciou medidas para aumentar a transparência do sistema eletrônico de votação. Elas incluem: abertura do código-fonte das urnas aos partidos um ano antes da eleição; ampliação de urnas que passarão pelo teste de integridade; e a criação de uma comissão externa da sociedade civil e instituições para acompanhamento do processo.

As medidas:
- Abertura do código-fonte das urnas aos partidos um ano antes da eleição;
- Ampliação de urnas que passarão pelo teste de integridade, que é uma auditoria na véspera da eleição;
- Comissão externa de sociedade civil e instituições para acompanhamento do processo.



— Luís Roberto Barroso (@LRobertoBarroso) August 12, 2021

A AFP já checou diversas alegações sobre o uso das urnas eletrônicas no Brasil e em outros países (1, 2, 3).

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