Mensagens em redes sociais visualizadas mais de 1,3 mil vezes desde, pelo menos, dezembro de 2020 mostram a capa de um jornal em que se alega que Bill Gates defende a “depopulação por meio da vacinação forçada”. Mas a afirmação é falsa. O jornal em questão - que possui um histórico de publicações com desinformação sobre vacinas - distorceu comentários feitos pelo bilionário em 2010, quando falou em reduzir o crescimento populacional, sem nenhuma referência a “depopulação”.
“DESDE 2011, BILL GATES FALAVA EM REDUZUR A POPULAÇÃO MUNDUAL ATRAVES DAS VACINAS, EM UNS 10% A 15% A DEPOPULAÇÃO FORÇADA ATRAVÉS DA VACINAÇÃO. REDUZIR O CARBONO A ZERO. SÓ QUE ESTE CARBONO É VOCÊ!!! ACORDA BRASIL!!!”, diz uma das postagens, feita no Facebook (1, 2, 3). O conteúdo também circulou no Twitter (1, 2, 3) e Telegram.
“Depopulação por meio da vacinação forçada: a solução para o Carbono Zero”, diz a manchete do jornal, em tradução livre.
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Mensagens acompanhadas da capa do mesmo jornal circularam também em inglês, espanhol (1), chinês e romeno. Mas a alegação é falsa.
Comentários distorcidos
Uma busca no Google pelas palavras-chave em inglês “bill gates 6.8 billion people 9 million health care”, mencionadas na frase atribuída ao empresário no jornal, trouxe como resultado uma palestra ministrada por Gates no fórum TED de 2010 sobre como alcançar a neutralidade de carbono em escala mundial.Aos 4 minutos e 21 segundos da apresentação, ele disse: “O mundo tem atualmente 6,8 bilhões de pessoas. E está a caminho de chegar a 9 bilhões. Agora, se fizermos um grande trabalho em novas vacinas, cuidados de saúde e serviços de saúde reprodutivos, poderíamos diminuir essa cifra, talvez, 10% ou 15%, mas veríamos um aumento aproximado de 1,3%”.
Gates estava falando sobre reduzir o crescimento demográfico mundial - e não a população em si - para, segundo sua declaração, diminuir a emissão de carbono. Ainda de acordo com o que foi dito pelo empresário, mesmo que esse crescimento fosse reduzido, ele ainda teria valores positivos. Uma transcrição completa da palestra de Gates pode ser acessada aqui.
Em 2009, um documento publicado pela Fundação Gates recomendava o uso de vacinas para reduzir os índices de mortalidade infantil. Segundo o texto, assinado por Bill Gates, alguns pais escolhem ter mais filhos para aumentar as chances de que ao menos alguns sobrevivam e possam cuidar deles na velhice. Nesse sentido, reduzir a mortalidade infantil poderia ter impacto no crescimento demográfico. “À medida que o número de crianças que sobrevivem até a idade adulta aumenta, os pais podem atingir esse objetivo sem ter tantos filhos”, escreveu.
How do we reduce population growth? By reducing infant mortality. I was surprised too. https://t.co/YnebvxN3
— Bill Gates (@BillGates) February 9, 2012
A Fundação Gates já negou várias vezes a alegação a respeito da “depopulação”.
“Estamos preocupados com as teorias da conspiração que estão sendo veiculadas online e com o dano que elas podem causar à saúde pública”, disse um porta-voz da instituição à AFP em outubro de 2020.
“Em tempos como estes, quando o mundo está enfrentando uma crise sanitária e econômica sem precedentes, é angustiante que existam pessoas criando e compartilhando desinformação quando deveríamos todos estar buscando maneiras de colaborar e salvar vidas”, assinalou o representante.
A AFP já checou uma alegação similar feita por uma deputada italiana envolvendo Gates em maio de 2020 e outras que também relacionam o empresário e a vacinação contra a covid-19 (1, 2).
Fonte desacreditada
O jornal que veiculou a manchete, The Sovereign Independent, tem um histórico de repercutir desinformação a respeito de vacinas.
Uma busca no Google pelas palavras-chave em inglês “Sovereign Independent depopulation through forced vaccination zero carbon” levou a um arquivo do exemplar do periódico, de junho de 2011, que contém as alegações a respeito de Gates.
Nessa mesma edição, o jornal também publicou reportagens que veiculam informações falsas a respeito da vacinação - incluindo a alegação de que os imunizantes são parte de “um tratamento medieval”.
“Qualquer vacina licenciada é rigorosamente testada em múltiplas fases de ensaio antes de ser aprovada para uso, e é regularmente reavaliada assim que for introduzida”, explica a OMS. Sobre os imunizantes contra a covid-19, a organização ressalta que “os ensaios clínicos disponíveis mostraram que as vacinas (...) são seguras e altamente eficazes na prevenção de doenças graves”.
Em uma página arquivada de uma seção do jornal The Sovereign Independent dedicada a fornecer informações sobre a publicação, afirma-se que o periódico “frequentemente chama a atenção para a Nova Ordem Mundial”.
A AFP já checou outras alegações a respeito da suposta “nova ordem mundial”.
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