Uma combinação de dois vídeos que supostamente mostra 40 mil bois em uma fazenda que pertenceria ao filho do ex-presidente Lula, conhecido como “Lulinha”, foi visualizada mais de 1,3 milhão de vezes em redes sociais desde, ao menos, janeiro de 2020. Segundo a narração, as cabeças de gado estariam sendo embarcadas “agora”. Mas, antes de circular com essa atribuição no Brasil, a gravação de um grande grupo de animais havia sido publicada por um usuário turco que falava sobre criação de ovelhas em 2019. Já a sequência de uma fila de caminhões circula nas redes desde 2017.
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É montagem a capa do The Washington Post dizendo que Bolsonaro é o melhor presidente do BrasilPaulo Freire foi professor e doutor honoris causa de diversas universidades no Brasil e exteriorNão há registro de que Llosa tenha descrito Lula como 'mero vagabundo'É enganoso dizer que imunidade natural contra COVID é melhor do que vacinasFoto de manifestação contra Bolsonaro em 2018 circulou vinculada a protesto de outubro de 2021É montagem foto de faixa “Fora Bolsonaro, o resto é tudo ladrão” em ato de 2 de outubroO vídeo viralizado une duas gravações diferentes: a primeira mostra uma fileira de animais sendo conduzidos ao longo de uma vasta extensão de terra. Já a segunda acompanha a suposta fila de caminhões à espera para transportar o rebanho.
A narração do vídeo diz: “Está embarcando agora, acabando de embarcar, na fazenda do filho de Lula, lá em São Félix do Xingu, no sul do Pará, tem 40 mil bois de 18 arrobas pra embarcar. Isso vai dar mais ou menos R$ 100 milhões de reais, dinheiro quente. Tá sendo embarcado agora. Diz que tem fila lá pra embarcar a carreta de cinco dias”.
Algumas publicações reproduziram unicamente a gravação do rebanho de ovelhas, sem narração alguma (1, 2).
Ovelhas, e não bois
Uma busca reversa no motor TinEye por um dos fragmentos do primeiro vídeo que supostamente mostra o rebanho do filho de Lula ofereceu resultados com outra alegação. Em fevereiro de 2020 o site chinês Guancha desmentiu a afirmação de que a sequência mostraria 30 mil ovelhas doadas pela Mongólia para a China.Numa checagem dessa alegação, a equipe da AFP em Hong Kong localizou a gravação numa postagem de dezembro de 2019 na rede social russa VK.
Uma nova pesquisa no buscador Yandex, a partir de uma versão um pouco mais longa do mesmo vídeo, levou a uma publicação de 4 de maio de 2019, num perfil turco no Instagram chamado “criação de ovelhas”, em tradução livre, com a legenda “Eles controlam este rebanho com 2 cães”.
O AFP Checamos entrou em contato com a conta no Instagram que publicou o vídeo em maio de 2019 para conseguir mais detalhes sobre a sua origem, mas não obteve retorno até a publicação desta checagem.
Fila de caminhões
O segundo vídeo na combinação viralizada, que supostamente mostraria a fila de caminhões esperando para levar o rebanho, foi localizado usando o buscador Yandex, no YouTube, com o título “Embarque de maraense”, com data de 24 de agosto de 2017 e sem mais detalhes.O registro mais antigo encontrado da sequência corresponde a 22 de agosto de 2017.
Em nenhum desses registros é mencionada qualquer relação da gravação com um dos filhos do ex-presidente Lula nem se escuta a voz em off que fala sobre o tema.
Fazendas do filho de Lula
Procurada pela AFP, a assessoria do ex-presidente afirmou que “nenhum filho de Lula é dono de nenhuma propriedade rural”. “Lembrando que Lula e seus filhos já tiveram todos os seus sigilos quebrados e não são proprietários de nenhuma fazenda ou cabeça de gado”, acrescentou.Em 2016, a Polícia Federal investigou as movimentações financeiras de Fábio Luís Lula da Silva, também conhecido como “Lulinha”, e concluiu que eram compatíveis com os recursos declarados à Receita Federal.
Em 2019, Fábio Luís foi alvo da 69ª fase da Operação Lava-Jato, sob suspeita de ter recebido 132 milhões de reais da operadora Oi/Telemar por meio de contratos com empresas do grupo Gamecorp, empreendimento do qual era um dos sócios. Segundo a força-tarefa da Lava-Jato, a quantia poderia ter sido usada na compra de um sítio em Atibaia (SP), que estava em nome de um sócio de Fábio Luís, mas que teria sido usado pelo ex-presidente Lula.
O caso do sítio de Atibaia foi a causa de uma das condenações do petista, sentenciado inicialmente a 12 anos e 11 meses de prisão em 2019.
Em março de 2021, porém, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin anulou todas as condenações do ex-mandatário, por considerar que a 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba (PR) não tinha competência para julgar o caso. Em junho de 2021, o ministro do STF Gilmar Mendes estendeu a suspeição do ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sérgio Moro a outros dois processos contra o ex-presidente Lula, incluindo o do sítio de Atibaia. A decisão invalidou todas as evidências coletadas por Moro e obrigou a reiniciar os julgamentos do zero.
Na esteira das decisões judiciais do Supremo, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região determinou que a investigação contra Fábio Luís fosse suspensa até que seja definido o juiz competente pelo caso.
O Checamos já verificou outra alegação sobre uma suposta fazenda atribuída a “Lulinha”.
Checagem semelhante foi feita pelo projeto Comprova.