Circulam desde 1 de outubro de 2021 publicações compartilhadas mais de 400 vezes alegando que a farmacêutica Pfizer, fabricante de uma das vacinas administradas contra a covid-19, está desenvolvendo um “genérico” do vermífugo ivermectina para o tratamento preventivo do coronavírus.
Mas a empresa informou à AFP que o antiviral, ainda em estudo, não tem qualquer semelhança com o antiparasitário.
“À partir do lançamento deste vermífugo genérico patenteado o tratamento precoce milagrosamente passará de demonizado a incentivado. Querem apostar. Clone patenteável da Ivermectina. Ivermectina Pfizer !!! Quem diria !!!!”, diz uma das publicações compartilhadas no Twitter (1, 2) e no Facebook.
Algumas das entradas compartilharam matérias de sites, afirmando que o medicamento desenvolvido pela Pfizer atua da mesma maneira que a ivermectina. Outras apenas compartilham links de notícias que não mencionam a suposta semelhança com o vermífugo, mas que falam sobre um medicamento da Pfizer em estudo, o PF-07321332.
Medicamento contra a covid-19
Em março de 2021, a farmacêutica Pfizer, uma multinacional com sede em Nova York, anunciou o início de um estudo de fase 1 nos Estados Unidos de um medicamento via oral contra o SARS-CoV-2, vírus causador da covid-19. Em julho deste ano, o medicamento passou para a segunda e terceira etapas de testes, como informou a empresa. A droga, chamada de PF-07321332, atua na inibição da protease, enzima que o vírus precisa para se replicar e infectar novas células.
Alongside vaccines, success against #COVID19 will likely require #antiviral treatments for those who contract the virus. We’ve started a Phase 2/3 trial to evaluate a potential oral therapy that will enroll over 2,000 participants infected with SARS-CoV-2: https://t.co/d4e1DfCD0Qpic.twitter.com/oYdzona0mX
— Pfizer Inc. (@pfizer) July 28, 2021
“Cientistas da Pfizer iniciaram um programa de descoberta de medicamentos no início de 2020, logo após o surgimento da covid-19, com o objetivo de identificar um potencial tratamento para diminuir o impacto da covid-19 nas vidas dos pacientes e melhor preparar o mundo para futuras ameaças de coronavírus”, informa a farmacêutica em seu site.
Em um comunicado enviado ao Checamos em agosto de 2021 e ratificado pela assessoria de comunicação em 7 de outubro, a Pfizer destacou que o medicamento “não apresenta qualquer semelhança” com a ivermectina. A empresa também ressaltou que os "compostos com estruturas químicas e mecanismos de ação” do medicamento que está sendo desenvolvido são diferentes dos observados na ivermectina.
A ivermectina é um vermífugo que combate diferentes tipos de parasitas em diversas fases de desenvolvimento.
Segundo explicou o ex-presidente da Associação Brasileira de Ciências Farmacêuticas e professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da USP Flavio da Silva Emery, ao Checamos, não há nenhuma comprovação de que o vermífugo atue da mesma forma que o medicamento estudado pela Pfizer, inibindo a protease. “A ivermectina é um antiparasitário de amplo espectro, usada como anti-helmíntico, que atua em alvos específicos. A ivermectina atua na função nervosa e muscular de vermes, por meio da inibição de canais de cloro controlados por glutamato. Os estudos de uso de ivermectina em covid-19 são muito deficientes, ou com poucos pacientes, e muitos trabalhos são acusados de plágio e fraude”.
Emery chama ainda atenção para a diferença na origem das duas substâncias: “Enquanto a ivermectina é um derivado de produto natural, obtido de microorganismos do solo, a PF-07321332 é uma substância totalmente sintética, sem nenhuma relação com o antiparasitário”.
Por ainda estar em desenvolvimento, não há previsão para a divulgação dos resultados do estudo, pontuou a Pfizer
Ineficácia da ivermectina
Durante a pandemia, têm circulado diversas alegações sobre a suposta eficácia da ivermectina na prevenção e tratamento da covid-19. A AFP já verificou algumas delas (1, 2, 3).
Após a realização de testes com o fármaco, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda apenas a sua utilização em ensaios clínicos, e não o uso dessa droga para tratar pacientes infectados pela covid-19, alertando para a falta de dados conclusivos sobre a sua eficácia.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) orienta o uso da ivermectina de acordo com as indicações“constantes da bula do medicamento”, que não incluem a covid-19.
No último 11 de agosto, Jailton Batista, diretor-executivo da farmacêutica Vitamedic, fabricante de ivermectina, prestou depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apura a gestão da pandemia pelo governo federal brasileiro. Indagado sobre se a Vitamedic realizou estudos para avaliar a eficácia da ivermectina contra a covid-19, admitiu: “Não (...), ainda não produzimos”.
Karin Kopitowski, chefe do Serviço de Medicina de Família do Hospital Italiano de Buenos Aires e diretora do Departamento de Pesquisa da mesma instituição, explicou à AFP em junho de 2021 que a eficácia da ivermectina para tratar a covid-19 ainda precisa ser comprovada com ensaios clínicos abrangentes.
“Para declarar a eficácia de um medicamento, seja ivermectina ou qualquer outro, a barra tem que ser alta. Isso significa que deve haver ensaios clínicos que demonstrem resultados clinicamente relevantes. No caso da covid-19, os que mais nos interessam são mortalidade e internação em terapia intensiva”, disse Kopitowski.
“Mas até agora não há evidências concretas que permitam afirmar com veemência que funciona”, completou.