Publicações visualizadas mais de 23 mil vezes nas redes sociais desde pelo menos 7 de outubro garantem que "a União Europeia substituirá vacinas por ivermectina" porque o bloco aprovou "cinco terapias" para tratar a covid-19 que estarão disponíveis a partir de outubro. O texto também afirma que o Instituto Pasteur francês "reconheceu cientificamente" a ivermectina como uma droga contra o vírus. Mas nada disso é verdade: a comissão e o parlamento europeus negaram à AFP que a vacinação será suspensa, e o Instituto Pasteur tampouco reconheceu a ivermectina como um tratamento eficaz contra a covid-19.
“UNIÃO EUROPEIA SUBSTITUIRÁ VACINAS POR IVERMECTINA. Boas notícias para quem não gosta da vacina covid-19:A PARTIR DE 20.10.2021, COVID TRIAL E PROTEÇÃO DE VACINAS PARA COVID-19 SERÃO CANCELADOS TODOS NA EUROPA” , diz o texto de uma das publicações compartilhadas no Facebook ( 1 , 2 ), no Twitter ( 1 , 2 ) e no Telegram ( 1 , 2 ).
Uma versão mais longa acrescenta: “O Instituto Pasteur reconheceu a eficácia da Ivermectina, uma bebida única que pode eliminar todo o material genético da SARS covid-19” .
O conteúdo também circulou em espanhol e francês .
A vacinação continuará
A União Europeia (UE) trabalha no desenvolvimento de medicamentos contra a covid-19, mas não para substituir as vacinas, e sim como um complemento aos imunizantes. Em maio de 2021, a Comissão Europeia anunciou uma "estratégia em matéria de terapêuticas contra COVID-19" para complementar o plano da vacinação. “A estratégia inclui ações e objetivos claros, incluindo a autorização de três novas terapêuticas para a COVID-19 até outubro de 2021 e, possivelmente, mais duas até ao fim do ano” , afirmou o comunicado.Algumas das publicações que mencionam a aprovação de cinco terapias compartilham o link de um comunicado à imprensa em francês, de 29 de junho de 2021 e atualizado em 29 de setembro, também do Executivo comunitário. O primeiro parágrafo, de acordo com a versão em português , diz: “A vacinação contra a COVID-19 é a melhor forma de pôr termo à pandemia e de regressar a uma vida normal. Paralelamente, estamos a trabalhar no sentido de dispor dos melhores tratamentos disponíveis para as pessoas infectadas”.
A Comissão Europeia anunciou ainda o desenvolvimento de cinco tratamentos, quatro baseados em anticorpos monoclonais , em que as células são fabricadas para tratar doenças específicas, e um imunossupressor , que já tem autorização para ser comercializado e que pode servir para tratar os infectados pela covid-19.
Em nenhum dos dois comunicados de imprensa o uso da ivermectina ou o fim da campanha de vacinação na UE foram mencionados. Na nota de maio, o vice-presidente da Comissão Europeia para a Promoção do Modo de Vida Europeu, Margaritis Schinas , explicou: “A situação em muitas unidades de cuidados intensivos em todo o continente continua a ser crítica. Temos de nos concentrar tanto nas vacinas como nas terapêuticas, duas formas poderosas e complementares de combater a COVID-19”.
Esses tratamentos "irão complementar e não substituir a vacinação" , afirmou Stefan De Keersmaecker , porta-voz da Comissão Europeia, à AFP em 17 de setembro. “Continuamos trabalhando em vacinas para reduzir a transmissão e garantir que as pessoas infectadas tenham sintomas menos graves” . Ele acrescentou ainda que as instituições europeias não podem tornar os tratamentos obrigatórios.
A equipe de comunicação do Parlamento Europeu explicou no mesmo dia à AFP que os tratamentos não são destinados a substituir a vacinação e esclareceu que no momento "não há intenção de tornar esses medicamentos obrigatórios" .
A estratégia para desenvolver tratamentos contra a covid-19 complementa a relativa à vacinação, apresentada em junho de 2020 .
Vacinas "aprovadas em ensaio provisório"
O texto viral afirma que as vacinas foram "aprovadas em um ‘ensaio provisório’”. A Agência Europeia de Medicamentos (EMA) concedeu autorizações condicionais de comercialização para as vacinas, mas com uma “ análise independente, exaustiva e sólida ”.
A autorização condicional permite que os laboratórios forneçam dados suplementares, obtidos com novos estudos, após o recebimento do sinal verde para aplicação de vacinas, enquanto uma autorização clássica ou normal exige que todos os dados sejam fornecidos previamente. No âmbito desse procedimento emergencial, que permitiu acelerar a disponibilização de vacinas contra a covid-19, a EMA decidiu conceder essas autorizações pelo prazo de um ano, que podem ser renovadas.
Mas isso não significa que as vacinas contra a covid-19 não tenham sido testadas adequadamente. Os imunizantes, como verificou o AFP Checamos , seguiram os passos necessários para sua aplicação na população.
Instituto Pasteur e ivermectina
Finalmente, o Instituto Pasteur não reconheceu a eficácia da ivermectina como um tratamento contra a covid-19. Os usuários interpretaram erroneamente um estudo pré-clínico do centro francês publicado em julho, que foi realizado com hamsters e que
já foi checado
pela equipe de verificação da AFP.
A ivermectina é um medicamento recomendado para o tratamento de doenças causadas por parasitas, como sarna e piolho, segundo registros do
bulário eletrônico
da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
O Instituto Pasteur divulgou em 12 de julho uma
nota à imprensa
sobre os resultados do seu
estudo
, publicado naquele mesmo dia por uma revista científica após ter sido revisado por pares.
Os pesquisadores do Instituto Pasteur analisaram se os hamsters infectados pelo SARS-CoV-2, o vírus que causa o covid-19, tinham menos sintomas da doença quando tratados com ivermectina. Eles tentavam descobrir se a molécula poderia diminuir a carga viral, ou seja, limitar sua multiplicação no corpo.
“Os cientistas observaram que a ingestão de ivermectina está associada a uma limitação da inflamação do trato respiratório e dos sintomas dela derivados”
nesses animais, diz nota do instituto, que especificou que os resultados
“não mostram efeitos da molécula na multiplicação viral do SARS-CoV-2 ”.
"Os resultados foram obtidos no âmbito de um estudo pré-clínico"
, que
"não é suficiente para uso médico no contexto da crise de saúde"
, disse o centro francês à AFP em agosto passado.
Na época,
Julival Ribeiro
, membro da
Sociedade Brasileira de Infectologia
(SBI), explicou à AFP que
“todo estudo sobre qualquer droga tem fases pré-clínica e clínica até que fique comprovado por meio de estudos clínicos randomizados, duplo-cego, que esse medicamento combate determinada doença”.
“A Sociedade Americana de Infectologia e outras sociedades do mundo afirmam que a ivermectina só poderá ser usada quando [sua eficácia] for
[comprovada]
em estudos clínicos. Até agora não está demonstrada a eficácia da ivermectina para tratar covid-19 em seres humanos”
, acrescentou Ribeiro.
Ribeiro alertou ainda que,
“após testar uma droga em animais, jamais se pode extrapolar o resultado para seres humanos”.
Portanto, o Instituto Pasteur não reconheceu a eficácia da ivermectina contra a covid-19. Embora haja pesquisas em andamento, tanto a
EMA
quanto a Organização Mundial da Saúde (
OMS
) desaconselham o uso de ivermectina para tratar o coronavírus, para além do seu uso em ensaios clínicos.
Outros conteúdos viralizados sobre a ivermectina foram verificados pelo AFP Checamos (
1
,
2
,
3
).
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