Publicações compartilhadas mais de 8,6 mil vezes nas redes sociais desde o último 18 de outubro asseguram que a morte de Colin Powell por complicações da covid-19, apesar de estar completamente vacinado, provam que os imunizantes “não funcionam”. Mas isso é enganoso. O ex-secretário de Estado dos Estados Unidos tinha um tipo de câncer que, segundo especialistas, diminui a efetividade dos imunizantes e sua idade avançada o tornou mais vulnerável.
“Manchete correta: Morreu, Colin Powell de COVID-19 devidamente vacinado com duas doses, segurando seu passaporte sanitário! Que não serviu pra nada”
, diziam algumas das postagens compartilhadas no Twitter (
1
,
2
) sobre a morte do ex-secretário de Estado e ex-chefe do Estado-Maior Conjunto dos Estados Unidos.
No Facebook (
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,
2
,
3
), no Instagram (
1
,
2
) e em sites (
1
), vários usuários divulgaram links e capturas de tela da notícia da morte de Powell para questionar a efetividade e segurança das vacinas.
Alegações semelhantes também foram compartilhadas em
espanhol
e
inglês
.
A administração de Powell ficou marcada por ter defendido a invasão dos Estados Unidos ao Iraque em 2003, sobre o que se revelou ser uma evidência infundada.
Powell, de 84 anos, estava completamente vacinado, disse a sua família em um breve comunicado no Facebook, tornando-o uma das figuras públicas de mais alto escalão nos Estados Unidos a morrer em decorrência da covid-19.
Entretanto, o ex-funcionário declarou, no que pode ter sido a sua última entrevista , que sofria de duas condições subjacentes muito graves: mieloma múltiplo e doença de Parkinson .
Kathy Giusti , iniciadora da Fundação para Pesquisa do Mieloma Múltiplo, disse à AFP que Powell havia sido diagnosticado antes de sua participação em um evento dessa organização para falar sobre a sobrevivência do câncer de próstata em 2019. Lá, ele compartilhou seu diagnóstico de mieloma múltiplo com os participantes “e se conectou com cada paciente, cuidador e médico do local” , disse Giusti.
Mas o fato de uma pessoa totalmente vacinada morrer não significa que as vacinas contra a covid-19 não funcionem, explicou Onyema Ogbuagu , especialista em doenças infecciosas da Escola de Medicina de Yale.
Powell era especialmente vulnerável devido ao mieloma, um câncer de sangue que afeta as células plasmáticas que ajudam o corpo a produzir anticorpos contra patógenos nocivos.
“Se eu tivesse que escolher uma condição médica que afetaria gravemente ou diminuiria sua resposta às vacinas, seria o mieloma múltiplo” , acrescentou Ogbuagu à equipe de checagem da AFP.
“Temos dados de relatórios publicados que indicam que as pessoas com mieloma múltiplo não respondem muito bem [às vacinas] ” , apontou. Powell tinha uma doença que “limitava severamente a sua capacidade de ter uma resposta à vacina... infelizmente, é um caso atípico” .
Os pacientes com mieloma múltiplo não só apresentam uma resposta deficiente de anticorpos à vacina, mas “também têm uma resposta fraca de uma parte diferente do sistema imunológico, conhecida como células T” , detalharam pesquisadores da Escola de Medicina Icahn no Hospital Monte Sinai, em um comunicado publicado no último dia 18 de outubro.
Ao Checamos, Gustavo Cabral , imunologista com pós-doutorado na Universidade de Oxford e desenvolvedor de vacinas, falou no mesmo sentido: “Pessoas imunodeprimidas não têm o sistema imunológico funcionando em sua perfeita normalidade, fazendo com que a vacina não exerça a sua função como o esperado, que é estimular o sistema imune a se preparar para combater o vírus” .
“A vacina não é o exército que vai combater a covid-19 dentro do nosso corpo. Ela simula o inimigo para que o nosso corpo prepare o exército. [Assim] , o corpo do imunodeprimido ou do imunossuprimido não consegue preparar o exército para se defender da melhor forma” , comparou.
Sobre a segurança das vacinas, a geneticista Gisela Castro , doutora em Ciências Biológicas na Universidade Nacional de Cuyo, na Argentina, explicou em uma verificação da AFP em espanhol que “nenhuma vacina em circulação é considerada experimental, já que esse processo de teste é anterior à aprovação da mesma para uso humano” .
“Muitos órgãos reguladores se encarregam de verificar a segurança e eficácia das vacinas, portanto, se elas estão disponíveis para uso, significa que passaram em todos os testes” , acrescentou.
Eficácia das vacinas
Sami Parekh
, coautor do estudo do Hospital Monte Sinai, assinalou que os tratamentos para pacientes com mieloma múltiplo podem torná-los ainda mais
imunodeprimidos
. Contudo, os resultados do estudo anteriormente citado mostraram que as vacinas ainda oferecem proteção a essas pessoas.
“Não há dúvida de que as vacinas funcionam”
, enfatizou.
Jason McKnight
, professor da faculdade de Medicina da Universidade do Texas, por sua vez, afirmou que esse tipo de alegação sobre infecções em pessoas imunizadas são usadas por
“muitos grupos conspiradores e antivacinas
[...]
para invalidar o funcionamento das vacinas contra a covid-19”
.
“Embora o risco de hospitalização ou morte por covid-19 em uma pessoa totalmente vacinada seja muito baixo, quando se fala de milhões de infecções, ainda são registrados casos de pessoas que, infelizmente, morrem por causa da doença”
, acrescentou McKnight.
Sabe-se que os indivíduos imunodeprimidos
“costumam ter uma resposta menor de anticorpos à vacina”
, disse McKnight.
“Embora a vacinação seja a melhor ferramenta que temos nesse momento para prevenir doenças graves e minimizar a transmissão, esse caso continua ilustrando o quanto é importante que pessoas com condições crônicas ou que têm com a saúde debilitada em geral continuem com o distanciamento social, usando máscara e fazendo todo o possível para minimizar a exposição”
, assinalou.
De acordo com os Centros para o Controle e Prevenção de Doenças (
CDC
) dos Estados Unidos, das mais de 187 milhões de pessoas totalmente vacinadas no país, 24.717 foram hospitalizadas e outras 7.178 morreram.
Relatórios dos CDC
também mostram que os idosos são mais vulneráveis à covid-19, mesmo que estejam vacinados, e a idade de Powell o colocava nesse grupo de alto risco.
Desde o início da pandemia, a equipe de checagem da AFP tem
verificado
centenas de afirmações falsas ou enganosas sobre o vírus que causa a covid-19, assim como sobre suas vacinas.
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