Publicações contendo a alegação de que a “dra. Carrie Madej” analisou frascos de vacinas contra a covid-19 e observou um “elemento estranho” que parece ter “tentáculos” e ser “autoconsciente” foram compartilhadas centenas de vezes nas redes sociais ao menos desde 1º de outubro de 2021.
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Dados britânicos não provam que vacinas anticovid destroem o sistema imunológico ou causam aidsNão há comprovação de que vacinas anticovid causem distúrbios menstruaisÉ falso que menina morreu após ser vacinada contra a COVID na Argentinacoronavirusmundo“A Dra. Carrie analisou a picada através de um microscópio. Ela encontrou este ‘elemento estranho’ que aparenta ter ‘tentáculos’ e ser ‘autoconsciente’”, indicam as legendas das postagens, compartilhadas em diferentes formatos no Facebook (1, 2, 3) e no Twitter (1, 2, 3).
Um conteúdo semelhante foi visualizado mais de 31 mil vezes no Telegram (1, 2) e também circulou em outros idiomas, como inglês, francês, espanhol e polonês.
Trata-se de um trecho legendado em português do podcast “Stew Peters show”, no qual o apresentador entrevista a “dra. Carrie Madej”, que afirma ter encontrado “objetos vivos” em um frasco de vacina analisado sob um microscópio.
Quem é Carrie Madej?
Em suas contas no Twitter e no Instagram, Carrie Madej se apresenta como uma “médica osteopata” que “combina a medicina tradicional e holística para obter ótimos efeitos à saúde”, além de “filha de Deus”.
Em uma entrevista divulgada no site QUAX PODCAST, de defesa da “medicina alternativa”, ela declarou que é de Michigan, nos Estados Unidos, estudou medicina no Missouri e depois fez uma formação no estado da Geórgia, em um hospital de Columbus e na Mercer University, em Macon. Ela supostamente dirigia um consultório particular e gerenciava duas clínicas no mesmo estado até 2015.
De acordo com o podcast, atualmente ela mora na República Dominicana, onde diz fazer trabalho voluntário.
Uma afirmação feita por Madej anteriormente, de que as vacinas alteram os genes, foi verificada pela AFP em polonês em janeiro de 2021.
No último dia 29 de setembro, ela foi a convidada do podcast de Stew Peters. O programa já foi alvo de artigos de checagem da AFP em francês (1, 2), quando outros participantes indicaram analisar o conteúdo das vacinas contra a covid-19.
No segmento do programa viralizado nas redes sociais, Madej afirma ter visto um “objeto ou organismo particular” durante uma análise microscópica da vacina da Moderna.
“Eu não sei como nomear, tinha tentáculos saindo dele e ele conseguiu se levantar da lâmina de vidro”, assinalou.
Quando questionada pelo entrevistador se esse “organismo” estava vivo, Carrie Madej respondeu que ele “parecia que sim… Parecia ser autoconsciente e conseguir crescer ou se mover no espaço”.
“Só o que eu posso dizer é que não era algo que nos ensinaram na faculdade de Medicina, nada que eu tenha visto nos meus laboratórios, nada que eu tenha visto antes. E eu mostrei para outras pessoas da área e elas também não sabem o que é”, continuou.
“Parece que ele é autoconsciente, como se soubesse que estava sendo observado. É só uma intuição, uma sensação minha, mas foi bem perturbador”, afirmou Madej, enquanto aparecia na tela uma foto embaçada que parecia mostrar um objeto fibroso.
Observações “não científicas nem rigorosas”
Mas vários pesquisadores explicaram à equipe de verificação da AFP que as observações de Carrie Madej não têm nenhum valor científico e não permitem deduzir de forma alguma que a vacina contenha organismos vivos.
Além disso, não é possível verificar de forma independente se Madej analisou de fato os frascos de vacina.
O que quer que ela tenha observado, “este documento é uma mentira: não há nada de científico ou rigoroso nisso”, indicou à AFP em 21 de outubro de 2021 Virignie Serin, pesquisadora do Centro de Elaboração de Materiais e Estudos Estruturais (CEMES) e secretária-geral da Sociedade Europeia de Microscopia (EMS).
“Normalmente, fazemos observações à temperatura do nitrogênio, a 73 graus negativos, em uma sala limpa, para ter certeza de que não ocorra nenhuma reação. Nesse caso, ela diz que fez sua observação à temperatura ambiente: esta não é uma análise científica que poderia dar um resultado válido”, acrescentou.
As imagens que Madej afirma ver através de seu microscópio são “coisas comumente vistas na microscopia óptica”, assinalou o professor de biologia celular Philippe Roingeard, entrevistado pela AFP em 19 de outubro de 2021.
Para ele, “certamente são essas sujeiras que se vê regularmente quando se observa algo em uma lâmina de vidro com uma lamínula de vidro sobre ela. Podem ser pequenas sujeiras, pequenas impurezas que ficam entre a lâmina e a lamínula quando olhamos sob o microscópio óptico”.
José Maria Valpuesta, pesquisador em bioquímica e biologia molecular e presidente do EMS, concorda: “Ela disse que estava usando um frasco de vacina já aberto, qualquer coisa poderia ter entrado, poderia ter entrado sujeira... Qualquer um que colocar uma gota de água sob o microscópio será capaz de ver algo em movimento”.
“Se a lâmina não estiver bem ajustada, ela pode se mover. Em uma solução líquida, ela também pode se mexer. Tudo isso não significa que está vivo, realmente não dá nenhuma prova”, completou Serin.
“Não tem nada a ver com a vacina, você veria a mesma coisa em uma gota de água da torneira”, falou no mesmo sentido Roingeard, que em 2020 publicou “Portraits of Viruses”, uma galeria de fotos de patógenos sob o microscópio.
“Para ver exatamente o que está dentro, você precisa de um microscópio eletrônico”, continuou.
Algumas das imagens vistas no vídeo viralizado mostram pequenos círculos: “Isso realmente pode ser defeito no vidro” da lamínula, disse o pesquisador.
O Instituto Pasteur explica em seu site a história dos microscópios e, particularmente, a diferença entre os microscópios ópticos e eletrônicos: “Para observar os vírus, os cientistas tiveram que descer ao nível de nanômetro e aguardar até a segunda metade do século XX e a chegada dos microscópios eletrônicos, cujos primeiros protótipos foram construídos por engenheiros alemães no início dos anos 1930”.
“Ao invés de usar luz (composta de fótons) e lentes de vidro, tiveram a ideia de usar elétrons muito menores, acelerados no vácuo através de tubos de raios catódicos e lentes eletromagnéticas. Isso significava que eles podiam observar elementos ainda menores do que aqueles visíveis com microscópios ópticos”, finaliza a explicação.
“Estou absolutamente convencido de que tudo isso é falso, não se trata de um animal ou uma de criatura vinda do espaço”, resumiu Valpuesta, que indicou “lamentar profundamente” que tal vídeo estivesse sendo compartilhado nas redes sociais.
“Uma imagem sozinha não tem nenhum significado científico. Aqui há, ainda, o desejo de manipular pessoas que não têm experiência na área”, lamentou igualmente Serin.
Mais à frente no vídeo, Madej também afirma que na vacina da Janssen “certamente há uma substância parecida com grafeno”.
A suposta presença de grafeno nas vacinas contra a covid-19 se tornou mais uma das narrativas de desinformação antivacina nos últimos meses, tema já verificado pela AFP em diferentes idiomas.
Uma publicação no blog “Aulnay Cap” menciona inúmeros vídeos e fotos que circulam na internet e supostamente mostram corpos estranhos em imunizantes.
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