Uma tabela que parece mostrar que o maior valor médio do programa Bolsa Família foi pago durante o governo do presidente Jair Bolsonaro foi compartilhada mais de 4 mil vezes em redes sociais desde o último dia 22 de outubro.
“E ainda tem gente reclamando?”, escreveram usuários ao compartilhar no Facebook (1, 2) a tabela que lista o orçamento, o número de famílias atendidas e o benefício médio pago por família de 2003 a 2021, passando pelos governos dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Dilma Rousseff (PT), Michel Temer (MDB) e do atual presidente Jair Bolsonaro (PL).
De acordo com a tabela, a maior média teria sido registrada em 2019 e corresponderia a R$ 200,4.
“Bolsa família no governo lula não passava de 100 reais. No governo Dilma não passava de 164 reais e agora com Bolsonaro foi a 400,00 e com o 13º salário de bônus”, diz texto sobreposto à tabela, que fala sobre o programa de transferência de renda.
Criado em 2003, durante o governo Lula, o Bolsa Família paga valores mensais variáveis para famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza, dependendo do número de pessoas que compõem o núcleo familiar, de suas idades e da presença ou não de gestantes.
Uma busca no Google por palavras-chave presentes na tabela mostra que o documento foi publicado originalmente pelo site Poder 360, no último dia 22 de outubro, e que a versão que circula nas redes sociais foi editada para distorcer seu conteúdo.
Correção por IPCA
A matéria do Poder 360, publicada algumas horas antes da primeira postagem identificada no Facebook, traz tabela semelhante à compartilhada nas redes, mas com uma coluna a mais à direita, que lista a “média real” paga por família beneficiada a cada ano.
Além disso, no conteúdo viralizado foi tirado o título dado pelo Poder 360 à tabela: “Bolsa Família teve maior valor real pago em 2014”. As informações das demais colunas são iguais às publicadas pelo site de jornalismo.
Segundo observado na parte inferior da tabela - também removida da versão que circula nas redes - a média real é o valor do benefício corrigido pelo IPCA, Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, que funciona como um medidor oficial da inflação.
Essa correção é necessária para ajustar o valor recebido ao poder de compra.
Segundo essa coluna, o maior benefício médio do Bolsa Família foi pago, na verdade, em 2014, durante o governo da ex-presidente Dilma, e corresponde a R$ 245,1.
Essa seção da tabela também desmente a alegação compartilhada nas redes de que a média não teria passado dos “100 reais” durante o governo Lula e dos “164 no governo Dilma”.
Segundo a tabela, a média real recebida por mês a cada ano do governo Lula (2003 - 2010) variou de R$ 110,8 a R$ 199,7 e durante o governo Dilma (2011 - 2016), de R$ 197,8 a R$ 245,1.
O governo Dilma ainda foi responsável, segundo o documento, pelas outras duas maiores médias corrigidas pela inflação: R$ 240,4, em 2013, e R$ 237, em 2015.
O AFP Checamos entrou em contato com o Ministério da Cidadania, responsável pelo programa Bolsa Família, para confirmar os dados citados pelo Poder 360. Por meio de sua assessoria, a pasta enviou à AFP o orçamento anual do programa, de 2003 a 2021, antes da correção pelo IPCA.
Para confirmar se os valores de “média nominal” listados na tabela estavam corretos, o AFP Checamos dividiu cada orçamento pelo número de famílias atendidas por ano, disponível neste portal do governo. Foi usada como referência a quantidade registrada em outubro de cada ano, mês de lançamento do programa em 2003.
O resultado desse cálculo foi, posteriormente, dividido por 12, para chegar à média paga mensalmente às famílias. Os valores obtidos foram os mesmos das médias nominais por família registradas na tabela do Poder 360. Abaixo, um exemplo de como o cálculo foi feito, usando como exemplo o mês de 2014:
Auxílio de R$ 400
As publicações também afirmam que o benefício do Bolsa Família “foi a 400” reais durante o governo Bolsonaro. Isso é enganoso.
Em agosto de 2021, o presidente Jair Bolsonaro anunciou a criação do programa Auxílio Brasil para substituir o Bolsa Família. Segundo o governo, o programa irá incluir automaticamente todas as famílias inscritas na iniciativa anterior e aumentar em cerca de 20% o tíquete médio do auxílio. O benefício começou a ser pago no último 17 de novembro, com valor médio de R$ 224, 41.
Paralelamente, o presidente anunciou a intenção de que o programa pague um valor mínimo de R$ 400. Mas esse é um objetivo previsto até dezembro de 2022.
Em dezembro de 2021, graças à assinatura de uma medida provisória (MP), o valor mínimo do benefício chegou a R$ 400. No entanto, a MP trata especificamente de dezembro de 2021.
A continuidade do pagamento de um valor mínimo de R$ 400 até dezembro de 2022 foi vinculada à aprovação da PEC 23/2021, conhecida como PEC dos Precatórios. A proposta permite o parcelamento de precatórios - dívidas do governo com sentença judicial definitiva - por até dez anos e muda o cálculo do teto de gastos.
A PEC foi promulgada parcialmente pelo Congresso em 8 de dezembro de 2021 e, no dia 15 de dezembro, a Câmara dos Deputados concluiu sua aprovação em segundo turno.
Este mesmo conteúdo foi checado pelo Comprova, projeto de verificação colaborativa do qual a AFP faz parte.