Publicações compartilhadas mais de 500 vezes em redes sociais desde meados de dezembro de 2021 asseguram que as vacinas contra a covid-19 enfraquecem o sistema imunológico de seus receptores, causando uma “síndrome de imunodeficiência adquirida por vacina”, apelidada de “vaids”. Essas afirmações são falsas. Especialistas médicos, incluindo um dos autores do estudo utilizado como base para a alegação, disseram à AFP que os imunizantes não têm esse efeito.
“Um novo artigo publicado no The Lancet sugere que quanto mais ‘vacinas’ uma pessoa recebe contra Covid-19, mais rápido seu corpo sucumbe a uma síndrome de debilitação imunológica semelhante à AIDS, chamada ‘VAIDS’”, dizem algumas das publicações compartilhadas no Facebook (1, 2, 3), Twitter (1, 2, 3) e Instagram.
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Segundo o texto, esse estudo indicaria que “os médicos chamam esse fenômeno nos repetidamente vacinados de ‘erosão imunológica’, ou ‘imunodeficiência adquirida’, o que explica a elevada incidência de miocardite e outras doenças que os afetam mais rapidamente após a vacina, provocando morte, ou mais lentamente, o que resulta em doenças crônicas”.
“Uéééé, mas e aí...? Bolsonaro foi acusado de propagar fake news, o STF irá se desculpar?”, comentou uma usuária em uma das mensagens viralizadas, se referindo a quando o presidente Jair Bolsonaro associou às vacinas contra covid-19 com o risco de desenvolver aids - afirmação pela qual responde a um inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF).
No entanto, um dos autores da pesquisa publicada na The Lancet, Peter Nordstorm, médico do Departamento de Medicina Comunitária da Suécia e professor da Universidade de Umea, classificou essas afirmações como “desinformação”.
“Não é verdade que nós tenhamos visto um efeito inverso significativo da vacina em nenhum subgrupo”, disse Nordstrom à equipe de checagem da AFP em 15 de dezembro de 2021. O estudo descobriu que “a efetividade das vacinas contra a infecção sintomática por covid-19 diminui progressivamente com o tempo” a diferentes ritmos segundo o subgrupo. O estudo não faz qualquer menção à suposta “vaids”.
Nordstrom acrescentou: “Também é falso afirmar que a vacinação provoque uma erosão imunológica ou uma imunodeficiência adquirida, se é que existe algo assim, segundo nossos dados ou qualquer outro dado que eu tenha conhecimento”.
Pablo Peñaloza-MacMaster, professor assistente de Microbiologia e Imunologia da Faculdade de Medicina Feinberg da Universidade de Northwestern, nos Estados Unidos, concordou: “As vacinas contra a covid-19 não causam imunossupressão”, disse à AFP em 16 de dezembro de 2021.
“Isso é informação falsa, é como dizer que a Terra é plana. Essas vacinas foram administradas a milhões de pessoas em todo o mundo e os dados mostram que são extremamente seguras e eficazes, inclusive em pessoas com doenças pré-existentes ou sistemas imunológicos debilitados”, explicou Peñaloza-MacMaster.
Os Centros para o Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos recomendam a aplicação de doses de reforço devido à diminuição da proteção das vacinas anticovid ao longo do tempo.
Mas essa recomendação “não significa que estejam debilitando o sistema imunológico” de quem as recebe, mas que “é necessária uma terceira dose para otimizar essa resposta” imune, indicou à AFP em 17 de dezembro de 2021 Thomas Russo, chefe da Divisão de Doenças Infecciosas da Faculdade de Medicina e Ciências Biomédicas Jacobs da Universidade de Buffalo, nos Estados Unidos.
Russo acrescentou que “não é verdade que a vacinação provoque” um enfraquecimento do sistema imunológico, mas que, “na verdade, faz o contrário”.
Jason McKnight, professor assistente clínico da Faculdade de Medicina Texas A&M, também desmentiu as publicações viralizadas no último dia 17 de dezembro: “Não existe uma síndrome da imunodeficiência adquirida por vacina ou vaids”. “A afirmação de que a redução dos níveis de anticorpos ao longo dos meses respalda a presença da vaids é falsa; é simplesmente um fenômeno natural que vemos com o sistema imunológico”, acrescentou.
O artigo viralizado ainda afirma que o estudo da The Lancet “demostrou que a proteção contra a covid-19 diminuiu com o tempo, de tal maneira que após seis meses alguns dos grupos vacinados estavam em maior risco do que os não vacinados”.
Embora a pesquisa tenha concluído que a eficácia das vacinas contra a covid-19 “diminui progressivamente com o tempo”, a um “ritmo diferente” dependendo do tipo da vacina, não afirma em nenhum momento que as pessoas não vacinadas tenham menos risco do que as vacinadas. Pelo contrário, diz que os resultados “reforçam a lógica baseada em evidências para a administração de uma terceira dose”.