Publicações compartilhadas mais de 5 mil vezes nas redes sociais desde 19 de janeiro de 2022 afirmam que o “estudo em crianças e jovens é experimental” e tem seu término previsto somente para maio de 2026. Mas, apesar de a data estar correta, as publicações levam a interpretações enganosas, segundo especialistas ouvidos pela AFP. Ainda que a fase 3 não tenha sido formalmente encerrada, para continuar o monitoramento, a vacina pediátrica da Pfizer não pode ser considerada experimental, já que foi superada a fase de desenvolvimento pré-clínico, e seu uso foi autorizado por diversas agências regulatórias ao redor do mundo.
“Esclarecendo, o estudo em crianças e jovens é experimental e tem término previsto SOMENTE para 5 de Maio de 2026: "A Phase 1/2/3 Study to Evaluate the Safety, Tolerability, and Immunogenicity of an RNA Vaccine Candidate Against COVID-19 in Healthy Children and Young Adults", diz um tuíte da médica Nise Yamaguchi, que foi replicado no Twitter (1, 2), no Facebook (1, 2, 3) e no Instagram.
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Polícia de Nova York não prendeu criança por não comprovar vacinação Falas de Robert Malone sobre vacinação em crianças são infundadasVídeo não mostra como Lula está sendo recebido 'por onde passa' atualmenteA pesquisa mencionada tem o título oficial de “PHASE 1, OPEN-LABEL DOSE-FINDING STUDY TO EVALUATE SAFETY, TOLERABILITY, AND IMMUNOGENICITY AND PHASE 2/3 PLACEBO-CONTROLLED, OBSERVER-BLINDED SAFETY, TOLERABILITY, AND IMMUNOGENICITY STUDY OF A SARS-COV-2 RNA VACCINE CANDIDATE AGAINST COVID-19 IN HEALTHY CHILDREN and Young Adults”, e um de seus números de identificação é C4591007.
O estudo foi citado, com esse título e número, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) na página 4 do seu parecer público divulgado ao aprovar o uso de doses pediátricas da vacina da Pfizer em crianças de 5 a 11 anos de idade, o que ocorreu em 16 de dezembro de 2021.
No site Clinical Trials, a data estimada de conclusão do estudo, destacada nas publicações viralizadas, é de fato 5 de maio de 2026.
Segundo Isabella Ballalai, médica pediatra e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), o motivo para esse prazo seria um acompanhamento a longo prazo dos participantes do estudo de fase 3. Esse acompanhamento permitiria, por exemplo, saber por quanto tempo dura a proteção da vacina, entre outros dados, em um processo dinâmico que é considerado “normal e necessário”.
Em setembro de 2021, a Anvisa já havia explicado à AFP que “todos os estudos de fase 3 preveem o monitoramento a longo prazo dos participantes da pesquisa. Formalmente o estudo só termina quando for encerrado o monitoramento dos voluntários”.
Procurada pelo Checamos em janeiro de 2022, a Anvisa negou que a pesquisa seja experimental e reforçou que todos os imunizantes aprovados pela entidade foram submetidos a estudos clínicos de fase 3, “exigidos pelos protocolos sanitários para autorização, tanto registro quanto uso emergencial, atestando a eficácia e a segurança das vacinas”.
Sobre o estudo que embasou a aprovação do uso da vacina da Pfizer em crianças, a agência disse:
“O que a Anvisa considera nas avaliações são os relatórios de estudos clínicos apresentados pelas empresas. Neste caso foi apresentado o relatório do estudo clínico C4591007. A experiência clínica refletida na documentação apresentada à Anvisa representa a avaliação de aproximadamente 3.100 participantes de 5 a 11 anos de idade vacinados, incluindo indivíduos com infecções estáveis e comorbidades comuns que representam características da população do mundo real”.
Os resultados divulgados pela Pfizer para a fase 2/3 do estudo do imunizante em crianças de 5 a 11 anos foram publicados no jornal científico The New England Journal of Medicine em 9 de novembro de 2021.
De maneira semelhante a Ballalai, Juarez Cunha, médico pediatra e presidente da SBIm, disse à AFP que a continuidade desse acompanhamento na fase 3 após a publicação dos resultados iniciais não ocorre somente com as vacinas para crianças e adolescentes, e tampouco somente com a vacina da Pfizer. “Agora, isso não significa que as vacinas são experimentais. Elas são vacinas que já tiveram a sua liberação para uso pelos principais órgãos regulatórios mundiais e pela Organização Mundial da Saúde”, disse. E detalhou:
“Não tem sentido falar que uma vacina seria experimental. A experimental seria, do meu ponto de vista, quando é uma fase de estudo pré-clínico, antes da utilização em humanos”.
Em dezembro de 2021, a SBIm, a Sociedade Brasileira de Pediatria e a Sociedade Brasileira de Infectologia emitiram um posicionamento conjunto a favor da vacinação de crianças com o imunizante da Pfizer. No texto, destacaram uma relação benefício-risco favorável diante da situação epidemiológica, salientando a publicação “de estudos de fase 1/2 e 3 em crianças deste grupo etário” nos quais não foram observados eventos adversos graves associados à vacinação. As entidades também ressaltaram a necessidade de a fabricante manter a vigilância de eventuais efeitos adversos.
Fases de desenvolvimento de uma vacina
Como mencionado por Cunha, as vacinas, como as desenvolvidas contra covid-19, passam por uma fase pré-clínica de pesquisas com animais. Depois disso, os estudos clínicos em humanos são classificados em estudos de Fase I, Fase II e Fase III. A última etapa, a chamada Fase IV, é aquela na qual a vacina é disponibilizada para o público e quando seus efeitos são monitorados na população geral, como explicam o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos Bio-Manguinhos, da Fiocruz, e o Instituto Butantan.
O desenvolvimento de uma vacina é um processo que levaria, em média, dez anos, como explica a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). “Porém, as vacinas contra a COVID-19 são o resultado de anos de pesquisa sobre novas tecnologias e se baseiam nas lições aprendidas ao longo de anos de trabalho para desenvolver vacinas contra SARS e MERS, assim como nas vacinas já disponíveis contra o Ebola”, explica a entidade em sua página na internet.
Em outubro, Rafael Dhalia, doutor em Biologia Molecular e especialista em desenvolvimento de vacinas de DNA pela Fiocruz, já havia explicado ao Checamos que o que ocorreu, de forma excepcional no combate à covid-19, foi a execução simultânea dessas fases. “ o acompanhamento da fase 3 continua. Isso é normal. Então, sim, os estudos de fase 3 continuam em andamento, assim como a fase 4 - que é um outro tipo de monitoramento, dessa vez populacional”.
Além dos dados dessas etapas de pesquisa clínica, Cunha acrescentou que, no caso da imunização em crianças e adolescentes, a relação benefício-risco favorável dos imunizantes é demonstrada não só pelos estudos de fase 1, 2 e 3 como também pelos dados de “vida real” de países onde as doses pediátricas estão sendo utilizadas.
“Então, no caso da Pfizer, os dados que a gente tem disponíveis da utilização nos EUA, com mais de 9 milhões de doses aplicadas, nos mostram uma vacina extremamente segura. Eventos adversos acontecem, mas a grande maioria não tem nada de evento adverso, os que têm são leves a moderados e os eventos adversos graves são raríssimos”, disse.
Procurada pelo Checamos, a Pfizer salientou que a empresa já distribuiu globalmente mais de 2,6 bilhões de doses da vacina ComiRNAty em mais de 166 países e “não há alertas que apontem para qualquer mudança no padrão de segurança do imunizante”. “As agências regulatórias exigem estudos clínicos de fase 1, 2 e 3. Os estudos de fase 3, chamados de pivotais, são os que possibilitam a aprovação do estudo e comercialização do produto. Estudos de fase 4 não são parte da fase de desenvolvimento de vacinas e são feitos pós comercialização de qualquer medicamento ou vacina para acompanhamento do produto”, agregou.
Além da vacina da Pfizer, o imunizante CoronaVac também foi autorizado pela Anvisa para crianças e adolescentes entre 6 e 17 anos em 20 de janeiro de 2022, com base em “estudos clínicos de fase I e II, dados preliminares dos estudos de eficácia, segurança e imunogenicidade (fase III) realizados com 14 mil crianças em cinco diferentes países, e de estudos de efetividade (fase IV) realizados com milhões de crianças no Chile”.
O Checamos já verificou alegações similares sobre as vacinas anticovid, que afirmam que os imunizantes seriam “experimentais”, e sobre seu uso em crianças e adolescentes (1, 2, 3).
Esta verificação foi realizada com base em informações científicas e oficiais sobre o novo coronavírus disponíveis na data desta publicação.