Publicações viralizadas nas redes sociais, ao menos desde fevereiro de 2021, compartilham um trecho da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de 1992, que aconteceram em Barcelona, na Espanha. O registro, visualizado mais de 4 mil vezes, mostra uma parte do evento em que são exibidas agulhas, seringas e esqueletos. Segundo as publicações, isso provaria que a pandemia de covid-19 foi planejada. No entanto, a afirmação é falsa. O tema do ato de abertura daquele ano foi “O mar Mediterrâneo”, e o espetáculo não tinha relação com a crise sanitária de saúde que teve início no final de 2019.
“Abertura das Olimpíadas de 1992 de Barcelona. Olha o Covid aí gente. O vídeo será apagado pelo Facebook. Quem poder salvar fica a vontade”, diz uma das publicações que circulam no Facebook (1, 2, 3, 4, 5) , junto a um trecho de pouco mais de dois minutos da cerimônia.
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No entanto, afirmar que essa cerimônia prova que a pandemia de covid-19 foi planejada está errado. Na verdade, o evento buscou recriar o nascimento da cidade que sediou os Jogos Olímpicos daquele ano.
O tema da cerimônia: “O mar Mediterrâneo”
Os Jogos Olímpicos de 1992, realizados na cidade de Barcelona de 25 de julho a 9 de agosto, foram os primeiros a serem organizados na Espanha. O evento foi um marco histórico, já que pela primeira vez desde 1972, todos os países do Comitê Olímpico Internacional (COI) participaram após quatro eventos marcados por boicotes.
O ato de abertura, realizado em 25 de julho de 1992, foi dirigido pelo grupo teatral catalão La Fura dels Baus. O vídeo compartilhado nas redes sociais não traz a versão completa do registro, mas sim fragmentos e sequências que podem ser localizadas a partir do minuto 45 da cerimônia, disponível no canal dos Jogos Olímpicos no YouTube. Registros daquele dia também foram publicados pela AFP e outras agências como Getty Images ou Alamy.
O Fura dels Baus é um grupo de teatro conhecido por seu estilo inovador e por incorporar o uso de novas tecnologias em suas performances. Este grupo de criadores é pioneiro na reconceitualização de duas das vertentes mais significativas da arte dramática: o espaço teatral, que redefinem deslocando-o para espaços não convencionais, e o público, mudando o seu papel de passivo para ativo nas encenações (conhecido como quebrar a "quarta parede", na qual uma parede imaginária que separa os atores do público passa a não existir, tornando-os também parte do espetáculo).
De acordo com o site da companhia, a exibição realizada durante os Jogos Olímpicos de 1992 foi chamada de "Mediterrâneo, Mar Olímpico" e contava a história da jornada de Jasão e dos Argonautas até os Pilares de Hércules, que, segundo a mitologia clássica, seria a porta de entrada para o mundo desconhecido.
“No decorrer da viagem que se realizava no Estádio Olímpico, os Argonautas enfrentaram, na melhor tradição clássica, as fúrias que representavam a guerra, a poluição, a fome e a doença” explica o grupo em seu site. O Fura dels Baus ainda afirma na sinopse da obra que “o ápice do espetáculo aconteceu quando Hércules, após atravessar o recinto, separou as colunas e permitiu que o mar, formado por centenas de pessoas, fluísse e inundasse o desconhecido, numa clara alegoria do encontro entre culturas, raças e povos.”
Um conceito universal
A AFP entrou em contato com o grupo La Fura dels Baus para verificar se os elementos usados na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de 1992 tinham alguma relação com a pandemia de covid-19.
“Nossa atuação na abertura dos Jogos Olímpicos não tem nada a ver com a pandemia do coronavírus. Nesta performance abordamos os grandes males da humanidade”, disse à AFP Carlus Padriss, um dos diretores do grupo, em entrevista em 11 de janeiro de 2022. Padriss foi um dos responsáveis por montar a coreografia exibida durante o evento ocorrido há quase 30 anos.
“A performance consistia em um navio que representava a humanidade que estava sendo atacada pelo mar que continha os grandes males da sociedade: guerra, doença e poluição”, explicou. Padriss ainda afirmou que “as figuras simbolizam os males que a humanidade deve enfrentar enquanto toda a sociedade viaja junta no mesmo barco” .
Quando questionado se a imagem que se assemelhava a um vírus teria alguma ligação com a pandemia de SARS-CoV-2, o grupo teatral explicou que a referência na representação foi “o vírus da Aids, que afetou a população nos anos 1980 e início dos anos 1990”. "Os vírus são muito semelhantes quando se trata de representá -los", disse Padrissa à AFP.
Na cerimônia de abertura "simbolizamos os principais problemas do ser humano como espécie". No entanto, “a história do espetáculo teve um final feliz, pois o navio chegou a um porto iluminado pelos raios do sol e a cidade foi fundada”, explicou Padrissa.
O grupo de teatro disse ainda à AFP que o objetivo da apresentação era “fazer um espetáculo humanista e universal”. Questionado sobre as publicações nas redes sociais, o codiretor da peça afirmou: “ficamos surpresos ao saber que essa atuação está sendo relacionada à pandemia. A nossa iconografia é universal, já que problemas globais como o coronavírus, desigualdades ou a emergência climática afetam a todos que precisam remar na mesma direção” . "Não somos Nostradamus de forma alguma, somos criadores artísticos" , finalizou.
O nome do mascote
Algumas das publicações em espanhol destacam um outro elemento que provaria a relação entre o evento e a pandemia de covid-19: o nome do mascote daquele ano. “É só olhar para as Olimpíadas de 1992, o mascote oficial se chamava COBI, não é muita coincidência, e foi em 1992, que por acaso COBI 19, os 2 primeiros números do ano”, diz o texto sobreposto em algumas versões da peça de desinformação.
Cobi foi o mascote oficial dos Jogos Olímpicos de 1992, e seu nome é uma alusão a COOB'92, abreviação de Comitê Organizador Olímpico de Barcelona 1992. O nome foi escolhido por ser simples e fácil de pronunciar na maioria dos idiomas, de acordo com as informações disponibilizadas no site oficial dos Jogos Olímpicos.
Cobi faz referência ao cão da raça pastor catalão, desenhado em estilo semelhante à forma humana e com estilo cubista pelo artista e designer espanhol Javier Mariscal. Cobi foi apresentado publicamente cinco anos antes do evento em Barcelona, em 1987, ano em que se iniciou a construção da Vila Olímpica na cidade espanhola.
A AFP também classificou como falsas publicações compartilhadas nas redes sociais sugerindo que os Jogos Olímpicos de Londres 2012 teriam feito um prenúncio da pandemia de covid-19. Não é a primeira vez que circulam informações falsas dizendo que a pandemia de covid-19 teria sido planejada (1, 2).