Publicações compartilhadas mais de 50 mil vezes nas redes sociais desde 2 de fevereiro de 2022 asseguram que o ex-presidente Luiz Inácio da Silva (PT) afirmou durante uma entrevista que irá “implementar o regime comunista da China no Brasil se for eleito” novamente para ocupar o Palácio do Planalto.
“Lula anuncia que, se eleito, vai implantar regime comunista da China, no Brasil, já em 2023”, diz a descrição de um dos vídeos compartilhados no Facebook (1, 2, 3). Peça de desinformação com teor semelhante também circula no Twitter (1, 2) e Instagram.
“Lula elogia a ditadura comunista da China como se fosse o melhor dos mundos. É isso que aguarda o Brasil com a volta do PT: DITADURA!”, diz outra publicação embasada no mesmo vídeo.
Na gravação que circula nas redes, Lula é ouvido dizendo: “A China é resultado de uma revolução de 1949 do Mao Tsé-tung. A China tem um partido que tem poder, tem um Estado forte que toma decisões e que as pessoas cumprem, coisa que nós não temos aqui no Brasil. Por exemplo, a China só conseguiu combater o coronavírus com a rapidez que ela combateu porque tem um partido forte. Porque tem um Estado forte. Porque tem pulso, tem voz de comando. Nós não temos isso aqui no Brasil”.
Em seguida, ele parece completar: “Eu pensava muito na minha relação com a China. Eu achava que a gente deveria ter construído uma parceria estratégica. A China é um exemplo para o mundo, mas eu tenho muita fé, muita esperança, de que nós vamos fazer isso a partir de 2022.”
No entanto, na sequência percebem-se cortes nas cenas.
Entrevista à veículo chinês
Uma busca reversa por uma captura de tela do vídeo compartilhado leva à gravação original, publicada em julho de 2021 pelo veículo chinês Guancha, ao qual o ex-presidente concedeu uma entrevista. O vídeo também foi difundido no canal do YouTube do petista.
O AFP Checamos assistiu à íntegra da entrevista e constatou que fragmentos da peça foram trocados de lugar no conteúdo viralizado.
Na entrevista, Lula realmente elogia as ações de combate ao coronavírus adotadas pela China. A partir de 17 minutos e 15 segundos, o petista opina que essas medidas só foram possíveis porque o partido chinês tem “poder, um Estado forte, que toma decisões e as pessoas cumprem”, o que atribui à revolução de 1949 de Mao Tsé-tung
No entanto, a parte em que o ex-presidente diz ter esperança de fazer o mesmo “a partir de 2022” não veio após essa frase, como no vídeo compartilhado nas redes.
O trecho verdadeiro começa a partir de 21 minutos e 5 segundos, quando Lula comenta sobre a distribuição de riqueza no mundo e da dependência dos países do sul global, como o Brasil e China, dos países mais ricos.
“A China é um exemplo de desenvolvimento para o mundo e eu espero que outros países aprendam a lição com a China para que a gente possa ser mais rico, ser mais forte, ter mais distribuição de riqueza e ter um mundo mais humano. Eu trabalhei muito com o Hu Jintao a necessidade de uma relação sul-sul, não ficar dependente do norte como nós somos dependentes. Lamentavelmente a gente não conseguiu chegar lá, mas eu tenho muita fé, muita esperança de que nós vamos conseguir fazer isso a partir de 2022”, disse Lula ao falar sobre a dependência dos países em desenvolvimento da política cambial influenciada pela alta volatilidade do dólar frente ao real e sua influência no comércio exterior.
Além disso, ao contrário do que os posts virais sugerem, em nenhum momento da entrevista o ex-presidente declarou que, caso seja eleito em 2022, vai implantar o regime comunista no Brasil.
O AFP Checamos fez uma busca no Google pelas palavras-chave contidas na descrição do vídeo e tampouco encontrou registros de que Lula tenha dado a declaração em outro momento. Além disso, buscas pelos mesmos termos no Twitter, Facebook, sites do Instituto Lula e do Partido dos Trabalhadores (PT) não ofereceram resultados.
Procurada pelo AFP Checamos, a assessoria do ex-mandatário afirmou que: “o ex-presidente jamais fez essa afirmação”.