Dois vídeos de pessoas cujos narizes ficaram supostamente “magnetizados” após a realização de um exame para diagnóstico da covid-19 do tipo PCR foram visualizados mais de 152 mil vezes desde pelo menos 2 de fevereiro de 2022.
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Estudo não testou eficácia da ivermectina contra a COVID-19 em humanosAgências dos EUA não descartaram uso de teste RT-PCR para detectar COVID-19“Acabei de fazer o teste do imã no meu nariz onde teve contato com o teste do PCR. Me falem se isso é normal?”, diz uma das gravações compartilhadas no Twitter e Facebook, na qual uma mulher mostra um ímã e uma moeda que supostamente ficam presos por atração magnética na região do nariz. Vídeo semelhante, em que outra pessoa coloca um ímã no mesmo lugar, também foi compartilhado em tuítes (1, 2) e no Facebook (1, 2).
Conteúdo similar circulou em espanhol e em coreano.
Os testes feitos com método RT-PCR são os exames recomendados para o diagnóstico da covid-19. A sigla, em inglês, pode ser traduzida como “transcrição reversa seguida de reação em cadeia da polimerase”. Trata-se de um “tipo de teste que se baseia na detecção de fragmentos do material genético do vírus e revela se a pessoa está doente no momento da realização do exame”, como explica a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O exame é feito a partir da coleta de secreções na região nasofaríngea por meio de um swab (cotonete longo e estéril).
Flávio Fonseca, virologista da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, reforçou ao Checamos que somente o swab, ou cotonete, entra em contato com uma pessoa durante a realização de um teste PCR e que o exame não tem relação com o fenômeno mostrado nos vídeos.
“O RNA do vírus (o material genético do SARS-CoV-2) é coletado pelo cotonete e depois (...), resumidamente, o RNA extraído após a coleta é transformado em DNA, que é ampliado utilizando fitas de DNA simples. Este material amplificado é comparado ao material genético do vírus original e, se for positivo, a pessoa está infectada com o coronavírus. Os testes mais tradicionais não usam nanopartículas magnéticas em nenhum momento”, acrescentou Luiz Carlos Dias, professor do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro da força-tarefa da Unicamp no combate à covid-19. “Em alguns testes, é apenas na etapa pós-coleta que se usam nanopartículas magnéticas que têm uma afinidade pelo RNA, apenas para auxiliar na parte de extração do RNA do vírus”, detalhou.
Do que são feitos os cotonetes?
“Parecido com um cotonete, o swab estéril possui a ponta branca de fibra sintética e uma haste de plástico. A ponta branca contém rayon de grau médico atóxico sem material fluorescente impedindo assim interferência na detecção do PCR viral”, disse Dias, reforçando que não existem nanopartículas magnéticas nem na ponta e nem na haste do cotonete. “Nenhum elemento da composição química dos cotonetes em uso tem essa capacidade, essa propriedade magnética”.
“Os swabs são, em sua ampla maioria, polímeros convencionais (poliéster/dácron ou de impressão 3D) com haste em polipropileno, poliestireno etc”, afirmou à AFP a doutora em Química Margot Paulino, diretora de experimentação da Faculdade de Química da Universidade da República (Udelar), no Uruguai, cuja equipe desenvolveu swabs para testes de PCR destinados a detectar o coronavírus.
“Não há razão para que exista material magnetizável nos swabs”, disse. “Pode ocorrer que em algum processo de flocagem, no caso de swabs de fibra (sintética), e enrolamento, no caso de swabs convencionais, algumas partículas metálicas possam ser arrastadas, que nem sempre são magnéticas. Mas sua proporção é muito baixa: isso jamais pode explicar o suposto magnetismo visto nos vídeos”, agregou Paulino.
Procurada pelo Checamos, a Anvisa afirmou em 7 de fevereiro de 2022 que a informação veiculada nos vídeos não procede e reforçou:
“Os swabs são feitos de polímeros sem propriedades magnéticas”.
Sem nanopartículas magnéticas e sem sentido
“Um pouco de nanopartículas de ferro ou outro metal magnético, ou de óxidos magnéticos de Fe, Co etc., não poderiam suportar o peso de um pequeno ímã como aquele mostrado nem de um corpo ferromagnético de dimensões similares”, explicou à AFP Francisco Sánchez, professor titular do departamento de Física da Universidade Nacional de La Plata (Argentina), investigador superior do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (Conicet) e diretor do Grupo de Magnetismo e Materiais Magnéticos (G3M).
“Para que o ímã aderisse ao nariz mediante força magnética, seria necessário colocar dentro do nariz muitas nanopartículas, outro ímã, ou um pedacinho de ferro ou de aço, por exemplo. Estimo que isso seria muito incômodo e perigoso”, advertiu Sánchez para uma checagem anterior.
Com ele concordou o físico uruguaio Nicolás Wschebor, que explicou à AFP que o tamanho, a forma e o peso de um cotonete impedem que seja viável incluir nele “material magnético com os volumes necessários para gerar um efeito significativo de magnetização no rosto”.
Wschebor acrescentou que existem nanopartículas com propriedades magnéticas grandes, mas “nunca suficientemente grandes para fazer com que através de um cotonete ou seringa sejam gerados efeitos macroscópicos magnéticos no rosto ou no braço. Isso não é viável”.
Cintia Meiorin, doutora em Ciência dos Materiais e investigadora do Conicet, decidiu fazer o teste mostrado nas publicações virais em si mesma e conta:
“Se você apoiar um botão ou qualquer outra coisa não magnética, acontece o mesmo que se vê nos vídeos. Os pequenos ímãs ficam grudados por conta da forma do rosto e da oleosidade da pele”.
De forma semelhante, Sánchez explicou que: “O ímã é plano e fino, ou seja, suas faces possuem uma superfície significativa em relação a seu peso. Com a oleosidade natural da pele, que geralmente fica no nariz, é muito fácil deixar grudado um desses ímãs na parte superior e na lateral do nariz. O mesmo acontece com um botão ou qualquer outro corpo plano e fino de pequenas dimensões. Qualquer um pode fazer a prova. Isso sim, sem lavar o rosto, porque o sabão tira a oleosidade, e o truque já não funciona”.
Essa também é a explicação de Mick West, autor científico britânico-norte-americano que publicou um vídeo em Metabunk.org, um site dedicado a verificar afirmações pseudocientíficas.
West classifica a teoria da magnetização como uma “nova versão de um velho truque de carnaval” e demonstra que ímãs, moedas ou outros objetos lisos aderem a várias partes do corpo, incluindo o nariz, se a pele estiver ligeiramente oleosa. “Retire o óleo, e o objeto não grudará”, diz.
Ao longo da pandemia de covid-19, o Checamos já verificou outras peças de desinformação semelhantes, relacionadas às vacinas contra o SARS-CoV-2 (1, 2, 3).
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