Jornal Estado de Minas

CHECAMOS

Imagem de campo de concentração nazista é incorretamente associada a comunismo na Ucrânia

Publicações que relacionam uma fotografia de um grupo de pessoas nuas e com os ossos aparentes com a alegação de que o registro mostra ucranianos durante o regime comunista somam mais de 9,8 mil interações nas redes sociais ao menos desde o último dia 11 de fevereiro.



Mas isso é falso. A imagem retrata prisioneiros no campo de concentração nazista de Mauthausen, na Áustria. Ela faz parte de um conjunto de negativos fotográficos retirados do campo pelos detentos, como confirmou o Mauthausen Memorial à AFP.

“Não é Auschwitz… São ucranianos, sob o regime comunista, 7.000.000 de mortos. O Holodomor não é abordado nas aulas de história. Por quê?”, diz o texto sobreposto à imagem que circula no Instagram, Facebook (1, 2) e Twitter (1, 2).

Em uma busca reversa pela imagem viral usando a ferramenta Google Lens, o Checamos encontrou o título do documentário “Noite e neblina”, feito durante a década de 1950 e dirigido pelo francês Alain Resnais, que também realizou os longas-metragens “Hiroshima, meu amor” e “Muriel”.



O curta-metragem, de cerca de 30 minutos de duração, foi feito para marcar o décimo aniversário da libertação dos prisioneiros dos campos de concentração nazistas. O filme utiliza imagens de arquivo em preto e branco, assim como imagens coloridas capturadas por Resnais em diversos locais onde funcionaram os campos. O diretor teve que fazer frente à comissão francesa de classificação, que queria retirar alguns trechos do documentário, e foi alvo de uma questão diplomática entre França e Alemanha.

A imagem viralizada aparece aos 14 minutos e 30 segundos do curta, que pode ser encontrado no YouTube e na plataforma de streaming espanhola Filmin

Uma segunda busca reversa pela imagem, realizada por meio da ferramenta InVid-WeVerify*, direcionou ao Arquivo Federal alemão, onde são dados mais detalhes sobre o registro viral.



De acordo com o repositório, a fotografia foi tirada no campo de concentração de Mauthausen, na Áustria. Capturada aproximadamente entre 1941 e 1944, a imagem retrata “prisioneiros de guerra soviéticos em frente ao quartel”, segundo a instituição.

O Arquivo Federal alemão indica que o negativo da imagem pode ser encontrado no Museu d’Història de Catalunya, mas essa instituição, contatada pela AFP,  negou tê-lo em seu repositório sobre o campo de concentração de Mauthausen. 

A equipe de checagem da AFP entrou em contato com o Mauthausen Memorial, cujo chefe de coleções, Ralf Lechner, afirmou que “a foto é comprovadamente do campo de concentração de Mauthausen e não tem nenhuma conexão com o Holodomor”.



Lechner indicou também que se trata de um “dos negativos fotográficos contrabandeados para fora do campo pelos detentos”, mas que “a identidade dos fotografados não pode mais ser determinada; eles foram transportados do STALAG IV B (Neu-Versen na Baixa Saxônia) para o campo de concentração de Mauthausen”.

O chefe de coleções do Mauthausen Memorial ainda assinalou que uma impressão da foto viral “foi apresentada como prova pelo ex-prisioneiro Francesc Boix no julgamento por crimes de guerra de Nuremberg, em 29 de janeiro de 1946. De acordo com seu depoimento, a fotografia mostra os últimos 30 prisioneiros vivos de um transporte de 2.000 prisioneiros de guerra soviéticos”.

Um homem caminha através do portão principal do antigo campo de concentração nazista de Mauthausen, no norte da Áustria, em 28 de abril de 2015 (foto: ( AFP / Joe Klamar))

As fotos do campo de concentração de Mauthausen


A fotografia também aparece atribuída a esse campo de concentração em outros registros.



A televisão pública espanhola divulgou em 2021 um documentário francês, disponível no YouTube, que mostra igualmente a foto dos prisioneiros ao falar sobre o campo de concentração de Mauthausen. 

O documentário explica como alguns presos no campo conseguiram retirar os negativos de mais de 2.000 fotografias do laboratório do local e colocá-los em segurança graças à colaboração de uma combatente da resistência austríaca, Anna Pointner. O governo nazista havia ordenado destruir todos os negativos das fotos tiradas nos campos para apagar as evidências dos crimes cometidos. 

O “Holodomor” ao qual as publicações virais se referem consistiu em uma crise que matou de fome milhões de ucranianos durante o regime comunista soviético, entre 1932 e 1933 (1, 2). Nesse contexto, ocorreram simultaneamente prisões e campanhas de intimidação contra intelectuais, escritores, artistas e líderes religiosos considerados ameaçadores aos valores do regime.

*Uma vez instalada a extensão InVid-WeVerify no navegador Chrome, clica-se com o botão direito sobre a imagem e o menu que aparece oferece a possibilidade de pesquisa da mesma em vários buscadores.