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Estado de Minas CHECAMOS

A OMS não se desculpou por não ter recomendado hidroxicloroquina e azitromicina contra a covid-19

Conteúdo circula, pelo menos, desde 2020. Nele, apresentador de TV, apoiador de Bolsonaro faz a afirmação enganosa


22/02/2022 17:31 - atualizado 23/02/2022 10:50

Um vídeo em que o apresentador Sikêra Júnior afirma que a Organização Mundial da Saúde (OMS) teria vindo a público pedir desculpas por não ter recomendado o uso da hidroxicloroquina e da azitromicina em pacientes com covid-19 teve cerca de 15 mil compartilhamentos em redes sociais desde 13 de fevereiro de 2022.

O conteúdo circula, pelo menos, desde 2020. Contudo, o órgão jamais fez esse pronunciamento e continua sem indicar tais remédios para o combate do coronavírus.

“Interessante ver a Organização Mundial da Saúde pedindo desculpas porque não autorizou o uso da cloroquina, da azitromicina. Que covardes! Muita gente morreu por causa de vocês”, diz o apresentador Sikêra Júnior no vídeo compartilhado no Facebook (1, 2, 3) e Twitter (1, 2).
Captura de tela feita em 17 de fevereiro de 2022 de uma publicação no Facebook
Captura de tela feita em 17 de fevereiro de 2022 de uma publicação no Facebook ( . / )

Uma busca reversa de fotogramas da gravação - que é um trecho do programa Alerta Amazonas, da TV A Crítica - mostra que as imagens começaram a circular em junho de 2020. Na época, o conteúdo chegou a ser compartilhado pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL), no Twitter. "O golpe da pandemia", por @sikerajr . Tá errado?”, escreveu o filho do presidente Jair Bolsonaro (PL).

O período em que o vídeo começou a circular coincide com a data de uma coletiva de imprensa em que o diretor-executivo do Programa de Emergências da OMS, Michael Ryan, mencionou um dos remédios citados nas publicações e pediu desculpas. Mas a declaração do oficial da OMS não possui mais nenhuma semelhança com o alegado nas redes.

Origem da desinformação

Em 5 de junho de 2020, Michael Ryan foi questionado sobre mudanças em pesquisas científicas que poderiam parecer “conflitantes” para o público leigo, como a retratação de um estudo da revista The Lancet que havia indicado que o uso da hidroxicloroquina ou da cloroquina não trazia nenhum benefício contra a covid-19 e ainda poderia gerar um risco de cardíaco.

O resultado do estudo motivou a OMS a suspender temporariamente seu ensaio clínico com a hidroxicloroquina por questões de segurança, em 25 de maio de 2020. Pouco tempo depois, no entanto, a conclusão da pesquisa precisou ser retirada da The Lancet devido a problemas com a base de dados utilizada para fundamentar a análise. Com isso, o ensaio clínico da OMS foi retomado em junho de 2020.

No começo da crise sanitária a OMS lançou uma iniciativa chamada Solidarity (Solidariedade) com o objetivo de identificar se medicamentos já fabricados, inclusive a hidroxicloroquina, poderiam ser usados para neutralizar o vírus. No entanto, até o momento não existe eficácia comprovada dos medicamentos na prevenção ou tratamento da doença.

“A OMS e OPAS [Organização Pan-Americana da Saúde] continuam a analisar as evidências produzidas sobre o tema, de modo a prover os países e suas populações com informações baseadas na ciência”, afirmou a assessoria de imprensa da OPAS à AFP no dia 16 de fevereiro de 2022.

Em resposta ao jornalista na coletiva em 5 de junho de 2020, Ryan defendeu a atitude tomada pela OMS explicando que o órgão se baseou em uma revista científica “confiável” que publica artigos revisados por pares que, em sua grande maioria, não são retratados. Mas, destacou o diretor-executivo do Programa de Emergências da OMS, quando há problemas com os dados que embasaram um estudo, “o correto é que o jornal retire o artigo”.

“Isso é fazer a coisa certa. Eu sei que isso às vezes pode dar a impressão de que a comunidade científica está confusa ou dando mensagens contraditórias e por isso nós todos pedimos desculpas coletivamente a todos vocês, mas devemos seguir a ciência, devemos seguir as evidências e estamos absolutamente dedicados a garantir que as pessoas que entram em ensaios clínicos estão entrando em ensaios seguro”, afirmou Ryan.

O pedido de desculpas do oficial da OMS não foi, portanto, por não ter recomendado o uso da hidroxicloroquina ou da azitromicina contra a covid-19.

Uma busca por palavras-chave também não localiza nenhuma publicação recente do órgão “se desculpando” por não recomendar os medicamentos para tratar a covid-19.

Ao AFP Checamos, a assessoria da OPAS, organização internacional de saúde pública dependente da OMS, negou que tenha aconselhado o uso desses medicamentos contra o coronavírus.

“Essa informação é falsa. Não houve qualquer pedido de desculpas. A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) não recomendam o uso de hidroxicloroquina e azitromicina para profilaxia ou tratamento de pessoas com COVID-19, por falta de evidências robustas que demonstrem a eficácia desses medicamentos contra a COVID-19”, afirmou.

A versão mais recente do relatório “Atualização contínua da terapia potencial COVID-19: resumo de revisões sistemáticas rápidas”, publicada em 26 de janeiro de 2022 pela OMS e pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), afirma que estudos preliminares não mostraram benefícios do uso da hidroxicloroquina e da azitromicina em pacientes com a doença.

“A OMS e OPAS continuam a analisar as evidências produzidas sobre o tema, de modo a prover os países e suas populações com informações baseadas na ciência”, acrescentou a assessoria do órgão ao Checamos.

A ivermectina é um medicamento utilizado no tratamento de doenças infecciosas, como sarna, oncocercose ou piolhos. Já a hidroxicloroquina, derivada da cloroquina, é usada para tratar enfermidades como malária, lúpus e artrite reumatoide. Desde o início da pandemia, estudos têm sido realizados para analisar se o uso de ivermectina e hidroxicloroquina em indivíduos infectados pelo SARS-CoV-2 traria algum benefício contra a doença. No entanto, até o momento, não há estudos suficientes que comprovem o benefício da ivermectina e hidroxicloroquina na prevenção ou tratamento em qualquer estágio da covid-19.

Artigo publicado pela OMS em 2 de março de 2021“faz uma recomendação forte contra o uso de hidroxicloroquina” na prevenção da doença, após a análise de seis estudos.

Embora um estudo australiano publicado em abril de 2020 tenha observado uma eficácia in vitro (laboratório) da ivermectina contra o vírus SARS-CoV-2, sua eficácia em humanos ainda não foi comprovada. Em 31 de março de 2021, a OMS emitiu um outro documento, desta vez sobre a administração da ivermectina em infectados pelo novo coronavírus, e aconselhou a não usar o remédio em pacientes com covid-19, exceto no contexto de um ensaio clínico.

A AFP já publicou outras verificações mostrando que esses medicamentos não são eficazes contra a covid (1, 2, 3).

Peça de desinformação semelhante também foi verificada pelo projeto Comprova (do qual o AFP Checamos faz parte) e pelo Aos Fatos.

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