Um vídeo em que o apresentador Sikêra Júnior afirma que a Organização Mundial da Saúde (OMS) teria vindo a público pedir desculpas por não ter recomendado o uso da hidroxicloroquina e da azitromicina em pacientes com covid-19 teve cerca de 15 mil compartilhamentos em redes sociais desde 13 de fevereiro de 2022.
“Interessante ver a Organização Mundial da Saúde pedindo desculpas porque não autorizou o uso da cloroquina, da azitromicina. Que covardes! Muita gente morreu por causa de vocês”, diz o apresentador Sikêra Júnior no vídeo compartilhado no Facebook (1, 2, 3) e Twitter (1, 2).
Uma busca reversa de fotogramas da gravação - que é um trecho do programa Alerta Amazonas, da TV A Crítica - mostra que as imagens começaram a circular em junho de 2020. Na época, o conteúdo chegou a ser compartilhado pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL), no Twitter. "O golpe da pandemia", por @sikerajr . Tá errado?”, escreveu o filho do presidente Jair Bolsonaro (PL).
O período em que o vídeo começou a circular coincide com a data de uma coletiva de imprensa em que o diretor-executivo do Programa de Emergências da OMS, Michael Ryan, mencionou um dos remédios citados nas publicações e pediu desculpas. Mas a declaração do oficial da OMS não possui mais nenhuma semelhança com o alegado nas redes.
Origem da desinformação
Em 5 de junho de 2020, Michael Ryan foi questionado sobre mudanças em pesquisas científicas que poderiam parecer “conflitantes” para o público leigo, como a retratação de um estudo da revista The Lancet que havia indicado que o uso da hidroxicloroquina ou da cloroquina não trazia nenhum benefício contra a covid-19 e ainda poderia gerar um risco de cardíaco.O resultado do estudo motivou a OMS a suspender temporariamente seu ensaio clínico com a hidroxicloroquina por questões de segurança, em 25 de maio de 2020. Pouco tempo depois, no entanto, a conclusão da pesquisa precisou ser retirada da The Lancet devido a problemas com a base de dados utilizada para fundamentar a análise. Com isso, o ensaio clínico da OMS foi retomado em junho de 2020.
No começo da crise sanitária a OMS lançou uma iniciativa chamada Solidarity (Solidariedade) com o objetivo de identificar se medicamentos já fabricados, inclusive a hidroxicloroquina, poderiam ser usados para neutralizar o vírus. No entanto, até o momento não existe eficácia comprovada dos medicamentos na prevenção ou tratamento da doença.
“A OMS e OPAS [Organização Pan-Americana da Saúde] continuam a analisar as evidências produzidas sobre o tema, de modo a prover os países e suas populações com informações baseadas na ciência”, afirmou a assessoria de imprensa da OPAS à AFP no dia 16 de fevereiro de 2022.
Em resposta ao jornalista na coletiva em 5 de junho de 2020, Ryan defendeu a atitude tomada pela OMS explicando que o órgão se baseou em uma revista científica “confiável” que publica artigos revisados por pares que, em sua grande maioria, não são retratados. Mas, destacou o diretor-executivo do Programa de Emergências da OMS, quando há problemas com os dados que embasaram um estudo, “o correto é que o jornal retire o artigo”.
“Isso é fazer a coisa certa. Eu sei que isso às vezes pode dar a impressão de que a comunidade científica está confusa ou dando mensagens contraditórias e por isso nós todos pedimos desculpas coletivamente a todos vocês, mas devemos seguir a ciência, devemos seguir as evidências e estamos absolutamente dedicados a garantir que as pessoas que entram em ensaios clínicos estão entrando em ensaios seguro”, afirmou Ryan.
O pedido de desculpas do oficial da OMS não foi, portanto, por não ter recomendado o uso da hidroxicloroquina ou da azitromicina contra a covid-19.
Uma busca por palavras-chave também não localiza nenhuma publicação recente do órgão “se desculpando” por não recomendar os medicamentos para tratar a covid-19.
Ao AFP Checamos, a assessoria da OPAS, organização internacional de saúde pública dependente da OMS, negou que tenha aconselhado o uso desses medicamentos contra o coronavírus.
“Essa informação é falsa. Não houve qualquer pedido de desculpas. A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) não recomendam o uso de hidroxicloroquina e azitromicina para profilaxia ou tratamento de pessoas com COVID-19, por falta de evidências robustas que demonstrem a eficácia desses medicamentos contra a COVID-19”, afirmou.
A versão mais recente do relatório “Atualização contínua da terapia potencial COVID-19: resumo de revisões sistemáticas rápidas”, publicada em 26 de janeiro de 2022 pela OMS e pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), afirma que estudos preliminares não mostraram benefícios do uso da hidroxicloroquina e da azitromicina em pacientes com a doença.
“A OMS e OPAS continuam a analisar as evidências produzidas sobre o tema, de modo a prover os países e suas populações com informações baseadas na ciência”, acrescentou a assessoria do órgão ao Checamos.
A ivermectina é um medicamento utilizado no tratamento de doenças infecciosas, como sarna, oncocercose ou piolhos. Já a hidroxicloroquina, derivada da cloroquina, é usada para tratar enfermidades como malária, lúpus e artrite reumatoide. Desde o início da pandemia, estudos têm sido realizados para analisar se o uso de ivermectina e hidroxicloroquina em indivíduos infectados pelo SARS-CoV-2 traria algum benefício contra a doença. No entanto, até o momento, não há estudos suficientes que comprovem o benefício da ivermectina e hidroxicloroquina na prevenção ou tratamento em qualquer estágio da covid-19.
Artigo publicado pela OMS em 2 de março de 2021“faz uma recomendação forte contra o uso de hidroxicloroquina” na prevenção da doença, após a análise de seis estudos.
Embora um estudo australiano publicado em abril de 2020 tenha observado uma eficácia in vitro (laboratório) da ivermectina contra o vírus SARS-CoV-2, sua eficácia em humanos ainda não foi comprovada. Em 31 de março de 2021, a OMS emitiu um outro documento, desta vez sobre a administração da ivermectina em infectados pelo novo coronavírus, e aconselhou a não usar o remédio em pacientes com covid-19, exceto no contexto de um ensaio clínico.
A AFP já publicou outras verificações mostrando que esses medicamentos não são eficazes contra a covid (1, 2, 3).
Peça de desinformação semelhante também foi verificada pelo projeto Comprova (do qual o AFP Checamos faz parte) e pelo Aos Fatos.
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