Uma fotografia de duas crianças de costas acenando para tanques de guerra com a bandeira ucraniana foi compartilhada mais de 5 mil vezes nas redes sociais desde 24 de fevereiro de 2022, dia do início da invasão russa na Ucrânia.
Segundo as publicações, as crianças ucranianas cumprimentavam os soldados enquanto eles se dirigiam para combater o exército russo. No entanto, embora a imagem realmente mostre soldados ucranianos, a foto circula ao menos desde 2016.
“Roman Yaremchuk, avançado ucraniano do Benfica, recorreu às redes sociais para partilhar uma imagem comovente, onde é possível ver duas crianças, de mãos dadas, a despedirem-se de soldados ucranianos, que partiam para a defesa do território da invasão russa”, diz a legenda de uma publicação no Facebook, feita no dia do início do confronto, citando o que seria uma postagem nos stories do Instagram do jogador de futebol ucraniano Roman Yaremchuk.
A imagem das duas crianças supostamente se despedindo de soldados rumo ao conflito russo-ucraniano também circula no Twitter (1, 2).
Contudo, não é possível verificar se de fato Roman Yaremchuk fez a publicação em sua página na rede social, já que essa plataforma não permite a consulta do histórico deste formato visual para os seguidores, apenas o dono da conta tem acesso ao arquivo, que desaparece do perfil após 24 horas. Além disso, não há registros de posts recentes com esta imagem na galeria de imagens do perfil do jogador ucraniano. O print compartilhado exibe o mesmo nome de usuário do seu perfil verificado no Instagram, mas a imagem do perfil exibida na plataforma mostra uma configuração diferente da exibida no print viralizado.
A fotografia mostra duas crianças de mãos dadas de costas. A criança que aparece à direita da imagem parece estar saudando as tropas que passam em tanques militares. O registro que circula mostra os veículos blindados carregando bandeiras ucranianas e com fumaça ao fundo.
A ferramenta de monitoramento de redes sociais CrowdTangle mostrou que a imagem foi compartilhada em publicações semelhantes em diversos idiomas, como inglês, espanhol, francês, polonês, armênio e filipino.
O conteúdo começou a circular depois que, em 24 de fevereiro de 2022, a Rússia iniciou a invasão à Ucrânia com bombardeios em várias cidades do país, incluindo Kiev, e incursões terrestres. Isso provocou a mobilização de forças militares e habitantes de várias cidades ucranianas para resistir às tropas de Putin.
No entanto, a foto não tem relação com esse episódio.
Uma busca reversa pela imagem usando a ferramenta TinEye levou a vários artigos em ucraniano que datam de 2016. Em um deles, publicado em 23 de março daquele ano no site Gordonua, aparece a foto viral em uma galeria intitulada “Crianças da guerra”.
Segundo o artigo, o autor dessas fotografias é Dmitry Muravsky, um fotógrafo ucraniano que foi acusado de encenar suas fotos em 2016.
Contatado várias vezes e por diferentes meios, Muravsky não respondeu às solicitações da equipe de checagem da AFP.
No entanto, a imagem das duas crianças foi encontrada em um álbum no perfil do fotógrafo no Facebook, intitulado "Crianças de guerra", datado de 22 de março de 2016. No mesmo dia, a fotografia foi compartilhada na conta oficial do Ministério da Defesa da Ucrânia no Facebook.
Outro artigo de um meio de comunicação ucraniano também compartilhou as fotos em 23 de março de 2016 sob o título: “‘Crianças de guerra’: o Ministério da Defesa publica fotos comoventes de jovens ucranianos da zona de operações antiterroristas”.
A nota detalha: “Crianças da zona de operação antiterroristas chegaram de férias a Dnipropetrovsk. 25 crianças de Krasnohorivka, região de Donetsk, passarão as férias de primavera em Dnipropetrovsk. Os voluntários estão organizando férias para as crianças em idade escolar na cidade, onde apenas uma em cada cinco escolas sobreviveu ao bombardeio. Esta é a nona viagem de adolescentes a Dnipropetrovsk em um ano e meio”.
O conflito entre os separatistas pró-russos e o exército ucraniano nas regiões orientais de Donetsk e Lugansk começou em 2014.
Em 2016, o governo ucraniano lançou a “Operação antiterrorista” (ATO, na sigla em inglês) para combater os rebeldes separatistas do leste do país, ofensiva que mudou seu nome em 2018 para Operação de Forças Conjuntas (JFO).