O fragmento de um vídeo no qual o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva supostamente “confessa que deu” uma refinaria da Petrobras para a Bolívia foi compartilhado mais de 16 mil vezes nas redes sociais desde, pelo menos, 1º de março de 2022. Mas a alegação, presente desde 2018 nas redes, é falsa. As refinarias da Petrobras na Bolívia não foram “doadas”, e sim vendidas por 112 milhões de dólares em 2007, durante o processo de nacionalização da exploração do petróleo e gás da Bolívia.
“Acredite se quiser. Lula confessa que deu refinaria da Petrobras para Bolívia”, diz uma das publicações com o trecho do vídeo compartilhado no Facebook (1, 2). O mesmo fragmento, com alegações similares, circula no Instagram (1, 2), Twitter (1, 2) e YouTube (1).
Nas publicações viralizadas, o ex-mandatário (2003-2010) fala no Instituto Lula ao lado de Álvaro García Linera, ex-vice-presidente boliviano, sobre sua relação com o governo do ex-presidente da Bolívia Evo Morales (2006-2019).
No registro compartilhado em redes, Lula relata uma conversa que teria tido na presença de Morales antes que ele assumisse o governo, quando lhe perguntaram qual seria sua reação caso a Bolívia nacionalizasse a Petrobras. “E eu disse: ‘Olha, o gás é de vocês, o petróleo é de vocês, portanto, sabe, vocês fazem o que vocês quiserem’. E foi assim que nós nos comportamos”, diz Lula.
Em algumas publicações, o vídeo viralizado ainda é acompanhado de um texto com a afirmação de que se estima que o Brasil tenha perdido R$ 5 bilhões com essa situação.
Uma busca no Google pelos termos “Lula refinaria Petrobras Bolívia” trouxe como resultado um artigo publicado no jornal Gazeta do Povo em 2015, que fazia referência à fala e citava que as instalações supostamente doadas por Lula valeriam US$ 1,5 bilhão (o que seria equivalente, atualmente, a mais de R$ 7 bilhões).
Uma nova pesquisa com as palavras-chave “Instituto Lula Bolívia 2015” em “vídeos” no Google levou à gravação completa publicada no site da instituição. No evento, intitulado “Bolívia: Dez anos de transformações políticas, étnicas e sociais”, o trecho viralizado aparece após 2 horas, 30 minutos e 19 segundos da filmagem.
No vídeo pode se confirmar que se trata da mesma fala viralizada, na qual o ex-mandatário não “confessa que deu” refinarias da estatal brasileira para a Bolívia.
Nacionalização de hidrocarbonetos
Alegações similares a respeito da venda das duas refinarias brasileiras na Bolívia circulam ao menos desde 2018 nas redes sociais (1, 2) e já foram verificadas pela AFP.
Uma nova busca no Google em março de 2022 pelas palavras-chave “Bolívia refinarias Petrobras” mostrou como resultado matérias de 2007 sobre a venda de duas refinarias da estatal brasileira para a Bolívia (1, 2), tendo como contexto a decisão do país vizinho de nacionalizar a produção de petróleo e gás, em 1º de maio de 2006 (1, 2).
Em setembro de 2020, o Checamos já havia entrado em contato com a assessoria de imprensa da Petrobras, que enviou uma nota datada de 10 de maio de 2007 comunicando sobre a “venda da totalidade da participação acionária da companhia nessas refinarias pelo valor de 112 milhões de dólares”.
A Petrobras ainda especificou que o valor proposto “foi calculado com base no fluxo de caixa futuro, produzido por instituição financeira internacional independente, conforme práticas usuais dos negócios”.
“A partir da decisão do governo boliviano, em 1º de maio de 2006, de nacionalizar 50% mais uma das ações da PBR, a companhia passou a negociar uma indenização prévia e justa com as autoridades daquele país. (...) Com este objetivo, a Petrobras apresentou, em 11 de maio de 2007, uma proposta final, no valor de US$ 112 milhões, para a venda das ações”, diz outra nota da estatal brasileira, datada de 26 de junho de 2007.
O texto também informa que, após a aceitação da proposta pela empresa estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB), a primeira parcela do pagamento, no valor de US$ 56 milhões, foi depositada no dia 11 de junho de 2007. A segunda parcela foi paga em agosto daquele ano (1, 2).
A nacionalização dos hidrocarbonetos bolivianos ocorreu durante o último ano do primeiro mandato do presidente Lula (2003-2006), enquanto a negociação do pagamento com a Petrobras se concretizou no primeiro ano de seu segundo mandato (2007-2010).
O líder petista sofreu críticas na época por ter emitido, em 2 de maio de 2006, uma nota oficial indicando que “a decisão do governo boliviano de nacionalizar as riquezas de seu subsolo e controlar sua industrialização, transporte e comercialização, é reconhecida pelo Brasil como ato inerente à sua soberania”.
“Perda de R$ 5 bilhões”
Alguns dos vídeos viralizados finalizam com a seguinte alegação: “Estima-se que o Brasil tenha perdido 5 bilhões de reais com essa situação”.Uma busca pelas palavras-chave “Petrobras 5 bilhões Bolívia” levou a reportagens (1, 2) a respeito de um suposto investimento que seria feito pela Petrobras na Bolívia. Os textos informavam, porém, que a estatal brasileira afirmou que não iria arcar sozinha com esse valor.
Outra pesquisa com os termos “Lula prejuízo Petrobras Bolívia” levou a notícias sobre uma perda de R$ 872 milhões que teria sido causada por um acordo fechado com a estatal boliviana YPFB (1, 2). O valor, no entanto, não chega a R$ 5 bilhões e estaria relacionado à venda do chamado “gás rico” ao Brasil.
Outras reportagens também apontam que a estatal brasileira havia investido US$ 1,5 bilhão (mais de R$ 7 bilhões atualmente) na Bolívia desde a década de 1990 (1, 2).