Jornal Estado de Minas

CHECAMOS

Tabela que compara poder de compra de gasolina em vários países contém dados imprecisos

Uma tabela compartilhada milhares de vezes nas redes sociais desde, ao menos, 9 de março de 2022 mostra, supostamente, o poder de compra em relação à gasolina no Brasil, nos Estados Unidos, no Reino Unido, na Itália e na Argentina.



No contexto da alta no preço dos combustíveis, a imagem lista o que seria o valor da gasolina, do salário mínimo e do tanque de 35 litros e, então, calcula a porcentagem referente ao poder de compra em cada país. Contudo, a tabela contém algumas imprecisões.
“Gasolina. Poder de compra no mundo”, lê-se no título das imagens compartilhadas no Facebook, Instagram e Twitter.


O conteúdo começou a circular em um contexto de alta no preço dos combustíveis no país. Em 10 de março de 2022, a Petrobras anunciou um aumento nos preços de venda da gasolina e do diesel para as distribuidoras. A medida, segundo um comunicado da companhia, é uma consequência do “aumento global dos preços do petróleo e seus derivados” causado pela guerra entre Rússia e Ucrânia.




Por meio de fontes oficiais dos países listados na tabela, o Checamos analisou cada um dos valores de salário mínimo, gasolina e porcentagem da renda sobre o preço do tanque de 35 litros. 

Foram consideradas todas as casas decimais nos cálculos, aproximando os valores somente nos resultados finais. O conversor do Banco Central do Brasil foi utilizado para transformar as cifras em real com base no câmbio de 17 de março de 2022.

Brasil e Argentina

O salário mínimo que vigora no Brasil não é de R$ 1.100 por mês, como é visto nas publicações, mas de R$ 1.212 desde 1 de janeiro de 2022. Já o preço médio do litro da gasolina comum no país, em consulta realizada em 17 de março de 2022 e relativa ao mesmo mês, não é de R$ 7,80, mas R$ 6,64, segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

Como resultado, o valor médio do tanque de 35 litros é de R$ 232,26, o que corresponde a 19,16%, e não 25% do salário mínimo.

Os valores referentes à Argentina também diferem dos praticados no país. 



A partir de fevereiro de 2022, o salário mínimo passou a ser equivalente a R$ 1.529,22 por mês, ou seja, R$ 228,78 a menos que o valor descrito na tabela. Já o preço do litro da gasolina corresponde a R$ 5,09, quase dois reais a mais do que o valor viralizado. Assim, a porcentagem do salário argentino sobre o preço do tanque - R$ 178,24 - é de 11,66%, não 6,2%.

Estados Unidos e Reino Unido

No caso dos Estados Unidos e do Reino Unido, as porcentagens apontadas pela imagem viral se aproximam dos apurados pelo Checamos. 

Nos EUA, o salário mínimo é estabelecido por hora, com o valor de US$ 7,25. Considerando uma jornada de 40 horas semanais e 22 dias úteis por mês, isso corresponde a R$ 6.476,72. O preço médio do litro de gasolina equivalia em 14 de março a R$ 5,78. Nesse sentido, um tanque de 35 litros - R$ 202,52 - representa 3,13% do salário mínimo norte-americano.
Uma bomba de gasolina em um posto em Washington DC, em 13 de março de 2022 (foto: AFP / Stefani Reynolds)

Assim como nos Estados Unidos, o salário mínimo no Reino Unido é estabelecido por hora. Utilizando os mesmos parâmetros anteriores, esse valor totaliza R$ 10.472,48 ao mês e um litro de gasolina custa em média R$ 10,61, de modo que 35 litros do combustível - R$ 371,64 - equivalem a 3,55% do salário mínimo britânico.



Itália

Já no caso da Itália, o valor médio de fevereiro de 2022 para o litro de gasolina corresponde a R$ 10,37, fazendo com que 35 litros de combustível custem R$ 363,10. No entanto, diferentemente do que apontam as publicações virais, o país não tem um salário mínimo nacional vigente. Há um projeto de lei sobre o tema, apresentado em abril de 2021, mas que ainda segue em curso no Senado. 

Consultado pelo Checamos, Mauro Rochlin, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), explicou que o uso do salário mínimo como critério de comparação entre os países referidos pode ser “tendencioso”. Isso porque, de acordo com o especialista, “a diferença de renda é muito grande no caso da comparação entre países ricos x países pobres”, o que “distorce” os resultados.

Rochlin ressaltou que a maneira mais adequada de avaliar o poder de compra nesse caso seria a partir da comparação da renda média dos proprietários de veículos, já que “esse universo define melhor os mais diretamente afetados”.  No entanto, “como não há dados precisos a respeito, é difícil fazer a comparação”. Nesse sentido, alguns conteúdos acabam refletindo “pesquisas viesadas”, como as que tomam o salário mínimo como parâmetro, concluiu o professor.