Jornal Estado de Minas

CHECAMOS

Pfizer não publicou estudo culpando vacina anticovid por hepatite infantil


 

Publicações compartilhadas em redes sociais ao menos desde 24 de abril de 2022 asseguram que, segundo um estudo da Pfizer, a vacina contra a covid-19 poderia ser a responsável pela 'nova forma de hepatite severa que afeta crianças', um surto alertado pela Organização Mundial da Saúde no mesmo mês. Mas a OMS assegurou em abril que as causas dessa hepatite ainda não são conhecidas e que a grande maioria dos afetados não haviam sido vacinados. Após ser contactada pela AFP, a Pfizer negou ter publicado um estudo sobre a hepatite infantil e o seu imunizante.





'Assunto sério .. OMS emite Alerta Global sobre uma nova forma de Hepatite em Crianças. Estudo da Pfizer demostra que a causa pode ser a vacina Covid...', diz uma das publicações compartilhadas no Twitter (1, 2), junto ao link de um artigo em inglês do site The Exposé, já verificado em outras ocasiões pela AFP (1, 2, 3).

Mensagem semelhante também circula no Facebook (1, 2) e em publicações em espanhol.

As postagens são compartilhadas após uma série de casos de hepatite aguda ter sido registrada em crianças em diferentes países. Em 15 de abril de 2022, a OMS informou que até o dia 8 daquele mês haviam sido contabilizados 74 casos em crianças com menos de cinco anos no Reino Unido.

Uma atualização desse mesmo relatório revelou que, até 21 de abril, haviam sido notificados ao menos 169 casos de hepatite aguda de origem desconhecida em 10 países na Europa, em Israel e nos Estados Unidos.



Nessa atualização, feita em 23 de abril de 2022, a OMS enfatizou que as causas da hepatite infantil ainda estavam sendo investigadas e que, embora algumas das crianças afetadas tenham tido covid-19, hipóteses relacionadas a um possível efeito adverso de imunizantes contra o SARS-CoV-2 'não se sustentam atualmente, já que a grande maioria das crianças afetadas não haviam recebido a vacina contra a covid-19'.

A Agência de Segurança de Saúde do Reino Unido (UKHSA, na sigla em inglês), por sua vez, publicou em 25 de abril de 2022 um informe técnico sobre a investigação relacionada ao aumento de casos de hepatite de origem desconhecida em crianças.

Meera Chand, diretora de Infecções Clínicas e Emergentes da UKHSA, assegurou em um relatório do governo britânico que essa investigação 'sugere cada vez mais que o aumento repentino na aparição de hepatite em crianças está relacionado a uma infecção por adenovírus. No entanto, estamos investigando a fundo outras possíveis causas'.



Na mesma página em que são publicadas as atualizações dessa investigação, a UKHSA também descartou a existência de uma relação entre a vacina contra a covid-19 e a hepatite aguda em crianças: 'Nenhum dos casos confirmados atualmente no Reino Unido em crianças com menos de 10 anos havia se vacinado, segundo se sabe'.

No Reino Unido, a vacinação infantil é realizada pelo Serviço Nacional de Saúde e contempla a imunização de crianças de cinco a 11 anos com uma dose reduzida do imunizante da Pfizer usado em adultos. As crianças afetadas pela hepatite que tem menos de cinco anos, portanto, não haviam sido vacinadas contra a covid-19 nesse país.

Fanny Petermann, doutora em Saúde Pública e Epidemiologia pela Universidade de Glasgow (Escócia) e acadêmica da Faculdade de Medicina da Universidade Diego Portales, no Chile, disse que 'foram identificados nos casos graves de hepatite uma cepa de adenovírus, especificamente o adenovírus 41. Acredita-se que evoluiu e poderia estar gerando esses sintomas mais severos de hepatite em crianças'.



A especialista explicou à AFP que os casos ainda estão sob análise e que uma das hipóteses consideradas é que, após a pandemia, 'as crianças foram expostas a esse novo adenovírus e não tiveram defesas suficientes para enfrentá-lo'.

Petermann descartou um vínculo entre essa hepatite e a imunização contra o SARS-CoV-2 já que 'a maioria dessas crianças não havia recebido a vacina contra a covid-19, tornando impossível uma relação causal entre a vacina e a hepatite'.

 

Uma seringa e um frasco com os dizeres 'vacina covid-19' em frente ao logo da farmacêutica Pfizer, em 23 de novembro de 2020 ( AFP / JOEL SAGET) (foto: Reprodução)

O 'estudo' da Pfizer

Buscas no Google pelas palavras-chave 'Pfizer', 'hepatite' e 'covid-19' não levaram a nenhum estudo da farmacêutica que vinculasse a vacina contra a covid-19 com os casos de hepatite em crianças.



A equipe de checagem da AFP também consultou o site da companhia, especificamente a seção que publica suas pesquisas, assim como suas contas no Twitter, Instagram e Facebook, sem encontrar o suposto estudo. As versões arquivadas dessas contas tampouco exibem resultado semelhante ao alegado nas redes (1, 2, 3, 4).

Após ser contactado pela AFP, um porta-voz da Pfizer no Chile negou, em 4 de maio de 2022, que a companhia tenha publicado um estudo sobre o surto atual de hepatite. 'Não há estudos da Pfizer que façam referência a essa questão', indicou.

Algumas das publicações difundem um artigo intitulado, em tradução livre do inglês: 'OMS emite alerta global sobre nova forma de hepatite severa que afeta crianças; estudo da Pfizer sugere que vacina contra covid pode ser culpada'. O texto é baseado em um artigo científico que supostamente vincula o imunizante desta farmacêutica aos casos de hepatite.



No entanto, o estudo intitulado 'Transcrição reversa intracelular da vacina de mRNA da Pfizer BioNTech COVID-19 BNT162b2 in vitro em linha de células de fígado humano' não afirma em nenhum momento que a vacinação seria a causa direta do surto de hepatite.

'Neste estudo, apresentamos evidências de que a vacina de mRNA de covid-19 BNT162b2 pode ingressar na linha celular de fígado humano Huh7 in vitro', afirma.

A pesquisa conclui: 'Neste momento, não sabemos se o DNA transcrito reversamente a partir do BNT162b2 se integra no genoma celular. São necessários mais estudos para demonstrar o efeito do BNT162b2 na integridade genômica, incluindo o sequenciamento completo das células expostas ao BNT162b2, assim como dos tecidos dos sujeitos humanos que receberam a vacina'.

Uma busca no Google pelos nomes dos autores do estudo levou a uma entrevista com Yang de Marinis e Magnus Rasmussen publicada pela Universidade de Lund, na Suécia.



Nela, Marinis afirmou que 'o estudo não investiga se a vacina da Pfizer altera nosso genoma. Nossa publicação é o primeiro estudo in vitro sobre a conversão da vacina de mRNA em DNA, dentro de células de origem humana'.

O pesquisador ainda enfatizou que 'não há motivo para que ninguém mude sua decisão de se vacinar com base neste estudo'.

'Essas descobertas foram observadas em placas de Petri em condições experimentais, mas ainda não sabemos se o DNA convertido se integra ao DNA das células e ao genoma e, caso positivo, se há alguma consequência', explicou Rasmussen.

O artigo citado nas publicações viralizadas compartilha uma segunda pesquisa que supostamente se refere ao 'primeiro caso conhecido de uma mulher saudável de 35 anos que desenvolveu hepatite autoimune uma semana após sua primeira dose da vacina da Pfizer contra a covid-19'. Mas a pesquisa adverte explicitamente que ainda deve ser 'determinado se existe uma relação causal entre a vacinação contra a covid-19 e o desenvolvimento de hepatite autoimune'.