A alegação de que Marisa Letícia, segunda esposa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e falecida em 2017, teria uma fortuna de R$ 256 milhões voltou a circular nas redes sociais em maio de 2022.
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Alegações similares são feitas desde 2020. Marisa Letícia foi casada com o ex-presidente Lula (2003-2010) durante mais de 40 anos. Ela faleceu em 2017, após um acidente vascular cerebral hemorrágico. Em 18 de maio de 2022, o candidato à Presidência nas eleições gerais deste ano casou-se novamente com a socióloga Rosângela da Silva, mais conhecida como 'Janja'.
No entanto, uma pesquisa no Google pelos termos '256 milhões Marisa Letícia' levou a reportagens indicando que o número surgiu de um erro do juiz Carlos Henrique André Lisbôa, da 1ª Vara de Família e Sucessões de São Bernardo do Campo (SP), que reconheceu ter confundido o valor de R$ 26 mil com R$ 256 milhões (1, 2).
A partir desses resultados de busca, foi possível obter o número da ação do inventário - 1010986-60.2017.8.26.0564 - e consultá-la no site do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Nos registros judiciais disponibilizados pelo TJ-SP, é possível ver que, em 6 de abril de 2020, o juiz Carlos Henrique André Lisbôa pediu esclarecimentos a respeito de um suposto investimento de 2.566.468 unidades de Certificado de Depósito Bancário (CDB) - um tipo de produto financeiro tipicamente oferecido por instituições bancárias - do Banco Bradesco, que teriam um valor unitário R$100,00. Isso representaria, portanto, um investimento de mais de R$ 256,6 milhões.
No entanto, esse valor unitário de R$ 100 foi erroneamente atribuído ao investimento em CDBs que a ex-primeira-dama possuía.
Em resposta ao pedido de esclarecimento do magistrado, consultada pela AFP no site Jusbrasil, os advogados de Lula afirmaram que 'referido valor nominal de diz respeito às 'debêntures' que estão indicadas nos instrumentos de emissão relativos a esses títulos e não existe nada, absolutamente nada, que possa vinculá-lo aos CDBs'. O valor de R$ 100 foi ocultado do texto disponível no Jusbrasil por ser considerado uma informação pessoal.
O documento continua:
'Tentou-se atribuir a ela , a partir de tal associação, um patrimônio imaginário de R$ 256 milhões (resultado da descabida multiplicação do número de CDBs pelo valor nominal de determinadas debêntures), o que é incompatível com a realidade e com as informações disponíveis nestes autos'.
O texto da equipe de defesa do ex-mandatário explica, ainda, que esses 2.566.468 CDBs teriam como origem uma aplicação automática feita a partir do saldo líquido que Marisa possuía no Banco Bradesco, e que esse investimento tinha o valor total de R$26.281,74, e não de R$ 256 milhões.
Em um outro documento enviado ao Checamos pelo escritório de advocacia responsável pela representação de Lula, também é possível ver a imagem de um extrato bancário que mostra que o saldo relativo ao investimento em CDBs na conta de Marisa era de R$ 26 mil:
Em uma decisão de 6 de maio de 2020, o magistrado reconheceu o argumento da defesa de Lula, afirmando que 'restou demonstrado que o investimento que a falecida possuía no Banco Bradesco tem saldo líquido de R$26.282,74'.
À época, Lula também se manifestou sobre o ocorrido em suas redes sociais. 'Seria importante que o juiz que cometeu o erro, tivesse aprendido a pedir desculpas no curso que ele fez', tuitou o ex-mandatário.
A palavra desculpas é muito importante e deveria servir pra todos. Eu aprendi com a minha mãe. Seria importante que o juiz que cometeu o erro, tivesse aprendido a pedir desculpas no curso que ele fez. https://t.co/QtaRnlG9B3
— Lula (@LulaOficial) May 8, 2020
A equipe jurídica do ex-mandatário também publicou uma nota oficial sobre o tema no site do Instituto Lula, afirmando que 'o despacho proferido em 06 de abril faz referência, por equívoco, a escrituras de debêntures que o próprio Juízo reconhece não ter relação com os bens a partilhar'.
O Checamos já verificou uma alegação semelhante a respeito do patrimônio da ex-primeira-dama. À época, a equipe de verificação da AFP consultou documentos do processo no site Jusbrasil, nos quais constam que o patrimônio deixado por Marisa Letícia totaliza R$ 6.139.482,24. Em 2020, foi liberada a partilha de R$ 1.458.535,49 entre seus herdeiros, sob a forma de dois veículos, valores depositados em contas em seu nome e cotas de empresas.
Verificação semelhante foi feita pela Agência Lupa.