Uma mensagem compartilhada nas redes sociais mais de meio milhão de vezes desde pelo menos 2010 garante que 'o corpo humano só pode suportar 45 unidades de dor, mas no momento do parto uma mulher suporta até 57'.
'A dor do parto é a pior dor que existe', dizem publicações compartilhadas no Facebook (1, 2), Instagram e Twitter, descrevendo a suposta quantidade de dor que um corpo humano poderia suportar: 'O corpo humano só pode suportar 45 unidades de dor, mas no momento do parto uma mulher suporta até 57 unidades de dor, isto equivale a 20 ossos quebrados todos de uma só vez... Tome consciência, ame e respeite as mulheres do amor. Só elas são capazes de suportar tanta dor'.
Conteúdo similar circula também em outros idiomas, como espanhol, inglês e francês, ao menos desde 2010.
No entanto, as alegações são falsas.
'Não usamos unidades de dor, já que a medicina considera a dor subjetiva', disse à AFP o ginecologista obstetra argentino Julián Kotliroff. 'Unidades de dor não são usadas na obstetrícia de rotina', explicou.
Esse conceito tampouco vem de um campo médico distinto da obstetrícia. Luis Miguel Torres, presidente da Sociedade Espanhola de Dor Multidisciplinar, disse à AFP que o termo 'não existe no mundo clínico nem no de pesquisas' e assegurou que 'é invenção de alguém, que não tem nenhum fundamento, nenhuma base científica'.
Dominique Truan, ginecologista obstetra da Universidade do Chile, também explicou à AFP: 'A dor é muito subjetiva, muito pessoal, muito sobre o contexto'. E apontou que 'é fantasioso falar em 'unidades de dor''.
Mario Sebastiani, doutor em medicina e obstetra do Hospital Italiano de Buenos Aires, disse à AFP que a dor 'é uma das questões mais controversas da medicina, já que não há 'medidores de dor' eficazes".
Para quantificar a dor de alguma maneira, os especialistas consultados detalharam que se pergunta diretamente ao paciente, com uma escala de 0 a 10, em que 10 é a dor máxima possível. 'Há até desenhos com rostos e cores para crianças', disse Kotliroff. 'Às vezes, o próprio ato de providenciar uma escala permite colocar mais a dor em palavras', acrescentou.
Torres destacou a importância dessa comunicação entre médico e paciente: 'É preciso saber [o grau da dor], porque de acordo com o que diz a paciente [que dará à luz], um tratamento ou outro deve ser aplicado (...). Deixar uma dor de alta intensidade evoluir por muito tempo é perigoso para mãe e filho', disse.
Uma dor como nenhuma outra
Truan destacou que embora 'nunca se possa medir em unidades', a dor do parto 'é uma dor considerada na medicina como 'alta', assim como um cálculo renal, muito intensa'.
Torres também mencionou a comparação com cálculos nefríticos ou biliares, mas esclareceu que a dor do parto é 'muito específica, pelas suas características e duração'. 'Não é possível explicar a ninguém. É difícil compará-la com qualquer outro tipo de dor', acrescentou.
Para Sebastiani, 'é um tema extremamente subjetivo e viciado', já que o que se sente ao parir 'depende também do cenário do momento e da preparação antes do nascimento, sobretudo se não houver analgesia'.
Kotliroff, por sua vez, ressaltou que a dor tem um papel determinante no parto, pois 'em instituições que não dispõem de instrumentos médicos como analgesia e anestesia para o parto, é possível determinar, a pedido da paciente, uma conduta obstétrica determinada', como a cesariana.