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Estado de Minas CHECAMOS

A palavra 'foda' não tem como origem uma sigla criada em Portugal devido à baixa natalidade

Boato circula dizendo que sigla 'Fornicação Obrigatória por Despacho Administrativo' foi criada em Portugal quando pessoas eram obrigadas a ter relações sexuais


30/06/2022 18:45 - atualizado 01/07/2022 09:33

Publicações compartilhadas dezenas de vezes em 2022 nas redes sociais alegam que a palavra 'foda' teria como origem a sigla 'Fornicação Obrigatória por Despacho Administrativo', que supostamente foi criada em Portugal quando as taxas de natalidade estavam baixas e as pessoas eram obrigadas a ter relações sexuais.

Mas isso é falso. A palavra tem etimologia do latim, sem qualquer relação com a suposta sigla portuguesa.

'Sabia que antigamente em Portugal, devido à baixa taxa de natalidade, as pessoas eram obrigadas a ter relações: 'Fornicação Obrigatória por Despacho Administrativo' = sigla F.O.D.A. Daí a origem da palavra FODA', diz uma das publicações no Twitter. Conteúdo semelhante também circula no Facebook (1, 2).

Captura de tela feita em 28 de junho de 2022 de uma publicação no Twitter
Captura de tela feita em 28 de junho de 2022 de uma publicação no Twitter ( . / )

Outras publicações (1, 2, 3) também mencionam que as palavras 'fuck', em inglês, e 'punheta' teriam se originado das respectivas siglas 'Fornication Under Consent of King' ('Fornicação sob o consentimento do rei', em português) e 'Processo Unilateral de Normalização Hormonal por Estimulação Temporária Auto-induzida'.

Siglas portuguesas?


Ao Checamos, o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e doutor em Linguística Mário Alberto Perini afirmou que essa etimologia é 'pura fantasia'. O termo 'foda', segundo o docente, tem como origem o latim.

O professor explica que a palavra é uma nominalização de 'foder', que vem do latim 'futuere', e virou em espanhol 'joder', em francês 'foutre', e em italiano 'fotere' - todas elas com significado semelhante ao que tem 'foda/foder' em português, com denotação sexual ou então de 'acabar com', sem qualquer relação com a expressão 'Fornicação Obrigatória por Despacho Administrativo', como indicam as postagens viralizadas.

O também professor da UFMG e doutor em Filologia e Língua Portuguesa César Nardelli Cambraia indicou ao Checamos, em 2020, uma origem similar à afirmada por Perini, ressaltando que uma consulta ao Dicionário Houaiss é suficiente para verificar que tal etimologia é falsa.

De fato, uma busca no dicionário Houaiss - que mostra, entre outras especificações, o significado e a etimologia das palavras - aponta como origem, no caso de 'foda', a palavra do latim 'futuere, no sentido de 'ter relações carnais com mulher''.
Captura de tela feita em 30 de junho de 2022 do dicionário Houaiss
Captura de tela feita em 30 de junho de 2022 do dicionário Houaiss ( . / )

O Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de Antônio Geraldo da Cunha, cuja visualização parcial está disponível no Google, também indica, na página 297, que a origem do termo vem do latim 'futuere'.

A respeito da segunda suposta sigla, 'punheta', que segundo as publicações teria se originado da frase 'Processo Unilateral de Normalização Hormonal por Estimulação Temporária Auto-induzida', o professor Perini indica que ela surge da palavra ''punho', digamos o instrumento utilizado nessa atividade; 'punho' é do latim 'pugnum'; o derivado 'punheta' me parece uma formação típica do português; não há forma paralela em espanhol'.

O professor ainda assinala que essa expressão ocorre em Portugal e 'através dos colonizadores na África oriental passou para o suaíli, onde uma punheta se chama 'ponhéto''.

O dicionário Houaiss também indica que o termo 'punheta' tem como origem o elemento de composição 'pugn-', do latim 'pugnus', que significa punho, murro, soco.

'A forma 'foda' é derivação regressiva do verbo 'foder' e a forma 'punheta' é derivação sufixal do substantivo 'punho'. Sempre desconfie de etimologias fantasiosas, sobretudo se se basearem em acrônimos', concluiu Cambraia.
Transeunte observa pichações feitas por manifestantes no Rio de Janeiro, em 18 de junho de 2013
Transeunte observa pichações feitas por manifestantes no Rio de Janeiro, em 18 de junho de 2013 (foto: AFP / Nelson Almeida)

'Fornication Under Consent of King'?


A explicação sobre o possível surgimento de 'fuck' é uma antiga lenda urbana que circula há décadas, de acordo com Jesse Sheidlower, lexicógrafo e autor de 'The F Word', um livro que traça a origem da palavra e a sua evolução ao longo dos séculos.

Contactado pela AFP em 10 de julho de 2020, Sheidlower explicou que o primeiro registro conhecido do mito segundo o qual 'fuck' seria uma sigla surgiu em 15 de fevereiro de 1967 no jornal nova-iorquino The East Village Other. Nessa publicação, a sigla foi apresentada como 'For Unlawful Carnal Knowledge' ('Para conhecimento carnal ilegal', em português).

A versão apresentada nas publicações viralizadas, 'Fornicação sob consentimento do rei', apareceu pela primeira vez em uma carta dirigida à revista Playboy em 1970, segundo o linguista.

Mas, na realidade, a palavra vem das línguas germânicas. 'Existem muitas teorias sobre a sua origem (francês, latim, nórdico antigo, e inclusive egípcio, que é o menos provável). O mais provável é que 'fuck' venha de 'fokken', uma palavra em baixo alemão que significa 'bater'', explicou Kate Wiles, medievalista e chefe de redação da revista History Today, em uma entrevista concedida à AFP também em julho de 2020.

'Fuck', usada com conotação sexual, teria aparecido na língua inglesa entre o início do século XIV, como indica o dicionário norte-americano Merriam-Webster, e o final do século XV, quando é encontrado 'o primeiro exemplo do qual se tem registro', de acordo com Jesse Sheidlower.

A explicação da origem de 'fuck' como sigla não é apenas falsa, mas também anacrônica. 'Os acrônimos em inglês são excepcionalmente raros antes da década de 1940', indica Sheidlower. Geralmente, a origem das palavras em inglês que vêm de acrônimos (como 'scuba' ou 'radar') é estabelecida assim que aparecem 'e o acrônimo não é usado décadas, ou séculos, mais tarde como uma explicação a posteriori', acrescenta o lexicógrafo.


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