'Foi um assalto na casa', disse um psicanalista sobre Maria da Penha, brasileira que deu nome à lei contra violência doméstica. No vídeo da entrevista, compartilhado centenas de vezes nas redes sociais desde 5 de junho de 2022, ele explica que ela teria ficado paraplégica após uma tentativa de roubo. No entanto, nos autos do processo e na sentença, o então marido de Maria da Penha foi reconhecido como o autor dos disparos.
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As mulheres negras não têm em seu DNA "todas as variações genéticas possíveis"A foto de uma mulher acorrentada foi feita em protesto contra o Estado Islâmico em 2014Mulher armada em vídeo não é a mãe de um dos mortos em operação policial no Jacarezinho'Quantos de nós sabíamos disto? A Maria da Penha ficou na cadeira de rodas devido a um assalto, não por culpa do marido', escreveu um usuário no Twitter (1, 2) ao compartilhar a sequência.
Conteúdo semelhante também circula no Facebook (1, 2, 3), Instagram (1, 2, 3), Kwai (1, 2), TikTok e YouTube.
No fragmento viralizado nas redes sociais, Ventura questiona o caso emblemático que deu origem à Lei 11.340/06, promulgada em 2006 e que 'cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher'.
A versão sustentada por Ventura é a mesma da tese de defesa do acusado pelo crime e ex-marido de Maria da Penha, Marco Antonio Herédia Viveros.
A 1ª Vara do Júri da Comarca de Fortaleza, no Ceará, unidade onde tramitou o processo à época, enviou ao AFP Checamos os documentos referentes à sentença condenatória e à sentença de pronúncia, no qual o juiz admite e reconhece a acusação como sendo um crime contra a vida e encaminhando o julgamento para o Tribunal do Júri.
Nos documentos judiciais estabelece-se que não havia indícios de assalto. A tese da defesa foi refutada pelo juiz na decisão de pronúncia do caso.
O caso Maria da Penha
Em 1983, Maria da Penha Maia Fernandes foi baleada nas costas, enquanto dormia, pelo seu então marido, Marco Antonio Herédia Viveros, ficando paraplégica devido a lesões irreversíveis.
Na época, o agressor declarou à polícia que o casal tinha sido vítima de uma tentativa de assalto e que o tiro foi disparado por assaltantes que invadiram a residência do casal. Essa versão foi desmentida pela perícia.
Ao voltar para casa, Maria da Penha foi novamente vítima de tentativa de feminicídio por parte de Viveros. O ex-marido a manteve em cárcere privado por duas semanas, período em que tentou eletrocutá-la durante o banho. Após essa segunda tentativa, ela levou o caso à Justiça.
Maria da Penha esperou por oito anos até o primeiro julgamento, que aconteceu em 1991, — na ocasião, seu ex-marido foi sentenciado a 15 anos de prisão, mas a defesa recorreu da decisão e Viveros foi colocado em liberdade.
Em 1996, houve o segundo julgamento e Viveros foi condenado a 10 anos e 6 meses de prisão, contudo, novamente, não cumpriu a pena. Entre 1997 e 2001, o recurso ficou estagnado no Tribunal de Justiça do Ceará (TJ-CE) à espera de julgamento. O agressor de Maria da Penha foi preso em 2002, 19 anos após o crime.
Legislação sobre violência doméstica
Na época do caso de Maria da Penha, o Brasil não tinha uma legislação específica para violência doméstica ou feminicídio.
O Brasil foi denunciado na Comissão Interamericana de Direitos Humanos por omissão em relação à violência doméstica em um documento publicado em 4 de abril de 2001.
'A Comissão considera que as decisões judiciais internas neste caso apresentam uma ineficácia, negligência ou omissão por parte das autoridades judiciais brasileira e uma demora injustificada no julgamento de um acusado, bem como põem em risco definitivo a possibilidade de punir o acusado e indenizar a vítima', diz um trecho do relatório.
O país foi responsabilizado pela tolerância e omissão estatal sistemáticas no tratamento de casos de violência contra a mulher. A Organização dos Estados Americanos (OEA) recomendou ao governo brasileiro a adoção de uma lei específica que pudesse prevenir a violência doméstica e proteger a mulher.
Em 2006, foi sancionada a Lei 11.340/06, que ficou conhecida como Lei Maria da Penha, e criou mecanismos de combate e punição para agressões contra mulheres.
O conteúdo também foi checado pelo Aos Fatos, Estadão Verifica e UOL.