Em 2013, a deputada federal Luiza Erundina (PSB, atualmente do PSOL) apresentou uma proposta de emenda constitucional que ampliaria o número de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). No primeiro debate do segundo turno das eleições de 2022, em 16 de outubro, o projeto foi mencionado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) junto à alegação de que "Dilma (...) tentou criar mais 4 vagas para o Supremo". O trecho foi compartilhado mais de 1.500 vezes nas redes. Mas a proposta não beneficiaria a então presidente, pois um dos objetivos era reduzir o poder do Executivo na nomeação de magistrados.
"Bolsonaro: PEC que amplia número de cadeiras no STF, é de autoria de Luiza Erundina e tem apoio de 40 congressistas do PT. Tramontina nele!", diz uma das publicações compartilhadas no Twitter, no Facebook e no Kwai.
Bolsonaro se referiu ao projeto de Erundina em resposta a uma pergunta feita no debate pela jornalista Vera Magalhães sobre propostas que tramitam no Congresso com o objetivo de alterar a composição do STF, aumentando o número de ministros ou estabelecendo mandatos que acabariam com a vitaliciedade de seus integrantes. Em sua intervenção, a jornalista citou que a ideia é vista como uma ameaça à democracia por 'juristas e observadores'.
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Na sequência, Bolsonaro afirmou: "Para deixar bem claro, a proposta de emenda à Constituição ora em tramitação na Câmara é da sra. Luiza Erundina. E tem 40 deputados do PT que deram o devido apoiamento. Ou seja, em 2013, a sra. Dilma Rousseff, que exercia forte influência do sr. Lula, tentou criar mais quatro vagas para o Supremo Tribunal Federal".
O que diz a PEC proposta por Erundina
Em 2013, a então deputada pelo PSB, Luiza Erundina, de fato apresentou uma proposta de emenda constitucional (PEC), assinada por parlamentares do PT e de outros partidos, que alteraria a composição da mais alta corte do país.
Segundo essa PEC, o STF seria substituído por uma "Corte Constitucional" composta por "quinze Ministros de notável saber jurídico e reputação ilibada", quatro juízes a mais do que existem atualmente no Supremo. A PEC também propõe alterações na composição do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
"A PEC 275 propunha alterar a própria natureza do STF, que deixaria de funcionar também como um tribunal recursal (como ocorre hoje) para limitar-se a atuar como corte constitucional, julgando apenas matérias de constitucionalidade através de seu tribunal pleno', explicou à AFP Rafael Mafei, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo à AFP em 17 de outubro.
No texto, a mudança foi justificada por uma "sobrecarga de processos de competência do Supremo Tribunal Federal" e por "uma hegemonia absoluta do Chefe de Estado" nas nomeações dos magistrados da corte.
A PEC de Erundina, portanto, apresenta como uma de suas justificativas reduzir os poderes do presidente da República, que não seria mais o responsável por nomear os magistrados. Nesse sentido, a proposta prevê que:
"Os Ministros da Corte Constitucional serão nomeados pelo Presidente do Congresso Nacional, após aprovação de seus nomes pela maioria absoluta dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, a partir de listas tríplices de candidatos oriundos da magistratura, do Ministério Público e da advocacia, elaboradas respectivamente pelo Conselho Nacional de Justiça, o Conselho Nacional do Ministério Público e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil".
Segundo Mafei, a ideia de uma Corte Constitucional, destinada somente a julgar a constitucionalidade de leis e atos dos demais poderes, é um modelo que existe em diversos países democráticos.
O docente acrescentou à AFP que a PEC proposta por Erundina reduziria 'drasticamente' o poder do presidente da República na indicação de ministros para a Suprema Corte:
"Ao lado do aumento do número de ministros, a PEC 275 retiraria a competência de indicação do Poder Executivo, deixando-a ao Congresso Nacional, que deveria escolher nomes a partir de listas tríplices vindas do Ministério Público, da advocacia e da magistratura"
"Ou seja o Executivo poderia atuar apenas politicamente, tentando garantir que nomes de sua preferência fossem contemplados nas listas tríplices e depois aprovados nas votações da Câmara e do Senado', pontuou Mafei.
Em suas redes sociais, a deputada também manifestou-se contra a comparação feita por Bolsonaro durante o debate:
Bolsonaro e sua sanha ditatorial ignora trechos importantes da proposta, que visa DIMINUIR o Poder do presidente, aperfeiçoando o trabalho da Suprema Corte. Bolsonaro mente! pic.twitter.com/I2QKjLqVf6
— Luiza Erundina (@luizaerundina) October 17, 2022
Procurada pela AFP, a assessoria de imprensa de Erundina afirmou que o contexto no qual a PEC foi proposta era um 'contexto de sobrecarga da Suprema Corte com o número excessivo de matérias e feitos que dificultavam, como até hoje continuam dificultando, o cumprimento pelo STF do seu papel precípuo, que é a guarda da Constituição'.
'Na PEC não tratamos apenas de composição , e sim parâmetro de constitucionalidade, ampliação da independência, monopólio do controle jurisdicional de constitucionalidade e os efeitos da decisão', acrescentou a equipe da parlamentar.