O presidente em exercício Jair Bolsonaro (PL) não foi votado em algumas seções eleitorais do país no segundo turno das eleições de 2022, mas isso não comprova fraude nas urnas.
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"Foram MAIS DE 10 MIL urnas em que o Bolsonaro teve 0 votos, isso é impossível, a fraude está escancarada, só não vê quem não quer", diz uma das publicações compartilhadas no Twitter e no Facebook, algumas com a imagem de uma lista das cidades em que o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), apareceria com o total de votos das seções.
As alegações de fraude circulam em meio a manifestações antidemocráticas de apoiadores de Bolsonaro que contestam a vitória de Lula nas eleições de 30 de outubro.
Levantamentos (1, 2) realizados com base em dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) do segundo turno apontam que algumas seções eleitorais realmente registraram todos os votos para apenas um dos dois presidenciáveis. Mas o número é inferior ao viralizado nas redes: 147, ou 0,03% das 472 mil seções instaladas em todo país.
Nas seções onde a votação foi unânime para um candidato à Presidência no segundo turno, 143 foram favoráveis a Lula e 4 a Bolsonaro.
Entretanto, não é possível relacionar os "zero votos" em Bolsonaro em algumas seções do país a uma fraude na votação.
"Dentro do espaço probabilístico"
Segundo o estatístico Francisco Louzada Neto, professor da Universidade de São Paulo e coordenador de Transferência de Tecnologia do Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (CEPID-CeMEAI), o fato de algumas seções apresentarem votos somente para um candidato não é uma anomalia, do ponto de vista estatístico. Segundo Louzada:
'Zero votos em um determinado candidato está dentro do espaço probabilístico, ou seja tem uma probabilidade não nula de ocorrência. Particularmente em um reduto em que um dos candidatos é praticamente unanimidade'.
Nesse sentido, Raphael Nishimura, diretor de amostragem do Survey Research Center da Universidade de Michigan, acrescentou: ' seria considerado uma anomalia, com uma baixa probabilidade de ocorrência se supormos que os votos se distribuem aleatoriamente (ou homogeneamente) entre as seções eleitorais, o que sabemos que certamente não é o caso. (...) Essa suposição, além de ser bastante simplória, é extremamente irrealista, uma vez que sabemos que os votos não se distribuem dessa forma'.
À AFP, Felipe Nunes, professor de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e diretor da Quaest, explicou que "não é impossível que haja seções em que um candidato seja dominante". Isso, segundo ele, pode ocorrer "pelo simples fato de que o voto tende a seguir padrões regionais".
De fato, ao se comparar os resultados obtidos pelo presidente eleito Lula no segundo turno com as localidades das seções onde Bolsonaro não teve nenhum voto - reunidas nesse levantamento da Agência Tatu -, é possível perceber que grande parte dessas urnas estão localizadas em áreas onde Lula apresenta um significativo favoritismo, como o Nordeste:
Além disso, de acordo com a Justiça Eleitoral, a votação unânime também é comum quando uma seção fica localizada em comunidades indígenas ou em áreas quilombolas, por exemplo. Segundo levantamento realizado pelo portal G1, 100 das 143 seções que votaram de forma unânime em Lula têm 'aldeia', 'comunidade' ou 'povoado' no nome.
Com o indício oferecido pelo levantamento da Agência Tatu, o AFP Checamos conferiu nos dados oficiais do TSE que Bolsonaro efetivamente contou com 100% dos votos na seção 15 da 100ª zona eleitoral em Charrua (RS), na seção 41 da 17ª zona eleitoral em Chaves (PA), e nas seções 78 e 79 em Caracas, na Venezuela.
Já Lula levou todos os votos, por exemplo, na seção 52 da 45ª zona eleitoral da aldeia Piau em Ipixuna, no Amazonas; na seção 384 da 4ª zona eleitoral na Aldeia Apiwtxa, em Marechal Thaumaturgo, no Acre; na seção 800 da 5ª zona eleitoral de Salvador, na Bahia; e na seção 150 da 97ª zona eleitoral em Teresina, no Piauí.
O total de votos obtidos nas seções que votaram unanimemente em Lula tampouco alteraria o resultado final da eleição. Segundo os levantamentos realizados (1, 2), as seções deram a Lula 16.455 votos. O petista venceu o atual mandatário por uma margem superior a 2 milhões.
Um conteúdo semelhante foi verificado pelo Boatos.org e pelo Estadão Verifica.
O AFP Checamos já checou outras alegações de supostas irregularidades nas eleições de 2022 (1, 2, 3), algumas delas, inclusive, afirmando erroneamente que seções não registraram votos em Bolsonaro (1, 2).