Não é verdade que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) alterou a certidão para fins eleitorais de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para atestar que nada consta contra o presidente eleito.
Publicações difundidas mais de 8 mil vezes desde pelo menos 18 de novembro comparam duas certidões emitidas pelo tribunal, uma de 18/11 e outra de 20/11, e afirmam que a primeira, na qual constam processos contra o petista, teria sido 'alterada' para alegar que nada consta contra ele. Mas as certidões se referem a instâncias judiciais diferentes, como é possível ver nos próprios documentos.
Uma versão similar da alegação circula em formato de vídeo e foi encaminhada ao AFP Checamos pelo WhatsApp, para onde os usuários podem enviar conteúdos vistos em redes sociais, caso duvidem de sua veracidade.
As publicações são acompanhadas de duas imagens de certidões judiciais para fins eleitorais emitidas pelo TRF1. Na primeira, com data de 18/11/2022, lê-se: 'Certificamos, na forma da lei, que, consultando os sistemas processuais abaixo indicados, CONSTAM, até a presente data e hora, PROCESSOS com potencial de gerar inelegibilidade contra: Luiz Inácio Lula da Silva'. Já o segundo documento, de 20/11, atesta que 'não constam' processos contra Lula.
Essa discrepância, apontam alguns usuários, indicaria que Lula é ficha suja e, portanto, não poderia ter sido candidato ou eleito no pleito de 2022.
As duas certidões contêm códigos de validação que podem ser usados para verificar a autenticidade dos documentos. Por meio do sistema online do TRF1, a equipe de checagem da AFP conseguiu validar ambos os documentos usando o número da certidão e as sequências indicadas no campo 'código de validação' (1, 2).
Diferentes instâncias
Ambos os documentos trazem uma série de observações. Na observação do item 'f' da certidão do dia 18 de novembro está escrito: 'Esta certidão abrange os processos em curso na Justiça Federal de 1º Grau'.
Já na certidão do dia 20 de novembro, a observação de letra 'f' diz: 'Esta certidão abrange os processos em curso na Justiça Federal de 2º Grau'.
Segundo a doutora em Direito Penal e professora da Fundação Getúlio Vargas Raquel Scalcon, a certidão do dia 18 de novembro não atesta que Lula é inelegível: 'A [certidão] de 1º grau significa que existem ações penais em andamento. Podem existir ações penais em andamento, isso não torna a pessoa inelegível. Isso significa que há uma potencialidade, mas não torna'.
'Ou seja, existe algum tipo de ação com potencialidade de causar inelegibilidade? Sim. Elas [ações do primeiro grau] causaram inelegibilidade? Não. Até agora, não. No segundo grau, existe algo tramitando com potencial de causar inelegibilidade? Não, sequer há algo tramitando', explicou a docente ao AFP Checamos em 22 de novembro.
Scalcon acrescentou, ainda, que uma certidão não substitui a outra, porque nenhuma delas diz que há inelegibilidade. 'O que [a certidão para fins eleitorais] informa é se há alguma ação correndo cujo resultado poderia futuramente, talvez, gerar essa situação de inelegibilidade'.
A docente também explicou que para um candidato ser considerado inelegível é necessário, ao menos, uma condenação em segundo grau.
Em 21 de novembro, o AFP Checamos procurou o TRF1, que enviou uma nota de resposta por email, publicada também no site do tribunal. O órgão informou que 'não há contradição entre as mencionadas certidões, tendo em vista que são documentos referentes a bases de dados processuais diferentes'.
'A certidão emitida no dia 18/11/2022, com a informação de existência de processos 'com potencial de gerar inelegibilidade', abrangeu os processos da Justiça Federal de 1º Grau, do Distrito Federal. Diversamente, a certidão emitida no dia 21/11/2022, [...] refere-se à base de dados sobre processos originários da Justiça Federal de 2º Grau', continua o texto. 'Nessa condição, corretamente, certificou a inexistência de processos'.
A assessoria de comunicação do TRF1 reforçou que as certidões não atestam inelegibilidade, restringindo-se a apenas informar sobre a existência ou não de processos. E acrescentou:
'Este Tribunal não atestou nem poderia atestar, em nenhuma certidão, a inelegibilidade do presidente eleito. Incumbe, exclusivamente, à Justiça Eleitoral a análise da situação de elegibilidade'.
Lula e o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), tiveram as suas candidaturas aprovadas de forma unânime pelo plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 8 de setembro de 2022. Na ocasião, o ministro Carlos Horbach entendeu que Lula e Alckmin preenchiam 'as condições de elegibilidade exigidas pela Constituição Federal e pela legislação eleitoral, não havendo contra eles nenhuma causa legal' que os impediria de concorrer nas eleições de 2022.