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As meninas menores de 14 anos podem abortar na Colômbia sem a aprovação de seus pais desde 2006

Em redes sociais, usuários criticam o texto e o interpretam como decisão da Presidência do país. No entanto, essa não é uma medida do Poder Executivo


25/01/2023 17:11 - atualizado 30/01/2023 08:30

O Ministério da Saúde da Colômbia expediu em 12 de janeiro de 2023 uma resolução na qual regula que meninas com menos de 14 anos de idade tenham a possibilidade de interromper uma gravidez, se assim o quiserem, sem necessitar da aprovação de seus pais.

Nas redes sociais, alguns usuários criticaram o texto e o interpretaram como uma decisão da Presidência do país. No entanto, essa não é uma medida do Poder Executivo.

O aborto infantil é permitido constitucionalmente na Colômbia desde 2006, inclusive sem a autorização dos tutores, pois assume-se que a menor foi vítima de abuso sexual.

''Menores de idade não podem beber cerveja ou fumar, mas podem abortar cruelmente o bebê por nascer'', diz uma das publicações compartilhadas dezenas de vezes no Facebook, Instagram e Twitter desde 19 de janeiro de 2023.
Captura de tela feita em 24 de janeiro de 2023 de uma publicação no Facebook
Captura de tela feita em 24 de janeiro de 2023 de uma publicação no Facebook ( .)

Junto às publicações, usuários compartilham uma matéria do site ACI Digital, que menciona o nome da ministra da Saúde colombiana, Carolina Corcho, e o governo do presidente Gustavo Petro, que assumiu em 7 de agosto de 2022.

Resolução do ministério


As publicações circulam após terem sido divulgadas na Colômbia capturas de tela da Resolução 051 do Ministério da Saúde na qual se ressalta: 'As meninas menores de 14 anos podem exercer seu direito à IVE [Interrupção Voluntária da Gravidez, em espanhol] de maneira autônoma. Seu desejo de interromper ou continuar com a gravidez prima sobre os desejos de seus pais ou representantes legais, mesmo se eles não estiverem de acordo com sua decisão' .

A resolução, publicada em 12 de janeiro de 2023, contém as regulações necessárias em matéria de saúde pública para atender às mulheres gestantes que desejam interromper voluntariamente sua gravidez na Colômbia.

Com isso, o documento deu cumprimento à sentença C-055 emitida em 21 de fevereiro de 2022 pela Corte Constitucional, que despenalizou o aborto, consentido na Colômbia até a 24ª semana de gestação.

Após esse limite de tempo, o aborto só está permitido no país em três casos: quando a gravidez resulta de um abuso sexual, se a saúde da mãe está em risco ou quando o feto sofre de uma má-formação que compromete sua sobrevivência.

Gravidez infantil


O artigo compartilhado pelas publicações virais diz que a resolução 'pretende, sob ameaça de sanções, desconhecer a autoridade parental, pois estabelece que menores de 14 anos podem fazer o aborto sem o consentimento dos pais'. No entanto, tal prática é permitida desde 2006 pelo artigo 208 do Código Penal colombiano.

'Embora o consentimento para haver relações sexuais não se aplique com as menores de 14 anos, deve-se aceitar e respeitar a decisão de optar ou não por um aborto, quando se trata de exercer o direito à autonomia e quando as gravidezes precoces trazem geralmente perigos para a vida, a saúde e a integridade das menores grávidas', diz a legislação.

Dessa maneira, segundo especialistas, a possibilidade de uma menina menor de 14 anos realizar um aborto, ainda sem o consentimento de seus pais, foi concedida pela sentença constitucional de 2006, não pela resolução do Ministério da Saúde em 2023.

Assim explicou à AFP a advogada Cristina Rosero Arteaga, assessora legal da ONG Centro de Derechos Reproductivos na América Latina: 'A lei parte da presunção de que uma gravidez nessa idade é violência sexual. E a jurisprudência posterior à sentença C-355 de 2006 esclareceu que as meninas e as adolescentes, também aquelas de menores de 14 anos, não necessitavam a autorização de seus pais'.

Desde 2006, a Corte Constitucional colombiana emitiu vários esclarecimentos a respeito.

No acórdão T-209 de 2008, o Supremo Tribunal assinalou que, quando a mulher gestante deseja interromper sua gravidez diante de uma causa como o abuso sexual, as entidades de saúde não devem exigir 'autorização ou consenso' dos pais ou outros familiares.

Além disso, na decisão T-388 de 2009, a Corte precisou que está 'proibido' que as entidades de saúde elevem 'barreiras inadmissíveis' como impedir as menores de 14 anos de 'exteriorizar livremente seu consentimento para efetuar a interrupção voluntária da gravidez' inclusive 'quando seus progenitores ou representantes legais não estejam de acordo com a interrupção'.

Depois, na sentença T-697 de 2016, reiterou que 'a autonomia reprodutiva' deve entender-se dentro da 'proteção reforçada' que a Constituição dá aos meninos, meninas e adolescentes; e, por isso, 'apenas se necessita da vontade da menina para praticar-se a interrupção voluntária da gravidez'.

O Ministério da Saúde expediu outras regulações que incluem tal esclarecimento. Em 2012, o protocolo de atenção a vítimas de violência sexual apontou que 'a decisão da menina prima sobre a de seus pais, mesmo que eles não estejam de acordo, mas ela o solicite'. E, em 2014, outra resolução apontou que 'a decisão da menina prima sobre a de seus pais, especialmente no caso de uma menor de 14 anos'.

A advogada María Camila Correa Flórez, professora de Direito Penal da Faculdade de Jurisprudência da Universidade de Rosário, explicou à AFP que essa medida busca proteger as crianças que decidem interromper sua gravidez, tendo em conta os riscos para sua saúde e as implicações para seu projeto de vida.

'O que se protege antes dos 14 anos é o desenvolvimento correto de sua vida, sua infância e sua eventual vida sexual', apontou.

Entre janeiro e outubro de 2022, últimas cifras disponíveis, registaram-se na Colômbia 3.500 nascimentos de bebês cujas mães se encontravam entre os 10 e 14 anos de idade, uma redução de 9,8% frente ao mesmo período de 2021, segundo o Departamento Administrativo Nacional de Estatísticas (DANE).

De acordo com Correa, o que fez o Ministério em sua resolução de 2023 foi 'esclarecer' o estipulado em anos anteriores pela Corte, 'para evitar que se ponham barreiras às meninas que tenham sido agredidas sexualmente'.

'Depois da sentença C-355 de 2006, a Corte por via de tutela [ação de amparo] sempre reconheceu essa possibilidade de que elas tomarão a decisão. Foi claro que as meninas têm o direito de tomar essa decisão sem necessitar autorização dos pais', acrescentou.

Em todo caso, a especialista recorda que a interrupção da gravidez, inclusive antes dos 14 anos, segue sendo voluntária e é um delito obrigar a abortar qualquer mulher que deseje continuar com sua maternidade.

A AFP já verificou outras afirmações enganosas sobre a descriminalização do aborto na Colômbia.


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