Vídeos virais citam um artigo científico para alegar que a adição de limão à Coca-Cola resulta na produção de benzeno, considerado um dos maiores problemas químicos para a saúde.
No entanto, o artigo não foca na mistura de frutas cítricas com refrigerantes. O estudo analisa a produção de benzeno em bebidas que contêm o conservante benzoato de sódio a partir de uma reação que pode acontecer com a presença de vitamina C, mas que depende da ação de catalisadores. A conclusão do próprio artigo é que a presença de vitamina C e benzoato de sódio não resulta necessariamente na formação de benzeno.
A mesma alegação circula em outro vídeo que, assim como o anterior, usa como referência um artigo intitulado 'Estudo da Formação de Benzeno em Bebidas Contendo o Conservante Benzoato de Sódio'. Essa análise foi publicada em 2014 por pesquisadoras do Centro de Pós-Graduação da Faculdade Oswaldo Cruz.
Os vídeos virais, no entanto, confundem os aditivos alimentares benzoato de cálcio e benzoato de sódio. Na página 484 de um documento elaborado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária é explicado que ambos os conservantes são usados em bebidas não alcoólicas gaseificadas, porém o estudo citado concentra-se no benzoato de sódio.
Além disso, ao contrário do que alegam as publicações, o estudo não foca na mistura entre frutas cítricas e refrigerantes, mas analisa uma série de condições que poderiam levar à formação de benzeno em bebidas industrializadas.
O que diz o estudo?
O artigo cita uma reação que pode ser gerada a partir do ácido ascórbico (vitamina C) e do ácido benzoico, do qual se derivam sais como o benzoato de sódio. Porém essa reação depende também de catalisadores e da concentração de vitamina C.
Segundo o artigo, metais de transição 'podem catalisar a redução de um elétron de O2 por ácido ascórbico'. Essa reação pode gerar radicais livres, conhecidos como radicais hidroxila.
O artigo cita um estudo realizado pela Agência de Medicamentos e Alimentos dos Estados Unidos (FDA) em 1990 que mostrou que o radical hidroxila 'pode atacar o ácido benzoico, removendo o dióxido de carbono para produzir benzeno em condições prevalentes em muitos alimentos e bebidas'.
Ainda segundo o estudo, a produção de benzeno é favorecida pela concentração de vitamina C, mas 'diminui quando a concentração de ácido ascórbico passa a ser superior à de ácido benzoico'. A conclusão é que a presença de vitamina C e de sais benzoato 'não indica necessariamente a presença de benzeno nos produtos'.
O texto afirma também que a produção de benzeno em bebidas depende de fatores como temperatura elevada e/ou exposição à luz UV.
O AFP Checamos procurou as autoras do estudo e questionou se o limão ou qualquer fruta cítrica poderia levar à formação de benzeno em refrigerantes. Uma delas, a professora Alice Chasin, disse não ter resposta para essa pergunta.
O que dizem os especialistas?
O Conselho Federal de Química publicou um vídeo desmentindo a alegação de que misturar Coca-Cola com limão resulte em benzeno. Na sequência, Raquel Lima, presidente do Conselho Regional de Química da Paraíba, explica que o que acontece é a formação do ácido benzoico. Porém, esse ácido não se reduz diretamente em benzeno, mas sim em álcool benzílico. Além disso, o nosso corpo não oferece as condições necessárias para que aconteça essa redução.
A doutora em Química María Celeste Dalfovo, da Argentina, concorda que não é possível formar benzeno apenas a partir da mistura.
'O ponto é que para ocorrer essa reação é preciso ter certas condições. [...] Adicionar limão à Coca-Cola não resultará na formação de benzeno porque é preciso ter exposição a altas temperaturas ou à luz por um tempo. Não é uma reação instantânea.'
Stefany Kancev, formada em Engenharia Química pela Universidade de Carabobo, avalia que reação só ocorreria se a mistura fosse exposta a uma temperatura acima de 120 graus centígrados. 'Alta temperatura é o que pode causar a produção de benzeno, porque o ácido benzóico seria degradado em suas partes. [...] Mas refrigerantes ou bebidas industrializadas normalmente não esquentam a essas temperaturas'.
Procurada pelo AFP Checamos, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) reforçou que não há evidências científicas que corroborem a alegação viral.
'Sobre a formação de benzeno em bebidas gaseificadas que contenham o aditivo benzoato e venham a ser adicionadas de limão no momento do consumo, esta é uma especulação sem a sustentação científica necessária.'
Benzeno em refrigerantes
Em 2009, a Anvisa emitiu um alerta sobre a presença de benzeno em bebidas acima do limite recomendado. A agência solicitou aos fabricantes a alteração das fórmulas, especialmente em bebidas sabor laranja.
Na época, um estudo da ProTeste Associação de Consumidores encontrou benzeno em sete das 24 bebidas avaliadas. Porém, apenas a Fanta laranja light e a Sukita Zero tinham concentração de benzeno acima do limite permitido. A associação apontou que o benzeno encontrado seria resultado de uma reação entre os ácidos benzoico e a vitamina C.
Em 2011, a Coca-Cola, a Ambev e a Schincariol firmaram um termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público Federal se comprometendo a reduzir a quantidade de benzeno nas bebidas em cinco microgramas por litro.
Ao AFP Checamos, a Anvisa explicou que a adição de benzeno em refrigerantes não é permitida, mas que a água é uma 'eventual fonte de contaminação'. Dessa forma, o limite adotado é o mesmo da água.
'No Brasil as águas para consumo humano não devem conter benzeno em quantidade superior a 5 mcg/L, que é o limite estabelecido pelo Ministério da Saúde para a água destinada ao consumo humano. Este limite é mais restritivo do que o preconizado pela OMS, de 10 mcg/L.'
Em seu site, a Coca-Cola nega que a adição de limão resulte em benzeno e explica que a bebida foi formulada para diminuir a produção de benzeno e 'garantir que sua quantidade esteja sempre abaixo de 5 mcg/l'.
A Anvisa também disse ao AFP Checamos que não recebeu denúncias recentes relacionadas à contaminação de refrigerantes ou outras bebidas pelo benzeno.
A substância também foi identificada em bebidas pela FDA em 1990. Na época, os produtos passaram por uma reformulação para eliminar ou reduzir o benzeno. Atualmente, entre 200 refrigerantes e bebidas testadas pela agência, somente nove continham benzeno acima do limite.